"Muitos dos emigrantes que o governo se propõe atrair estão nos escalões superiores do IRS, com taxas acima dos 40%"
Nesta semana, a imprensa anunciou como medida de bandeira do próximo Orçamento do Estado uma redução do IRS em metade durante três a cinco anos para os emigrantes portugueses que regressem ao país. Apesar de já se terem gasto horas nas televisões e rios de tinta nos jornais a discutir se isto é boa ou má ideia, este anúncio por enquanto significa muito pouco ou quase nada.
Há muitos anos que já existe um regime fiscal especial para os emigrantes que regressam. Desde que não tenham vivido em Portugal nos últimos cinco anos, eles beneficiam de uma taxa fixa de IRS de 20% durante dez anos. É o regime fiscal para “residentes não habituais” que atraiu a Madonna e os muitos reformados europeus responsáveis pela explosão do preço das casas nalguns bairros, e que também beneficia os emigrantes portugueses. Ora, muitos dos emigrantes que o governo se propõe atrair estão nos escalões superiores do IRS, com taxas acima dos 40%. Se o anúncio consiste em substituir uma taxa de 20% durante dez anos por uma taxa ligeiramente acima dos 20% por cinco anos, seria uma piada de muito mau gosto. Não acredito que fôssemos capazes deste double think.
Antes, lendo com atenção as notícias, o novo regime fiscal será para quem regresse em 2019 ou 2020 e tenha sido residente fiscal em 2015. Como estes não saíram de Portugal há mais de cinco anos, não beneficiam do estatuto de residentes não habituais. Nesse caso, para quem emigrou em 2014 ou 2015, a decisão é ou voltar ao país em 2019 ou 2020 e pagar IRS a uma taxa um pouco acima de 20% até 2024 ou 2025, ou antes aguentar a saudade mais um ou dois anos e depois pagar 20% de IRS até 2030. Antes, era claro que valia a pena esperar, agora não tanto. Talvez isto convença alguns, mas duvido que sejam muitos.
De acordo com esta interpretação, nada mudou para quem emigrou antes de 2014. Todas as discussões sobre esta medida se têm centrado nas pessoas que deixaram o país durante a crise, mas esta medida não as afeta. Por um lado, isso deixa Mário Centeno contente: a medida terá um impacto mínimo nas contas públicas. Mas o outro lado da medalha é que a medida nesse caso não tem também quase nenhum efeito porque poucos vão beneficiar do novo regime.
Toda esta discussão parte da premissa de que estes regime fiscais serão honrados até 2030. Isto num país que não tem a melhor reputação em termos de estabilidade fiscal. Mesmo olhando só para este governo, a promessa de manter o IRC feita em 2013 foi mandada à fava em 2015. Em 2006, o ministro António Costa prometeu um período de transição de dez anos para a atualização das rendas para inquilinos com mais de 65 anos. Em 2017, o primeiro-ministro António Costa mandou à fava essa promessa e adiou a transição até 2023. Para os emigrantes que querem tomar estas decisões, tão ou mais importante do que os anúncios deste governo é tentar adivinhar quais serão as promessas rasgadas pelos próximos governos com estas ou outras pessoas. É uma tarefa difícil em Portugal.
RICARDO REIS
Professor de Economia na London School of Economics
https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/irs-mais-baixo-para-emigrantes/
Nesta semana, a imprensa anunciou como medida de bandeira do próximo Orçamento do Estado uma redução do IRS em metade durante três a cinco anos para os emigrantes portugueses que regressem ao país. Apesar de já se terem gasto horas nas televisões e rios de tinta nos jornais a discutir se isto é boa ou má ideia, este anúncio por enquanto significa muito pouco ou quase nada.
Há muitos anos que já existe um regime fiscal especial para os emigrantes que regressam. Desde que não tenham vivido em Portugal nos últimos cinco anos, eles beneficiam de uma taxa fixa de IRS de 20% durante dez anos. É o regime fiscal para “residentes não habituais” que atraiu a Madonna e os muitos reformados europeus responsáveis pela explosão do preço das casas nalguns bairros, e que também beneficia os emigrantes portugueses. Ora, muitos dos emigrantes que o governo se propõe atrair estão nos escalões superiores do IRS, com taxas acima dos 40%. Se o anúncio consiste em substituir uma taxa de 20% durante dez anos por uma taxa ligeiramente acima dos 20% por cinco anos, seria uma piada de muito mau gosto. Não acredito que fôssemos capazes deste double think.
Antes, lendo com atenção as notícias, o novo regime fiscal será para quem regresse em 2019 ou 2020 e tenha sido residente fiscal em 2015. Como estes não saíram de Portugal há mais de cinco anos, não beneficiam do estatuto de residentes não habituais. Nesse caso, para quem emigrou em 2014 ou 2015, a decisão é ou voltar ao país em 2019 ou 2020 e pagar IRS a uma taxa um pouco acima de 20% até 2024 ou 2025, ou antes aguentar a saudade mais um ou dois anos e depois pagar 20% de IRS até 2030. Antes, era claro que valia a pena esperar, agora não tanto. Talvez isto convença alguns, mas duvido que sejam muitos.
De acordo com esta interpretação, nada mudou para quem emigrou antes de 2014. Todas as discussões sobre esta medida se têm centrado nas pessoas que deixaram o país durante a crise, mas esta medida não as afeta. Por um lado, isso deixa Mário Centeno contente: a medida terá um impacto mínimo nas contas públicas. Mas o outro lado da medalha é que a medida nesse caso não tem também quase nenhum efeito porque poucos vão beneficiar do novo regime.
Toda esta discussão parte da premissa de que estes regime fiscais serão honrados até 2030. Isto num país que não tem a melhor reputação em termos de estabilidade fiscal. Mesmo olhando só para este governo, a promessa de manter o IRC feita em 2013 foi mandada à fava em 2015. Em 2006, o ministro António Costa prometeu um período de transição de dez anos para a atualização das rendas para inquilinos com mais de 65 anos. Em 2017, o primeiro-ministro António Costa mandou à fava essa promessa e adiou a transição até 2023. Para os emigrantes que querem tomar estas decisões, tão ou mais importante do que os anúncios deste governo é tentar adivinhar quais serão as promessas rasgadas pelos próximos governos com estas ou outras pessoas. É uma tarefa difícil em Portugal.
RICARDO REIS
Professor de Economia na London School of Economics
https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/irs-mais-baixo-para-emigrantes/
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