Com muita procura e pouca oferta, os preços disparam no aluguer a estudantes. Fomos ver como se faz este grande negócio, em Lisboa e no Porto, onde florescem as residências privadas
Os bairros de cara lavada de Lisboa estão pela hora da morte. No Intendente, zona de má fama ainda não há mais de 10 anos, onde poucas famílias desejariam viver, encontramos agora um apartamento de três quartos por três mil euros ao mês. O bairro mudou muito, está na moda, os edifícios foram reabilitados e postos no mercado. Há muita procura. E um estudante pode viver ali, pagando €1 000 por um quarto, despesas incluídas.
Parece-lhe caro? Mas ao menos está remodelado, os quartos são grandes e têm uma decoração moderna… Num outro, perto, pedem €600 (com despesas) por um cubículo a que chamam “quarto de casal”, com uma cama do século passado que enche o espaço todo. Um estudante universitário deslocado, que navegue pelos sites de aluguer de quartos, não encontra poucos destes alojamentos de ar miserável, com os preços inflacionados.Basta olhar para as médias das duas principais cidades portuguesas (ver infografia Quanto custa alugar um quarto). Lisboa: €364 por mês é o preço médio; Porto: €272. Na Invicta, aliás, o preço médio aumentou 40% num só ano, pois em 2016 situava-se nos €195, pelas contas da Uniplaces, uma plataforma de arrendamento a estudantes.
A residência U.hub Picoas é muito procurada por estudantes estrangeiros por ter uma localização mais central. Os preços variam entre os €400 4 os €600
A residência U.hub Picoas é muito procurada por estudantes estrangeiros por ter uma localização mais central. Os preços variam entre os €400 4 os €600
Ainda há margem para crescer, diz quem anda pelo negócio, que beneficia, por estes dias, da lei da oferta e da procura. Há muitos estudantes e poucas casas. Bom momento para os investidores; péssimo para as famílias que têm agora os filhos na universidade.
“O turismo vem, de certa maneira, ‘expulsar’ os estudantes do centro da cidade. Um quarto para estudantes, numa das nossas residências, custa entre €350 a €600 por mês. Mas no Airbnb, um senhorio chega a pedir €100 por dia”, refere Jaime Antunes, membro do conselho de administração da University Hub, uma empresa que investe em residências universitárias privadas.
O brilho do dinheiro, no negócio do aluguer de curta duração a turistas, tem desviado muitas casas, ofuscando as vantagens do arrendamento a estudantes. São elas: a pouca concorrência quando comparado com o aluguer a turistas; o facto de haver muita procura; o poder de compra dos estudantes estrangeiros que, cada vez mais, procuram as nossas cidades para estudar; a estabilidade económica (“Mesmo quando há crise, os estudantes continuam a estudar, enquanto os turistas cortam nas férias”, acrescenta Jaime Antunes); a simplicidade do serviço; e a estabilidade proporcionada por um contrato de 6 meses ou de 1 ano, menos sujeito às variações entre a época alta e a época baixa.
Assim, enquanto muitos proprietários se viram para uma rentabilidade mais rápida no aluguer a turistas, há investidores que apostam cada vez mais nas residências de estudantes, com a paciência de quem sabe tratar-se de um investimento seguro, a longo prazo.
HÁ “TUBARÕES” NA LINHA
Por esta altura, não há um único quarto vazio nas três residências da U.hub em Lisboa (Alameda, Picoas e Alvalade). Com um total de 138 suítes e estúdios, esta empresa é já das maiores do País, preparando, até 2020, a abertura de novos alojamentos, com mais 350 quartos no Porto e 450 em Lisboa.
Quando falamos de quartos, nestas residências, referimo-nos, na verdade, a suítes, pois todos têm casa de banho privativa. Há também alguns estúdios, estes mais caros, a rondar os €600 (despesas incluídas). A residência do Picoas, bem central, tem um terraço com uma vista desafogada sobre Lisboa e é lá que encontramos um grupo de estudantes belgas e francesas a preparar o seu almoço na cozinha grande, instalada nas áreas comuns. De resto, cada um dos cinco pisos do edifício tem uma pequena cozinha. A limpeza dos quartos, uma vez por semana, está incluída, havendo ainda limpeza diária nas zonas comuns.
