No dia 9 de agosto de 2021, começaram a circular furiosamente emails com o rumor de uma grande descoberta na National Ignition Facility (NIF), em Livermore, na Califórnia. A enorme expectativa que se criou obrigou o Lawrence Livermore National Laboratory a anunciar em comunicado de imprensa [1], ainda sem revisão dos resultados científicos pela comunidade, a obtenção de um ganho próximo de 1 (0,7) de uma das suas experiências de fusão nuclear com lasers no dia 8 de agosto: a energia libertada aproximou-se da energia injectada na experiência pelos lasers.
Na fusão nuclear, dois núcleos (de carga elétrica positiva) de elementos leves, que ultrapassam a sua repulsão, convertem-se num núcleo mais pesado e liberta-se energia, por conversão de uma parte da massa dos núcleos originais em energia, explicada pela famosa relação de Einstein, E=mc2. Esse processo de fusão nuclear é a fonte de energia do Sol. É o oposto do processo de fissão nuclear, que ocorre nas centrais nucleares espalhadas pelo planeta, em que um núcleo pesado, como o urânio, é convertido em dois elementos mais leves, libertando energia. No balanço entre a repulsão elétrica, entre todos os protões no núcleo, e a atração da força forte que “cola” protões e neutrões no núcleo, o equilíbrio entre massa e energia dá-se no isótopo de Ferro 55, o elemento mais estável do universo.
Como alquimistas modernos, temos assim forma de obter uma enorme fonte de energia fundindo ou partindo elementos. No entanto, os produtos das duas reações não são iguais: os elementos resultantes da reação de fissão são isótopos radioativos de elementos comuns, tóxicos para o ambiente durante milhares de anos, enquanto a fusão nuclear gera produtos limpos (hélio e neutrões), que só tornam radioativos os materiais à sua volta por dias.
Desde que compreendemos a relação de Einstein, tentamos obter energia nuclear de forma controlada. Mas se a primeira central nuclear por fissão foi inaugurada em 1954, até hoje não temos uma central de fusão nuclear. A dificuldade consiste na necessidade de vencer a enorme repulsão elétrica entre dois núcleos, que obriga a lançar os núcleos uns contra os outros a energias muito elevadas. Para que o processo seja eficaz, ou conseguimos aquecer fortemente estes núcleos para chocarem entre si durante muito tempo, ou aumentamos muito rapidamente a densidade dos núcleos para que choquem rapidamente entre si. Esta última é a estratégia adotada pela fusão a laser.
Desde que os lasers foram inventados em 1959, percebemos que podemos controlar a luz de forma a depositar enormes quantidades de energia num ponto do espaço muito localizado, durante um tempo ultra-curto. Um exemplo é o corte a laser de materiais. Pouco depois da invenção do laser, foi proposta a fusão nuclear com lasers. A ideia inicial era fazer incidir em simultâneo vários lasers sobre uma cápsula cheia de DT - deutério e trítio, outro isótopo do hidrogénio - que precisam de vencer uma barreira de energia ligeiramente menor do que dois núcleos de deutério para se fundir) para que a cápsula, ao explodir, comprimisse o gás no seu interior, até temperaturas e densidades tais que criassem as condições para a fusão de todo o combustível da cápsula. A NIF foi construída para demonstrar a fusão nuclear com lasers. Com a tecnologia laser dos anos 80, na qual a NIF foi baseada, rapidamente se percebeu que não seria possível fazer uma irradiação homogénea da cápsula de combustível: só se o aquecimento da cápsula fosse perfeitamente simétrico é que se esperaria que todo o combustível se comprimisse no seu centro até ao ponto de fusão. Assim, optou-se por um caminho alternativo: converter primeiro a energia laser em raios-X brilhantes e homogéneos, e usar então os raios-x como aquecedor da cápsula DT.
O caminho da NIF tem sido tortuoso. Logo após a inauguração, os lasers atingiram as especificações previstas nos anos 80 mas, infelizmente, a física revelou-se muito mais complexa do que antecipado. A turbulência, o eterno problema por resolver, voltou a revelar-se – comprimir uma cápsula de poucos milímetros de raio tem que ser feito rapidamente, para se aumentar a densidade, mas também gentilmente para que as instabilidades não quebrem a simetria da compressão. Durante mais de 10 anos, muito do trabalho dos cientistas da NIF têm sido compreender e ultrapassar os desafios da turbulência no processo de compressão.
Os resultados obtidos no início de Agosto são um avanço extraordinário. Ainda não foi atingido o ganho de 1, o objetivo da NIF, mas existe agora um caminho identificado para a fusão nuclear com lasers e podemos esperar mais resultados nos próximos meses.
Um dos objetivos da fusão nuclear é converter estes avanços fundamentais no desenho de uma central de produção de energia elétrica. Estamos ainda longe desse objetivo. Será necessário desenvolver tecnologia laser mais eficiente, novos alvos mais baratos, e estudar os mecanismos mais eficientes para se converter a energia libertada em energia elétrica. Há, no entanto, já muitos avanços tecnológicos promissores e muitos destes passos intermédios terão também consequências e impacto tecnológico para lá da fusão nuclear.
Existem também start-ups a explorar novas configurações, com lasers ou com campos magnéticos, e podemos esperar deste redobrado interesse e investimento em novas ideias e novos avanços que concretizem o presságio de um dos cientistas fundadores da investigação em fusão nuclear, Lev Artsimoch: “Fusion will be ready when society needs it”.
Luís Oliveira e Silva e Marta Fajardo
Professores do Departamento de Física e Grupo de Lasers e Plasmas/Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear, Instituto Superior Técnico
http://golp.tecnico.ulisboa.pt
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