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A banca como a conhecemos acaba no início do ano

No início de 2018 entra em vigor a diretiva europeia que vai regular as novas tecnologias na banca. "Alguns Davides podem vencer certos Golias", disse o comissário europeu Carlos Moedas em Lisboa.

Talvez tenha acontecido consigo nos últimos tempos. Encontrou uma loja online no Facebook, um pequeno comércio com bons produtos, e decidiu comprar uma roupa de bebé para oferecer a uns amigos. Na altura de pagar, contudo, recebeu uma entidade/referência Multibanco, saiu do Facebook e teve de entrar no homebanking para fazer o pagamento. Este é um exemplo simples do que pode vir a mudar com a nova diretiva europeia que entra em vigor a 13 de janeiro de 2018 e que pode revolucionar a banca como a conhecemos: se assim entender, poderá não precisar de sair do Facebook (ou do Google ou da Amazon, por exemplo) para pagar. Algumas destas empresas tecnológicas — e muitas outras que aí virão — podem não só ter informação sobre a sua conta mas, também, ter legitimidade para fazer o pagamento.

Com a nova diretiva, “alguns Davides poderão vencer certos Golias”, afirmou o comissário europeu para a inovação, Carlos Moedas, numa conferência em Lisboa esta segunda-feira, no Museu do Dinheiro, sobre o tema das fintech (as tecnológicas financeiras) e a entrada em vigor da nova diretiva. As fintechs já estão a “pisar os calcanhares” de algumas grandes empresas incumbentes na área financeira, afirmou Carlos Moedas, defendendo que vivemos uma “terceira vaga” de inovação na Internet, o momento em que as empresas tecnológicas e a Web penetram setores regulados, como o financeiro.

A diretiva em causa chama-se Diretiva dos Serviços de Pagamentos revista, mais conhecida pela sigla anglosaxónica PSD2. Em termos simples, a diretiva quer acabar com o monopólio que as instituições financeiras têm sobre a informação financeira dos seus clientes e sobre os serviços de pagamentos. Isto significa que qualquer empresa, devidamente licenciada mas sem estar sujeita à pesada regulação financeira, pode (se os clientes bancários autorizarem) passar a ter informação sobre as contas bancárias das pessoas — e não só: podem passar, também, a ter uma linha direta para iniciar a transferência.

É impossível prever, nesta fase, o que isto vai significar para o negócio da banca, que terá de reagir e reinventar-se, em certa medida, para continuar a ser vista como essencial na vida das pessoas. Mas a consultora Roland Berger admitiu, em janeiro, que os bancos podem perder entre 25% e 40% do negócio.

As mudanças propostas [pela diretiva] são tão perturbadoras que todo o modelo de negócio da banca de retalho terá que ser repensado. A nova diretiva está definida para repensarmos a relação que temos com o sistema bancário”, avisou António Bernardo, sócio da consultora.
Quando a diretiva entrar em vigor, vão ser regulados dois tipos de operadores: os agregadores de informação, que compilam a informação das diferentes contas bancárias dos clientes mediante a sua autorização, oferendo um serviço integrado de gestão das finanças pessoais; e os operadores de iniciação de pagamentos, que prestam um serviço de pagamento conta a conta.

A diretiva entra em vigor no início do ano mas o trabalho vai continuar, designadamente com a aprovação dos padrões técnicos regulatórios sobre a autenticação e a segurança das comunicações. Estes trabalhos devem estender-se até 2019.

No primeiro caso, em termos práticos, imagine o seguinte: se tem várias contas bancárias, com depósitos num lado, créditos no outro, investimentos noutro, se o autorizar os bancos irão abrir essa informação e não irão faltar soluções que lhe permitam abrir um ecrã do computador, ir a uma página e ter diante dos seus olhos toda a informação de forma agregada. Instantaneamente, pode ter informação sobre quanto tem na conta à ordem, quanto tem na poupança, quanto irá pagar nas próximas prestações de crédito, quanto está no PPR ou quanto está a render o fundo de investimento que fez para a educação dos filhos. Tudo no mesmo ecrã.