São muitos os estudantes que procuram as residências, por haver ali um ambiente que não encontram nos quartos particulares, mas estas estão à pinha, sobretudo com estudantes estrangeiros, que têm mais poder de compra. “Atualmente há oito residências em Lisboa, que oferecem entre 700 e 800 quartos, e quatro no Porto, com 250 quartos”, refere Maria Empis, da consultora imobiliária JLL. Números muito escassos para tanto estudante.
No entanto, continua Maria Empis, “estamos a ser muito procurados por investidores estrangeiros, com know-how na área, pois já têm as suas operações montadas lá fora. E quanto mais conhecimento da operação se tem, melhores margens se conseguem. Vieram sobretudo impulsionados pela internacionalização do ensino nacional”.
Não são só os estudantes do Erasmus; com a crescente oferta de cursos em inglês e a boa classificação internacional de meia dúzia de universidades portuguesas, os europeus são atraídos a este país cheio de sol. Pelas contas da Uniplaces, o número de estudantes internacionais em Portugal aumentou em 64% nos últimos cinco anos.
Eles são uma das apostas da Nova SBE (School of Business and Economics), que está a construir um novo campus em Carcavelos. À sua volta, já começam a aparecer os investidores, com projetos de residências privadas.
Com capacidade para três mil alunos, o campus ficará localizado num terreno de 10 hectares junto ao Forte de S. Julião da Barra, frente ao mar. Deverá estar pronto daqui a dois anos e está destinado à internacionalização (esperando que metade dos alunos sejam estrangeiros). Como diz a propaganda da Câmara de Cascais, trata-se de “oferecer grande qualidade académica aliada ao estilo de vida ‘Cascalense’ – parecido com o estilo de vida ‘Californiano’... mas ainda melhor”.
COMO “PÃEZINHOS QUENTES”
Apesar disso, é o estilo de vida lisboeta e portuense que os estudantes mais procuram por ser ali que se encontram a maior parte das faculdades. Em Lisboa, os bairros mais solicitados são Arroios, São Sebastião e Alameda; no Porto prefere-se Paranhos, Bonfim e Cedofeita. “Os estudantes procuram quartos próximos da instituição onde estudam. Naturalmente dentro de um valor que lhes seja comportável. Preferem sempre o ideal, junto à universidade, preço aceitável, mobília moderna no quarto e colegas de curso na casa”, descreve António Costa, do site Bquarto, outra plataforma de aluguer a estudantes e não só.
“A minha filha foi estudar para Lisboa e teve muita dificuldade em encontrar alojamento. Acabou por arranjar um quarto com kitchenette por €525! Cheguei à conclusão de que era um grande negócio”. Foi assim que o arquiteto Fernando Gomes, 51 anos, se lançou no projeto Smart Studios. A ideia inicial era construir em Lisboa, mas considerou os preços de imóveis para recuperar “proibitivos”. Virou-se para o Porto e convenceu o amigo Galvão Meirinhos, 45 anos, professor universitário, a embarcar com ele nesta aventura.Encontraram um prédio devoluto na Constituição e, num ano, fizeram uma residência com 26 quartos, seis dos quais duplos, com preços entre os €350 e os €400. Aqui há uma história que merece ser contada. No início de setembro, compraram por €200 um anúncio no Jornal de Notícias, para publicitar a residência, e que deveria ser publicado numa sexta-feira. Mas, na terça-feira anterior, foram contactados por uma imobiliária, que tinha já uma lista de espera de estudantes para colocar. Aceitaram e, na quarta e quinta-feira, arrendaram todos os quartos. Conclusão: quando, na sexta, saiu o anúncio no JN, já não havia um único disponível. “Foram €200 deitados ao lixo”, contam, entre risos, porque até eles ficaram surpreendidos com a facilidade com que escoaram os quartos. “É sinal de que continua a haver muita falta de alojamento deste tipo, não?”
