Parecer do Tribunal de Contas à Conta Geral do Estado de 2021 denuncia falta de informação e transparência nas Parcerias Público-Privadas e outras concessões do Estado.
Receitas das PPP rodoviárias em 2021 ficaram 51 milhões de euros abaixo do que estava previsto.
Carla Alves Ribeiro
Pela primeira vez, o Tribunal de Contas (TdC) divulgou o seu parecer sobre a Conta Geral do Estado (CGE) antes da apresentação da proposta de Orçamento do Estado. No documento entregue ontem no Parlamento, relativo à CGE 2021, a entidade liderada por José Tavares critica a falta de informação e transparência nas Parcerias Público-Privadas (PPP) e outras concessões públicas, e avisa para o "risco material de falta de controlo desse universo pelo Estado".
O problema começa logo com a identificação do número de PPP e outras concessões (OC), e estende-se à estimativa de receitas e despesas dessas parcerias e concessões e impacto futuro nas contas públicas.
De acordo com a informação inscrita na CGE, as PPP passaram de 38 em 2020 para 39 em 2021, mas na CGE apenas são consideradas 35. Quem fornece a informação sobre as PPP é a Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (UTAP), criada em 2012, que, em resposta ao Tribunal de Contas, reconhece que haverá, "com alguma probabilidade, mais PPP do que aquelas que a UTAP "herdou" aquando da sua constituição e do que as que atualmente reporta, o que exige um trabalho de mapeamento deste universo de contratos estruturado, alargado e contínuo". A UTAP, no entanto, alega falta " de meios humanos e técnicos para assumir e desenvolver esse projeto em toda a sua plenitude e com todas as consequências que daí possam advir ".
O parecer do Tribunal de Contas conclui que dez anos depois da criação desta unidade, "o universo das PPP subsiste por certificar, a ação da UTAP continua ineficaz e há risco material de falta de controlo desse universo pelo Estado".
Quanto à informação sobre as PPP que consta na CGE de 2021 alvo do parecer, no documento lê-se que "a CGE continua sem reportar informação sobre a obrigação legal de avaliação permanente das PPP pelos parceiros públicos, designadamente quanto à economia e ao acréscimo de eficiência na afetação de recursos públicos, face a outros modelos de contratação, bem como à melhoria qualitativa e quantitativa dos serviços, que constituem as finalidades essenciais das PPP". Além disso, acrescenta o documento, "continuam por referir os impactos, nas contas nacionais, dos encargos líquidos, na sua plenitude, suportados e a suportar com as PPP e as OC".
Tribunal de Contas assinala "desproporção" entre encargos líquidos das PPP pagos pelos parceiros públicos e os privados. Entre 2011 e 2021 somaram 13 436 milhões de euros e 4181 milhões, respetivamente.
Segundo o parecer do Tribunal de Contas, o ministério das Finanças rebate as acusações, explicando "estar prevista a apresentação, em sede da proposta do Orçamento do Estado, das razões para o recurso a parcerias dos setores público e privado, bem como informação global e individualizada sobre despesas anuais e plurianuais com PPP e sobre o respetivo endividamento global." As Finanças sublinham ainda "que o universo de contratos de PPP é dinâmico, devido ao ciclo de vida dos contratos e à evolução destes modelos de contratação", lê-se no documento.
Mas ouvidas as explicações da unidade de acompanhamento de projetos e do Ministério das Finanças, o Tribunal de Contas mantém a avaliação negativa: "Em suma, a audição de MF e UTAP volta a confirmar o desconhecimento do universo de PPP e OC, materializando o risco de falta de controlo desse universo pelo Estado, como ilustra a falta de informação, nesta sede [CGE 2021], sobre os contratos de concessão de serviço público relativos ao serviço postal universal e à gestão, operação e manutenção da rede SIRESP - Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal".
Encargos de 1542 milhões
Os encargos líquidos com PPP inscritos na CGE de 2021 ascendem a 1542 milhões de euros, mais 69 milhos (5%), do que está na CGE 2020 e menos cinco milhões de euros (0,3%) do que a previsão do governo no relatório do Orçamento do Estado para 2021.
Mas, para a instituição liderada por José Tavares, o problema, mais do que os números apresentados, é a falta de fiabilidade da informação. O TdC exemplifica com os dados das PPP rodoviárias e ferroviárias. "No setor rodoviário estimou-se receber menos 70 milhões e gastar mais 27 milhões face ao previsto, tendo-se recebido mais 19 milhões e gasto menos 46 milhões face ao estimado. No setor ferroviário estimou-se gastar mais dois milhões face ao previsto e foram gastos menos três milhões face ao estimado", aponta.
A UTAP justifica que a discrepância na receita do setor rodoviário se deveu à quebra na circulação rodoviária devido às medidas de combate à pandemia ter sido superior ao previsto (em outubro de 2020), e que "o acréscimo verificado (19 milhões) face ao estimado se devia à recuperação do tráfego ocorrida entre essa estimativa e o final do ano".
Para a redução em 46 milhões da despesa em vez do aumento de 27 milhões previsto, a UTAP justifica com o adiamento de encargos com grandes reparações. Mas, para o Tribunal de Contas, "estas alegações colocam em causa a fiabilidade do processo previsional, com estimativas que não anteciparam as inflexões verificadas face aos cenários previstos".
No parecer sublinha-se, ainda, a desproporção na repartição de encargos entre os parceiros públicos e os privados. Entre 2011 e 2021 esses encargos ascenderam a 13 436 milhões de euros para o Estado (1542 milhões em 2021) e 4181 milhões para os privados (127 milhões em 2021). €"A falta de informação sobre receita e despesa acumuladas de cada concessão (incluindo investimentos) não permite avaliar a execução do respetivo contrato", lê-se no parecer.
O Tribunal de Contas contesta ainda a omissão de informação na CGE 2021 relativa às concessões aeroportuárias (ANA Aeroportos). "Com efeito, o setor aeroportuário continua sem qualquer previsão (no relatório do OE) nem execução (na CGE), apesar de dois contratos de concessão de serviço público aeroportuário (celebrados em 2012 e 2013) terem sido incluídos no universo das PPP em 2018".
Para a instituição liderada por José Tavares, a falta de informação torna difícil os avaliar riscos orçamentais de longo prazo das PPP e outras concessões a privados.
Há ″risco de falta de controlo″ nas PPP avisa Tribunal de Contas (dinheirovivo.pt)
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