Avançar para o conteúdo principal

Como o governo fintou o Parlamento para meter mais 317 milhões de euros no Novo Banco


Ministro de Estado e das Finanças, João Leão, no Parlamento (MÁRIO CRUZ/LUSA) © MÁRIO CRUZ/LUSA


 No final de 2020, uma maioria parlamentar espoletada pelo BE barrou João Leão, que queria uma nova dotação de milhões para o Novo Banco. A AR chumbou, mas os milhões apareceram na mesma, seis meses depois. UTAO explica como.


Ministro de Estado e das Finanças, João Leão, no Parlamento (MÁRIO CRUZ/LUSA)

Ministro de Estado e das Finanças, João Leão, no Parlamento (MÁRIO CRUZ/LUSA) © MÁRIO CRUZ/LUSA


No final de 2020, o Orçamento de Estado para 2021 (OE 2021) ficou preso por um fio devido ao Novo Banco (NB). Na altura, uma maioria parlamentar (BE, PSD, PCP e PAN) bloqueou a pretensão do governo e do ministro das Finanças, João Leão, reservar uma dotação de despesa no OE para poder injetar mais dinheiro no Novo Banco (via Fundo de Resolução).


Mas na altura, o ministro avisou logo: o Estado é uma "pessoa de bem" e vai cumprir o contrato que assinou, dê lá por onde der.


E assim foi. Mesmo chumbado pelo Parlamento, em junho, o Novo Banco recebeu a primeira parte da ajuda (317 milhões de euros) e na semana passada, o resto que estava em dúvida e em análise, mais 112 milhões de euros. Total: os 429 milhões que já estavam previamente acordados.


O dinheiro foi angariado com recurso a um sindicato bancário (empréstimo dos outros bancos no mercado, CGD incluída), mas depois foi vertido no Fundo de Resolução (uma entidade pública, logo que conta para a despesa) que depois passou os milhões para o Novo Banco.


Desde a resolução do BES, em meados de 2014, na altura liderado por Ricardo Salgado, o universo BES/Novo Banco já custou aos contribuintes portugueses (prejuízo efetivo, já abatendo receitas de vendas de malparado e de alienações de imobiliário, por exemplo) cerca de 7,9 mil milhões de euros até ao final de 2020, indicou há duas semanas o Tribunal de Contas.


"Nem mais um tostão", dizia a oposição


Mas, como é que o Parlamento chumba a transferência para o Novo Banco, com vários políticos a vociferarem "nem mais um tostão", e o dinheiro acaba por ir na mesma.


A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), que é coordenada por Rui Nuno Baleiras e trabalha junto da Assembleia da República (AR), explica o esquema contabilístico "alternativo" que João Leão encontrou para contornar a decisão, o bloqueio, que o Parlamento lhe impôs em novembro de 2020.


Na altura, o ministro mostrou muito desagrado com o sucedido e sinalizou que iria arranjar solução. "Trata-se de um contrato já assinado" pelo Estado e o chumbo no Parlamento por causa de uma iniciativa do Bloco é algo que "acontece pela primeira vez" na História dos orçamentos modernos de Portugal, acusou.


"Estamos a dar um sinal de que não vamos honrar os compromissos, é como passar um cheque careca", atirou Leão.


UTAO explica o processo alternativo


No âmbito da Conta Geral do Estado de 2020 (CGE 2020), em meados deste ano, "o Ministério das Finanças procedeu à reclassificação contabilística" das despesas relativas ao Novo Banco, "passando de despesa em ativos financeiros (despesa não efetiva) para despesa em transferências de capital (despesa efetiva), dando sequência à recomendação do Tribunal de Contas", descreve a UTAO.


Ora, esta alteração no registo contabilístico "vem ao encontro das boas práticas de gestão financeira", releva a Unidade parlamentar.


"Em 2020, a despesa do Fundo de Resolução foi de 1035 milhões de euros, tendo sido registada como despesa em ativos financeiros durante o ano e na execução provisória", mas depois, mais tarde, na CGE 2020, foi "reclassificada como despesa com transferências de capital"


Em 2021, a despesa inicial relativa ao NB foi de "317 milhões de euros, tendo o seu financiamento sido obtido integralmente junto de sociedades financeiras".


Transferência em vez de despesa com ativos faz toda a diferença


"Este pagamento ao Novo Banco foi então registado como transferência de capital (despesa efetiva, portanto), em vez da forma prevista na proposta de OE 2021 (que era despesa em ativos financeiros de sociedades financeiras)".


A UTAO relembra que a Assembleia da República "rejeitara esta forma de pagamento ao Novo Banco durante a votação da proposta de OE, em novembro de 2020".


"Com efeito, o orçamento do Fundo de Resolução aprovado na lei do OE 2021 não contemplava dotação orçamental direcionada para o Novo Banco sob a forma de ativos financeiros, nem sob a forma de transferências de capital".


