Avançar para o conteúdo principal

Desmistificando a "digitação", a digitalização e a transformação digital



 Digitalização e transformação digital são frequentemente utilizados de forma intermutável, sem grande atenção ao significado específico de cada um dos termos. Para complicar ainda mais, são três os termos equivalentes em inglês: digitization, digitalization e digital transformation.


Segundo a definição que se encontra no dicionário online Priberam, a digitalização é o "ato ou efeito de digitalizar, de converter para formato digital, manipulável por computador".


A "digitação" não existe em português, e é pena. A nossa língua ainda não se conseguiu adaptar à nuance relacionada com estes termos com origem anglo-saxónica. Em inglês, digitization (traduzido para português como digitalização), significa simplesmente o processo de alteração do formato da informação, de analógico para digital.


Nesta versão mais básica, toda a informação que existia em papel é passada para computador, sem qualquer alteração, otimização ou outro qualquer processo de melhoria. Os exemplos mais simples são aqueles que utilizamos mais vezes no nosso dia-a-dia. Por exemplo, sempre que "digitizamos" um documento, estamos a transformá-lo em bits e bytes para o guardar de forma digital, sem o alterar e sem alterar nenhum tipo de processo associado.


Mas há outros exemplos mais interessantes do ponto de vista da diferença de terminologia que pode parecer ténue à primeira vista. Se substituirmos um determinado processo feito em papel numa fábrica, por exemplo de recolha de informação relativa a testes de qualidade de produto, por uma aplicação informática que recolha exatamente os mesmos dados sem qualquer alteração processual, estamos novamente perante uma "digitização".


No mundo industrial, este tipo de substituição é apelidado de "papel sobre vidro" (paper on glass). Trata-se muitas vezes do primeiro passo possível de conversão, por forma a que se possa proceder a algum tipo de tratamento de dados posterior.


Mas está longe de ser o ideal, porque como se costuma referir em tom depreciativo, transforma simplesmente um eventual processo analógico ineficiente num igualmente ineficiente processo digital.


E é aí que entra o segundo termo, em inglês digitalization, agora sim corretamente traduzido para digitalização, e que tem uma perspetiva diferente que está relacionada com a otimização dos processos através da utilização de tecnologias digitais. De uma forma simples, dizemos que a "digitização" se refere a dados e informação, enquanto a digitalização se refere a processos.


A digitalização envolve angariação e integração de dados, mas para análise de informação e de indicadores de desempenho para tomada de decisão, com o objetivo final de tornar os processos mais eficientes.


Este ganho de eficiência pode ser feito de muitas formas. Por exemplo através de eliminação de atividades sem valor acrescentado, que não eram evidentes antes da informatização; ou através do aumento do nível de automação nos processos mais ou menos repetitivos, por meio do uso de tecnologias digitais; ou por exemplo através de identificação, e posterior correção, das causas por trás de perdas de qualidade.


Recorrendo mais uma vez à terminologia inglesa, diz-se que se passa do sensing (de sensor, isto é, pura leitura de dados), para o "sensemaking", que agrega valor aos dados e usa a informação gerada para transformar fundamentalmente os processos industriais e criar novas oportunidades de criação de valor.


Finalmente temos a transformação digital que, como o próprio nome deixa transparecer, é algo com um alcance ainda maior. Embora seja normalmente utilizada num contexto mais abrangente, tem especial relevância no contexto industrial, sendo um dos elementos que está na base da Indústria 4.0 ou quarta revolução industrial.


Trata-se da transformação dos negócios possibilitado pela digitalização e tecnologias inerentes. De facto, algumas das tecnologias, como dispositivos inteligentes, sistemas grandes dados (big data), realidade virtual ou aumentada, sistemas na nuvem, entre outros, associados à transformação de processos, permitem alterações fundamentais do posicionamento das empresas na cadeia de valor.


