A nacionalização pelo Estado português de 71,7% da participação de Isabel dos Santos na Efacec não apanhou de surpresa os analistas, que aplaudem a decisão do Executivo de António Costa para salvar a empresa portuguesa.
A decisão do Governo português de comprar a participação de Isabel dos Santos na Efacec Power Solutions e nacionalizar 71,7% do capital que pertencia à empresária angolana - envolvida em processos judiciais em Portugal e Angola - justifica-se pelo "grande relevo social e económico" da multinacional portuguesa. Quem defende a opção do Executivo de António Costa é o professor de Direito, Rui Verde, em declarações à DW África.
"Sabemos que os processos judiciais têm o seu tempo e que as medidas tomadas dentro deles são sempre medidas provisórias. Isto cria grande incerteza e pode pôr em causa a viabilidade de empresas que, de um modo geral, seriam sustentáveis. Portanto, justifica-se por estas razões que a empresa seja nacionalizada autonomamente do processo judicial, deixando que este siga em relação a Isabel dos Santos", analisa.
Indemnização à vista?
O jurista português, ligado à Universidade de Oxford (Inglaterra) e investigador na Universidade de Joanesburgo (África do Sul), afirma que a filha do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, "não tem aqui muita escolha" perante a plenitude do poder do Estado.
A questão que se coloca - acrescenta - prende-se com a indemnização, "uma vez que o Estado [português decidiu] retirar a propriedade privada de alguém".
"Neste caso concreto, a indemnização [decorrente da nacionalização] tem que estar suspensa porque não se sabe, no final de contas - e é isso que está a ser discutido nos processos - se o dinheiro e a participação pertencem a Isabel dos Santos ou ao Estado angolano", examina o jurista.
A engenheira, filha do ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, integrou a estrutura acionista da Efacec, multinacional, com mais de 70 anos, em 2015, tornando-se acionista maioritária, tendo decidido sair de forma definitiva na sequência das revelações do escândalo "Luanda Leaks" e de ter sido constituída arguida em Angola. O Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação revelou, em 19 de janeiro passado, mais de 715 mil ficheiros com detalhes de alegados esquemas financeiros da empresária e do marido, Sindika Dokolo, que lhes terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais.
Nacionalização oportuna?
O jornalista angolano Carlos Gonçalves considera "interessante o timing" em que decorre a nacionalização da empresa e traz à tona o posicionamento e o papel do Estado angolano nesta ação desencadeada pelo Estado português: "É que, não se posicionando diretamente, criou ao longo desta semana uma série de constrangimentos para a empresária Isabel dos Santos."
Um desses constrangimentos seria, segundo Carlos Gonçalves, o facto de o banco BIC, onde Isabel dos Santos tem participações, ter sido impedido de cobrar dívidas à empresa pública angolana de comercialização de diamantes (SODIAM).
A esta situação o analista associa, como mais um elemento de cerco a Isabel dos Santos, a convocatória, por estes dias, de uma assembleia geral dos acionistas para se discutir a possibilidade de enfraquecimento da participação que a empresária angolana detém na UNITEL, a maior operadora de telecomunicações de Angola.
Dos Santos vai ceder?
Perante todas estas pressões, Carlos Gonçalves fala, entretanto, de alguma cedência por parte de Isabel dos Santos e do seu marido, Sindika Dokolo, que - constituídos arguidos em Angola – "abrem uma possibilidade de diálogo" face ao diferendo com o Presidente João Lourenço "a fim de se resolver uma situação que ele diz que seria a melhor solução para todos".
"Ao longo destes últimos dez/quinze dias, foi criado todo um conjunto de pressões para que a empresária cedesse. E, estrategicamente, o marido, em nome dela e em nome do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, vem abrir novas possibilidades para o desfecho desse caso. Aproveitando inclusive divisões no seio do partido MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola, atualmente no poder] que consideram que o Presidente João Lourenço não deveria extremar tanto a relação com a empresária Isabel dos Santos e abrir-se também para o diálogo", observa o jornalista angolano.
De recordar que o Ministério Público angolano recuou quanto à possibilidade de emissão de um mandado de captura internacional contra Isabel dos Santos à luz dos processos judiciais em curso em Angola envolvendo o nome da empresária, por alegada má gestão e desvio de fundos da petrolífera Sonangol.
Reprivatização da Efacec
Na quinta-feira (02.07), para ajudar a salvar a Efacec, o Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, promulgou o diploma do Governo de Lisboa, que, por seu lado, já deu início ao processo de reprivatização em busca de um novo acionista, segundo revelou o ministro português da Economia, Pedro Siza Vieira.
"Existem neste momento propostas apresentadas por vários interessados na empresa. E, portanto, o Governo prosseguirá rapidamente a tentativa de encontrar interessados que possam viabilizar e valorizar a empresa e assegurar a sua continuidade como unidade industrial e de engenharia e de inovação essencial à economia portuguesa", divulgou o ministro.
A DW África tentou obter uma reação do representante dos trabalhadores da Efacec, José Manuel Ferreira, que considerou prematuro fazer qualquer comentário à decisão da nacionalização tomada pelo Governo. A comissão dos trabalhadores diz que não se pronuncia para já por uma questão de prudência e aguarda preferencialmente por uma reunião com a administração para melhor se inteirar sobre o futuro da empresa.
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