No entanto, "para consumar a capitalização, registou-se a despesa como transferência de capital, sendo a dotação total do Fundo em despesa efetiva reforçada no montante necessário para a acomodar, através da realização de alterações orçamentais da competência do Governo (basicamente, compensando a elevação desse teto reduzindo o de outras entidades colocadas no mesmo programa orçamental (o das Finanças)", explica a UTAO.


"Desta forma, o Governo respeitou a recomendação do Tribunal de Contas e encontrou um processo contabilístico alternativo ao reprovado pelo Parlamento para efetuar a capitalização pública do banco", refere o grupo de peritos coordenado por Rui Baleiras.


O mesmo expediente terá sido usado com os 112 milhões de euros remanescentes que o NB reclamava ao Fundo de Resolução. Uma vez mais, o Parlamento não foi tido, nem achado.


Nem podia ser de outra forma. A operação foi feita nesta semana que passou, já com a AR dissolvida e o governo em gestão.


O Novo Banco anunciou que recebeu do Fundo de Resolução os 112 milhões de euros que faltavam relativos à chamada de capital referente às contas de 2020.


Este pagamento estava pendente porque as autoridades tinham dúvidas sobre algumas operações feitas pelo NB, prejuízos que aconteceram, mas que legalmente o Fundo de Resolução podia alegar não se enquadrar nas suas responsabilidades contratuais. Era falso alarme. Os 112 milhões lá foram desbloqueados em vésperas de Natal.


https://www.dinheirovivo.pt/economia/como-o-governo-fintou-o-parlamento-para-meter-mais-317-milhoes-de-euros-no-novo-banco-14441660.html

Comentários

Notícias mais vistas:

Esta cidade tem casas à venda por 12.000 euros, procura empreendedores e dá cheques bebé de 1.000 euros. Melhor, fica a duas horas de Portugal

 Herreruela de Oropesa, uma pequena cidade em Espanha, a apenas duas horas de carro da fronteira com Portugal, está à procura de novos moradores para impulsionar sua economia e mercado de trabalho. Com apenas 317 habitantes, a cidade está inscrita no Projeto Holapueblo, uma iniciativa promovida pela Ikea, Redeia e AlmaNatura, que visa incentivar a chegada de novos residentes por meio do empreendedorismo. Para atrair interessados, a autarquia local oferece benefícios como arrendamento acessível, com valores médios entre 200 e 300 euros por mês. Além disso, a aquisição de imóveis na região varia entre 12.000 e 40.000 euros. Novas famílias podem beneficiar de incentivos financeiros, como um cheque bebé de 1.000 euros para cada novo nascimento e um vale-creche que cobre os custos da educação infantil. Além das vantagens para famílias, Herreruela de Oropesa promove incentivos fiscais para novos moradores, incluindo descontos no Imposto Predial e Territorial Urbano (IBI) e benefícios par...

"A NATO morreu porque não há vínculo transatlântico"

 O general Luís Valença Pinto considera que “neste momento a NATO morreu” uma vez que “não há vínculo transatlântico” entre a atual administração norte-americana de Donald Trump e as nações europeias, que devem fazer “um planeamento de Defesa”. “Na minha opinião, neste momento, a menos que as coisas mudem drasticamente, a NATO morreu, porque não há vínculo transatlântico. Como é que há vínculo transatlântico com uma pessoa que diz as coisas que o senhor Trump diz? Que o senhor Vance veio aqui à Europa dizer? O que o secretário da Defesa veio aqui à Europa dizer? Não há”, defendeu o general Valença Pinto. Em declarações à agência Lusa, o antigo chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, entre 2006 e 2011, considerou que, atualmente, ninguém “pode assumir como tranquilo” que o artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte – que estabelece que um ataque contra um dos países-membros da NATO é um ataque contra todos - “está lá para ser acionado”. Este é um dos dois artigos que o gener...

Armazenamento holográfico

 Esta técnica de armazenamento de alta capacidade pode ser uma das respostas para a crescente produção de dados a nível mundial Quando pensa em hologramas provavelmente associa o conceito a uma forma futurista de comunicação e que irá permitir uma maior proximidade entre pessoas através da internet. Mas o conceito de holograma (que na prática é uma técnica de registo de padrões de interferência de luz) permite que seja explorado noutros segmentos, como o do armazenamento de dados de alta capacidade. A ideia de criar unidades de armazenamento holográficas não é nova – o conceito surgiu na década de 1960 –, mas está a ganhar nova vida graças aos avanços tecnológicos feitos em áreas como os sensores de imagem, lasers e algoritmos de Inteligência Artificial. Como se guardam dados num holograma? Primeiro, a informação que queremos preservar é codificada numa imagem 2D. Depois, é emitido um raio laser que é passado por um divisor, que cria um feixe de referência (no seu estado original) ...