Ritmo de crescimento de Portugal no comércio internacional vai abrandar. Perfil mais importador do que exportador e dependência da China, cuja influência no comércio mundial também deverá cair para metade, são razões que estão na origem do problema.
José Varela Rodrigues
O volume das trocas comerciais entre países já está 10% acima dos níveis anteriores à pandemia e deverá crescer ainda mais este ano e em 2023. No entanto, para um país com um perfil mais importador do que exportador, como Portugal, o futuro não será tão animador. O país deverá cair 80 posições no ranking do crescimento no comércio internacional no período 2021-2026, de acordo com a previsão do Fundo Monetário Internacional que consta na edição de 2022 do Trade Growth Atlas, da DHL, o maior player do mundo na área da distribuição e logística (opera em Portugal desde 1982).
Se de 2016 a 2021 Portugal avançou 3% no comércio internacional, sendo o 73.o Estado que mais evoluiu, o ritmo de crescimento do país nos cinco anos seguintes (2021-2026) deverá ser de 1,6%, caindo no ranking para o lugar 153. À escala, o crescimento absoluto do volume das trocas comerciais para Portugal totalizou 23,4 mil milhões de dólares (23,7 mil milhões de euros) entre 2016 e 2021. Assumindo que o peso do país derrapará para metade no quinquénio seguinte, no final de 2026, o crescimento luso no comércio internacional ascenderá a 14,4 mil milhões de dólares (14,6 mil milhões de euros).
Efeito China afeta Portugal
A vizinha Espanha, por exemplo, deverá fazer o trajeto inverso. Se, entre 2016 e 2021, a taxa de crescimento das trocas comerciais espanholas foi de 1,9%, para o período 2021-2026 a estimativa é que a mesma acelere para 3%.
O que está na origem da quebra de Portugal no comércio internacional? A essa questão o Atlas da DHL não responde. A "abrangência do estudo não inclui uma análise de políticas a nível local", explica ao Dinheiro Vivo John Pearson, CEO da DHL Express, responsável pela apresentação do estudo em Bruxelas (Bélgica) a 15 de setembro. A DHL Express é a área de negócio dedicada ao transporte expresso internacional de objetos e distribuição porta a porta.
Apesar de não haver uma análise local, Steven A. Altman, principal autor do relatório da DHL, ao afirmar que "o cenário comercial está a mudar, apresentando novos desafios" - sobretudo na correlação de forças entre "as economias avançadas" e os mercados emergentes, os únicos que "mostram grandes oportunidades de crescimento" -, aponta para uma das conclusões do Atlas que pode ajudar a explicar o recuo de Portugal: o fator China.
No final de 2021, a China era o sexto país do qual Portugal mais mercadorias importava. Ora, o Trade Growth Atlas de 2022 estima que o país responsável por revolucionar o mapa-mundo das trocas comerciais desde 2001 (quando foi aceite na Organização Mundial do Comércio), até agora responsável por "um quarto do crescimento" do comércio internacional, perderá força. A China vai continuar muito forte a exportar bens, mas deixará de representar 25% do crescimento do comércio internacional, passando a ser responsável por 13%. Ou seja, o fator China terá menos expressão e é possível que Portugal sinta isso.
O estudo prevê que o abrandamento da incidência da China nas trocas comerciais em todo o mundo ocorra por mérito de países do sul e sudeste asiático, nomeadamente Vietname, Índia e Filipinas, considerando que há empresas a procurar diversificar estratégias de produção e fornecimento até agora centradas na China. Resta saber se estes países ganharão relevância no quadro das trocas comerciais portuguesas.
Comércio global continuará a ser alavanca económica
"É verdade que hoje o crescimento do comércio está distribuído por uma maior variedade de países", realça José António Reis, diretor-geral da DHL Express Portugal, reiterando que há mesmo "espaço para que países como o Vietname, a Índia ou as Filipinas venham a destacar-se, tanto na velocidade como na escala do crescimento comercial projetado até 2026".