http://visao.sapo.pt/actualidade/economia/2017-11-03-Quem-estuda-quer-quarto.-mas-a-dificuldade-e-encontra-lo?utm_source=newsletter&utm_medium=mail&utm_campaign=newsletter&utm_content=2017-11-04
Os bairros de cara lavada de Lisboa estão pela hora da morte. No Intendente, zona de má fama ainda não há mais de 10 anos, onde poucas famílias desejariam viver, encontramos agora um apartamento de três quartos por três mil euros ao mês. O bairro mudou muito, está na moda, os edifícios foram reabilitados e postos no mercado. Há muita procura. E um estudante pode viver ali, pagando €1 000 por um quarto, despesas incluídas.
Parece-lhe caro? Mas ao menos está remodelado, os quartos são grandes e têm uma decoração moderna… Num outro, perto, pedem €600 (com despesas) por um cubículo a que chamam “quarto de casal”, com uma cama do século passado que enche o espaço todo. Um estudante universitário deslocado, que navegue pelos sites de aluguer de quartos, não encontra poucos destes alojamentos de ar miserável, com os preços inflacionados.Basta olhar para as médias das duas principais cidades portuguesas (ver infografia Quanto custa alugar um quarto). Lisboa: €364 por mês é o preço médio; Porto: €272. Na Invicta, aliás, o preço médio aumentou 40% num só ano, pois em 2016 situava-se nos €195, pelas contas da Uniplaces, uma plataforma de arrendamento a estudantes.
A residência U.hub Picoas é muito procurada por estudantes estrangeiros por ter uma localização mais central. Os preços variam entre os €400 4 os €600
A residência U.hub Picoas é muito procurada por estudantes estrangeiros por ter uma localização mais central. Os preços variam entre os €400 4 os €600
Ainda há margem para crescer, diz quem anda pelo negócio, que beneficia, por estes dias, da lei da oferta e da procura. Há muitos estudantes e poucas casas. Bom momento para os investidores; péssimo para as famílias que têm agora os filhos na universidade.
“O turismo vem, de certa maneira, ‘expulsar’ os estudantes do centro da cidade. Um quarto para estudantes, numa das nossas residências, custa entre €350 a €600 por mês. Mas no Airbnb, um senhorio chega a pedir €100 por dia”, refere Jaime Antunes, membro do conselho de administração da University Hub, uma empresa que investe em residências universitárias privadas.
O brilho do dinheiro, no negócio do aluguer de curta duração a turistas, tem desviado muitas casas, ofuscando as vantagens do arrendamento a estudantes. São elas: a pouca concorrência quando comparado com o aluguer a turistas; o facto de haver muita procura; o poder de compra dos estudantes estrangeiros que, cada vez mais, procuram as nossas cidades para estudar; a estabilidade económica (“Mesmo quando há crise, os estudantes continuam a estudar, enquanto os turistas cortam nas férias”, acrescenta Jaime Antunes); a simplicidade do serviço; e a estabilidade proporcionada por um contrato de 6 meses ou de 1 ano, menos sujeito às variações entre a época alta e a época baixa.
Assim, enquanto muitos proprietários se viram para uma rentabilidade mais rápida no aluguer a turistas, há investidores que apostam cada vez mais nas residências de estudantes, com a paciência de quem sabe tratar-se de um investimento seguro, a longo prazo.
HÁ “TUBARÕES” NA LINHA
Por esta altura, não há um único quarto vazio nas três residências da U.hub em Lisboa (Alameda, Picoas e Alvalade). Com um total de 138 suítes e estúdios, esta empresa é já das maiores do País, preparando, até 2020, a abertura de novos alojamentos, com mais 350 quartos no Porto e 450 em Lisboa.
Quando falamos de quartos, nestas residências, referimo-nos, na verdade, a suítes, pois todos têm casa de banho privativa. Há também alguns estúdios, estes mais caros, a rondar os €600 (despesas incluídas). A residência do Picoas, bem central, tem um terraço com uma vista desafogada sobre Lisboa e é lá que encontramos um grupo de estudantes belgas e francesas a preparar o seu almoço na cozinha grande, instalada nas áreas comuns. De resto, cada um dos cinco pisos do edifício tem uma pequena cozinha. A limpeza dos quartos, uma vez por semana, está incluída, havendo ainda limpeza diária nas zonas comuns.