Soluções inovadoras para pagar e para a segurança financeira

O Pay Challenge: Rethinking Payment Services é uma iniciativa desenvolvida pela CIONET em parceria com a Portugal Fintech que promoveu o desenvolvimento de soluções inovadoras para o mercado dos pagamentos utilizando uma plataforma de dados anonimizados e uma Application Programming Interface (API) da responsabilidade da Open Bank.

Além da C4 – Cash your business, foram finalistas a DecisionMaster (que propõe soluções contra a fraude em pagamentos), o serviço EasyPay da EMEL, a Easywave (soluções para pagamentos através de carteira móvel digital) e a Loqr (que propõe um serviço inovador de autenticação).
Este é um exemplo simples do que pode surgir quando a partilha de informação puder ser aberta e deixar de ser monopólio dos bancos. Mas na conferência no Museu do Dinheiro — que assinalou o final da iniciativa PayChallenge, Rethink the Payment Services –, foram apresentados casos de aplicações mais complexas, como a startup italiana C4, que propõe uma solução para acabar com os atrasos nos pagamentos entre as empresas, danosos para a economia.

Para criar esse circuito de pagamentos simultâneos, a C4 — startup distinguida pela iniciativa PayChallenge — precisa não só de ter informação sobre as contas mas, também, autorização para originar pagamentos, conforme as faturas recebidas e carregadas para o sistema. Ou seja, também implica a componente de iniciação de pagamentos, não só informação.

Oportunidade para bancos “recuperarem reputação”

Anfitrião do evento, o governador do Banco de Portugal afirmou que “o fenómeno da digitalização das economias e das sociedades está a alterar, de forma irreversível, os comportamentos e as expetativas dos agentes económicos em vários contextos. A forma como realizam pagamentos não é exceção. Os clientes bancários procuram cada vez mais serviços de pagamento customizados às suas reais necessidades”.

Para os bancos, responder à abertura prevista pela PSD2 implica “desafios” mas, também, “oportunidades”, defendeu Carlos Costa. “As tecnologias de informação e as parcerias com outras entidades podem ser instrumentais para ajudar a ultrapassar as condicionantes associadas ao baixo crescimento da atividade, baixa rentabilidade e para restabelecer níveis elevados de confiança e de reputação”, afirmou o governador do Banco de Portugal.

As FinTech não devem ser vistas apenas como concorrentes dos prestadores tradicionais, mas também, em muitas circunstâncias, como instituições complementares ou parceiras”, diz Carlos Costa.
O comissário europeu para a inovação também falou sobre confiança e reputação. “Quem trabalha na banca não terá sentido, mas o pior da crise financeira foi que muitas pessoas deixaram de acreditar nos bancos. As pessoas tiveram medo dos bancos, o que foi uma novidade para esta geração que cresceu no pós-25 de abril”, afirmou Carlos Moedas.

Os grandes problemas nos últimos anos não foram causadas por startups, foram causadas por grandes empresas, as tais que eram altamente reguladas”, nota Carlos Moedas.
Para as empresas que quiserem entrar neste mercado, haverá um regime de habilitação para a prestação de serviços de pagamento “mais aligeirado”, afirmou Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal. Ainda assim, será a primeira vez que estas empresas serão reguladas, o que também será uma novidade.

O governador do Banco de Portugal sublinhou a importância da “neutralidade da regulação” e o “tratamento justo e equilibrado entre incumbentes e novos entrantes, bem
como entre jurisdições”. Carlos Moedas acrescentou que “a regulação do futuro será muito diferente da que tivemos até agora, deixará de ser estática e passará a ser dinâmica. A UE, com a diretiva dos serviços de pagamento, está a mostrar essa determinação”.

http://observador.pt/2017/11/07/a-banca-como-a-conhecemos-acaba-a-1-de-janeiro/

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