Ora, como fica Portugal perante a alteração do quadro comercial? "É necessário que Portugal, assim como outras economias que estejam dependentes da China, canalizem a sua atenção para estes novos mercados", responde o gestor, à frente da operação da DHL em Portugal desde 2018.
Para José António Reis, independentemente da atenção que o país venha a dar aos referidos novos mercados, há uma certeza: "O comércio [internacional] continua e continuará a ser um motor chave para a prosperidade e para alavancar a economia de um país como Portugal".
Por outro lado, as empresas portuguesas deverão "repensar as suas cadeias de abastecimento, assumindo um compromisso entre investimento e risco, e com foco na eficiência e segurança", a fim de acompanhar as alterações previstas no panorama mundial.
Concretização do novo aeroporto ajudaria Portugal
Não obstante, há que considerar uma característica da economia portuguesa - é mais importadora que exportadora, o que significa que quaisquer variações nas trocas comerciais internacionais têm grande potencial de influenciar negativamente o equilíbrio da balança portuguesa. Além dessa tendência, há que contar ainda com os efeitos da guerra na Ucrânia, da inflação e da crise energética. Como pode, então, o país resistir e crescer mais no comércio internacional? "Assumindo um forte compromisso com o território, bem como com a economia [também] com um perfil mais importador do que exportador", responde o responsável.
Para o gestor da DHL Portugal, o Estado "tem de avançar uma estratégia e medidas que assentem, por um lado, na motivação e qualificação do capital humano e, por outro, no investimento em inovação, digitalização, qualidade e sustentabilidade, para competir no mundo do comércio internacional". E há uma decisão pendente do governo que poderia ajudar, adianta José António Reis: a concretização do novo aeroporto de Lisboa.
Sublinha o gestor, também nesta lógica de evolução das trocas comerciais, que o país "pode atrair mais investimento estrangeiro e mais empresas", desde que tenha "um modelo mais competitivo". Esse modelo seria tanto melhor - depreende-se das palavras do diretor - quanto mais rápidas forem "tomadas decisões sobre infraestruturas vitais para o futuro do país, como a localização do futuro aeroporto de Lisboa, que tem várias implicações, quer ao nível do turismo quer ao nível das importações e exportações de mercadorias".
O Trade Growth Atlas de 2022 baseou-se em mais de um milhão de trocas comerciais entre 173 países (representam 99% do comércio, do PIB e da população mundial). O objetivo da DHL é mostrar que nem o contexto pandémico nem a guerra na Ucrânia colocaram um ponto final na globalização. Aliás, o estudo revela um panorama "surpreendentemente" mais positivo do que o esperado, com o impacto da guerra na Ucrânia a ser muito inferior ao da crise pandémica, segundo o principal autor Steve A.Altman.
Para John Pearson, ainda assim, o "período de turbulência continuará durante mais algum tempo". Por isso, recomenda às autoridades que "continuem a dar prioridade a estratégias que visem a resiliência" dos países, sugerindo que se continue a dar valor a acordos comerciais e a apoiar um "ambiente positivo" para o crescimento do comércio internacional.
"Quando o comércio se contraiu, no início da pandemia, o declínio foi menor entre os países que estão ligados por profundos acordos comerciais. O apoio ao comércio que se concentra em melhorar a eficiência dos processos de exportação e importação também desempenhou um papel importante na manutenção do fluxo de mercadorias durante a pandemia (por exemplo, ao simplificar procedimentos)", diz. O responsável defende ainda o papel de instituições internacionais, como a Organização Mundial do Comércio "no apoio crucial ao comércio mundial", elencando a inflação, a política chinesa para a covid e o preço da energia como maiores ameaças ao comércio mundial.
Portugal vai perder metade do atual peso comercial até 2026 (dinheirovivo.pt)
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