São muitos os estudantes que procuram as residências, por haver ali um ambiente que não encontram nos quartos particulares, mas estas estão à pinha, sobretudo com estudantes estrangeiros, que têm mais poder de compra. “Atualmente há oito residências em Lisboa, que oferecem entre 700 e 800 quartos, e quatro no Porto, com 250 quartos”, refere Maria Empis, da consultora imobiliária JLL. Números muito escassos para tanto estudante.
No entanto, continua Maria Empis, “estamos a ser muito procurados por investidores estrangeiros, com know-how na área, pois já têm as suas operações montadas lá fora. E quanto mais conhecimento da operação se tem, melhores margens se conseguem. Vieram sobretudo impulsionados pela internacionalização do ensino nacional”.
Não são só os estudantes do Erasmus; com a crescente oferta de cursos em inglês e a boa classificação internacional de meia dúzia de universidades portuguesas, os europeus são atraídos a este país cheio de sol. Pelas contas da Uniplaces, o número de estudantes internacionais em Portugal aumentou em 64% nos últimos cinco anos.
Eles são uma das apostas da Nova SBE (School of Business and Economics), que está a construir um novo campus em Carcavelos. À sua volta, já começam a aparecer os investidores, com projetos de residências privadas.
Com capacidade para três mil alunos, o campus ficará localizado num terreno de 10 hectares junto ao Forte de S. Julião da Barra, frente ao mar. Deverá estar pronto daqui a dois anos e está destinado à internacionalização (esperando que metade dos alunos sejam estrangeiros). Como diz a propaganda da Câmara de Cascais, trata-se de “oferecer grande qualidade académica aliada ao estilo de vida ‘Cascalense’ – parecido com o estilo de vida ‘Californiano’... mas ainda melhor”.
COMO “PÃEZINHOS QUENTES”
Apesar disso, é o estilo de vida lisboeta e portuense que os estudantes mais procuram por ser ali que se encontram a maior parte das faculdades. Em Lisboa, os bairros mais solicitados são Arroios, São Sebastião e Alameda; no Porto prefere-se Paranhos, Bonfim e Cedofeita. “Os estudantes procuram quartos próximos da instituição onde estudam. Naturalmente dentro de um valor que lhes seja comportável. Preferem sempre o ideal, junto à universidade, preço aceitável, mobília moderna no quarto e colegas de curso na casa”, descreve António Costa, do site Bquarto, outra plataforma de aluguer a estudantes e não só.
“A minha filha foi estudar para Lisboa e teve muita dificuldade em encontrar alojamento. Acabou por arranjar um quarto com kitchenette por €525! Cheguei à conclusão de que era um grande negócio”. Foi assim que o arquiteto Fernando Gomes, 51 anos, se lançou no projeto Smart Studios. A ideia inicial era construir em Lisboa, mas considerou os preços de imóveis para recuperar “proibitivos”. Virou-se para o Porto e convenceu o amigo Galvão Meirinhos, 45 anos, professor universitário, a embarcar com ele nesta aventura.Encontraram um prédio devoluto na Constituição e, num ano, fizeram uma residência com 26 quartos, seis dos quais duplos, com preços entre os €350 e os €400. Aqui há uma história que merece ser contada. No início de setembro, compraram por €200 um anúncio no Jornal de Notícias, para publicitar a residência, e que deveria ser publicado numa sexta-feira. Mas, na terça-feira anterior, foram contactados por uma imobiliária, que tinha já uma lista de espera de estudantes para colocar. Aceitaram e, na quarta e quinta-feira, arrendaram todos os quartos. Conclusão: quando, na sexta, saiu o anúncio no JN, já não havia um único disponível. “Foram €200 deitados ao lixo”, contam, entre risos, porque até eles ficaram surpreendidos com a facilidade com que escoaram os quartos. “É sinal de que continua a haver muita falta de alojamento deste tipo, não?”
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