Os proprietários de casas para arrendar acusam o Estado de não assegurar as condições ideais para dinamizar o mercado. Rendas habitacionais anteriores a 1990 só poderão ser atualizadas sem entraves a partir de 2023
A Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), a mais antiga estrutura representativa dos senhorios do País, acusa o Governo de se manter de costas voltadas em relação aos operadores do setor neste momento pandémico, em que se exigia mais colaboração. “É uma frustração enorme. Temos sempre esperança de que o Estado nos olhe como um parceiro mas isso nunca acontece”, aponta Iolanda Gávea, advogada e vice-presidente da ALP.
Iolanda Gávea, vice-diretora da Associação Lisbonense dos Proprietários Foto: Luis Barra
Acusam o Governo de manter uma estratégia sem ambição para o mercado de arrendamento. O que defende a ALP?
Tendo em conta o direito fundamental à Habitação temos sempre esperança que o Estado nos olhe como um parceiro mas isso nunca acontece… É sempre uma frustração enorme…Deveria, desde logo, existir um diálogo e uma concertação permanente de forma a criar políticas legislativas eficazes em matéria de Habitação. O Governo ignorou as três justas reivindicações que os atores do mercado – proprietários, promotores e investidores imobiliários e empresas de mediação imobiliária – enumeraram, em uníssono: baixar impostos do imobiliário (à cabeça, o IMI e IMT), abolir o Adicional ao IMI (AIMI), e manter a estabilidade legislativa para reganhar a confiança dos proprietários e dos investidores. A carga fiscal é brutal – só em relação ao IRS, que nos termos da taxa liberatória é de 28%, são mais de quatro meses diretos para os cofres do Estado… Para não falar do IMI, o AIMI e todas as outras questões ao direito da propriedade, encargos vários… São estas as nossas reivindicações, desde sempre. E, claro, a questão deste novo congelamento das rendas, que é deveras preocupante.
Refere-se ao prolongamento do período de transição que impede a atualização das rendas em contratos celebrados antes de 1990…
Sim, este congelamento das rendas é altamente frustrante, dura há mais de 110 anos e é o mais antigo do mundo. É escandaloso! Isto significa que há mais de um século que o Estado empurra constantemente esta função social da Habitação para os proprietários dos imóveis e sem qualquer compensação. Demite-se, lava as suas mãos. Só pode ser uma decisão puramente ideológica e populista. Os proprietários que mantêm os contratos de arrendamento antigos, com rendas meramente simbólicas, estão completamente esquecidos… Este é o quarto adiamento que fica fixado de acordo com a lei. Em 2012, o prazo de congelamento era de cinco anos, depois passou para oito anos e o ano passado, estávamos nós confinados quando houve o orçamento retificativo, passou para 10 anos. Agora há esta nova intenção de prorrogação do prazo. Estamos a falar de rendas que são meramente simbólicas e onde não é possível sequer a atualização com base no coeficiente legal. Ou seja, há uma total ausência de atualizações de renda ao longo destes 10 anos!
Qual é a percentagem de associados com rendas congeladas no universo da ALP?
Serão cerca de 30% … Não é um fenómeno marginal…
Que impacto poderá ter este congelamento das rendas no mercado?
É totalmente responsável pela distorção estrutural do mercado. Primeiro arrasa com a confiança dos proprietários e dos investidores; dizima o mercado de arrendamento nas grandes cidades; diminui a oferta de imóveis e faz aumentar os preços; promove endividamento e a política e compra de habitação própria. E perpetua graves injustiças. Para além de estimular uma crise de desconfiança brutal entre os proprietários que se estende a outros programas como o do Arrendamento Acessível, quer os que são constituídos pelos municípios, como pelo próprio Estado. Enfim, a desconfiança generaliza-se a todos os programas, venham de onde vierem.
Apesar do nome, a Associação Lisbonense de Proprietários integra senhorios de todo o país. Quantos são atualmente?
Sim, nós temos associados de todo o país, inclusive das ilhas. Somos cerca de 10 mil associados. Também fazemos parte da Confederação Portuguesa de Proprietários, que possui várias associações de proprietários de várias zonas do país, do Porto, do Barreiro e aí já estamos a falar de um universo de 20 mil proprietários.
Uma das conclusões do último barómetro feito junto dos vossos associados (a partir de uma amostra de mais de duas centenas de proprietários) apurou que quatro em cada 10 acumulou rendas em atraso durante a pandemia (em junho deste ano) .
As consequências das moratórias levaram à suspensão do pagamento das rendas habitacionais e mesmo nas não habitacionais e por isso os senhorios deixaram de ser protegidos, instalando-se aqui um clima de incumprimento generalizado. No entanto, no universo dos nossos proprietários, posso dizer com orgulho que graças ao trabalho hercúleo de todos os nossos colaboradores, a situação não foi tão má como seria de esperar. Fizemos centenas de telefonemas, centenas de acordos, na tentativa de evitar o incumprimento no pagamento das rendas que nós sabíamos que seria inevitável.
Neste barómetro desmistificam ainda a ideia de que esta atividade gera muita riqueza. Os resultados apuraram que cerca de metade dos proprietários inquiridos aufere dos seus imóveis um rendimento bruto de até três salários mínimos nacionais (1995 euros brutos).
Esses são essencialmente os tais pequenos proprietários que habitualmente estão esquecidos. Se nós verificarmos a lei do arrendamento damos conta de que a idade, a incapacidade, a carência económica nunca são conceitos atribuídos aos senhorios mas são sempre reservados aos inquilinos: os inquilinos com idade igual ou superior a 65 anos estão protegidos; os inquilinos com graus de incapacidade igual ou superior a 60% estão protegidos; os inquilinos com carência económica, isto é que tenham um rendimento inferior a cinco salários mínimos anualmente estão protegidos. Relativamente aos proprietários e senhorios não há conceito algum que os proteja.
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