A transformação digital é assim mais do que a aplicação de um conjunto de tecnologias com impacto em alguns processos. É uma mudança organizacional e operacional, mas sobretudo cultural, que se consegue através da integração de tecnologias, processos e competências de forma transversal aos diferentes níveis e funções da empresa.


Entra-se assim no domínio estratégico alavancado pela tecnologia, que deve ser planeado e executado por etapas, com objetivos bem definidos. E que tem um poder verdadeiramente transformador: o de reposicionar as organizações, tornando os seus negócios mais ágeis e capazes de se adaptarem mais rapidamente à evolução do mercado, permitindo-lhes almejar a liderança nas suas áreas de atuação.



Francisco Almada Lobo

Desmistificando a ″digitação″, a digitalização e a transformação digital (dinheirovivo.pt)


Comentários

Notícias mais vistas:

EUA criticam prisão domiciliária de Bolsonaro e ameaçam responsabilizar envolvidos

 Numa ação imediatamente condenada pelos Estados Unidos, um juiz do Supremo Tribunal do Brasil ordenou a prisão domiciliária de Jair Bolsonaro por violação das "medidas preventivas" impostas antes do seu julgamento por uma alegada tentativa de golpe de Estado. Os EUA afirmam que o juiz está a tentar "silenciar a oposição", uma vez que o ex-presidente é acusado de violar a proibição imposta por receios de que possa fugir antes de se sentar no banco dos réus. Numa nota divulgada nas redes sociais, o Escritório para Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado dos Estados Unidos recorda que, apesar do juiz Alexandre de Morais "já ter sido sancionado pelos Estados Unidos por violações de direitos humanos, continua a usar as instituições brasileiras para silenciar a oposição e ameaçar a democracia". Os Estados Unidos consideram que "impor ainda mais restrições à capacidade de Jair Bolsonaro de se defender publicamente não é um serviço público...

Aníbal Cavaco Silva

Diogo agostinho  Num país que está sem rumo, sem visão e sem estratégia, é bom recordar quem já teve essa capacidade aliada a outra, que não se consegue adquirir, a liderança. Com uma pandemia às costas, e um país político-mediático entretido a debater linhas vermelhas, o que vemos são medidas sem grande coerência e um rumo nada perceptível. No meio do caos, importa relembrar Aníbal Cavaco Silva. O político mais bem-sucedido eleitoralmente no Portugal democrático. Quatro vezes com mais de 50% dos votos, em tempos de poucas preocupações com a abstenção, deve querer dizer algo, apesar de hoje não ser muito popular elogiar Cavaco Silva. Penso que é, sem dúvida, um dos grandes nomes da nossa Democracia. Nem sempre concordei com tudo. É assim a vida, é quase impossível fazer tudo bem. Penso que tem responsabilidade na ascensão de António Guterres e José Sócrates ao cargo de Primeiro-Ministro, com enormes prejuízos económicos, financeiros e políticos para o país. Mas isso são outras ques...

Supercarregadores portugueses surpreendem mercado com 600 kW e mais tecnologia

 Uma jovem empresa portuguesa surpreendeu o mercado mundial de carregadores rápidos para veículos eléctricos. De uma assentada, oferece potência nunca vista, até 600 kW, e tecnologias inovadoras. O nome i-charging pode não dizer nada a muita gente, mas no mundo dos carregadores rápidos para veículos eléctricos, esta jovem empresa portuguesa é a nova referência do sector. Nasceu somente em 2019, mas isso não a impede de já ter lançado no mercado em Março uma gama completa de sistemas de recarga para veículos eléctricos em corrente alterna (AC), de baixa potência, e de ter apresentado agora uma família de carregadores em corrente contínua (DC) para carga rápida com as potências mais elevadas do mercado. Há cerca de 20 fabricantes na Europa de carregadores rápidos, pelo que a estratégia para nos impormos passou por oferecermos um produto disruptivo e que se diferenciasse dos restantes, não pelo preço, mas pelo conteúdo”, explicou ao Observador Pedro Moreira da Silva, CEO da i-charging...