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Novo Banco vendeu seguradora a comprador que afinal não foi o comprador. Que história é esta?

 Primeiro BES Vida, depois GNB Vida e por fim GamaLife. As mudanças de nome mostram a turbulência na vida da seguradora que pertenceu ao Grupo BES e que só saiu do Grupo Novo Banco em 2019. Esta última operação é a mais recente sob os holofotes

Éuma das histórias do dia: o Novo Banco vendeu a sua seguradora, a antiga BES Vida e depois GNB Vida, a um gestor condenado por corrupção, de acordo com o jornal Público. Contudo, o supervisor dos seguros assegura que esse gestor não foi o comprador final da companhia. Afinal, houve uma mudança, que não foi comunicada de forma direta em 2019. Mas uma coisa é certa e já se sabia: a venda da agora conhecida por GamaLife teve custos diretos para o Fundo de Resolução, que teve de pedir financiamento ao Estado para cumprir as responsabilidades perante o banco.

A seguradora BES Vida foi um dos ativos que ficou no Novo Banco na resolução do BES em 2014. Mas a Comissão Europeia definiu, por acordo com o Estado português, que o banco teria de a vender. O processo organizado de alienação de 100% do capital da então designada GNB Vida iniciou-se em agosto de 2017, sendo que, ao mesmo tempo, tinha de se dar atenção a outro campo: a distribuição dos produtos de seguros da GNB Vida nos balcões da instituição financeira.

Em 2017, a companhia ficou naquele conjunto de ativos em relação aos quais a Lone Star não se quis responsabilizar, pelo que o banco ficou protegido desta empresa pelo mecanismo de capital contingente – por outras palavras, as perdas por si geradas poderiam vir a ser cobertas pelo Fundo de Resolução que, para cumprir os encargos, pede empréstimos ao Estado.


O ARRANQUE DA VENDA

Iniciado o processo em 2017, até ao final desse ano foram chegando as primeiras propostas pela empresa. Com base nos valores indicativos das ofertas não vinculativas, o Novo Banco reconheceu perdas antecipadamente. Até àquela altura, a seguradora tinha um valor de 487 milhões de euros no banco (que já de si não correspondia ao valor inicial). Mas, com base naquelas ofertas, a gestão do banco decidiu reconhecer uma imparidade de 287 milhões, considerando que a seguradora valia, afinal, 200 milhões de euros.

Em 2017, o Fundo de Resolução foi chamado a colocar 792 milhões de euros no Novo Banco, pedindo 430 milhões aos contribuintes. A seguradora contribuiu para essa fatia. Logo aí, mesmo sem a venda, já a seguradora estava a custar dinheiro ao Estado.

No ano seguinte, veio o acordo preliminar para a venda. Em setembro de 2018, o banco comandado por António Ramalho “celebrou com a Bankers Insurance Holdings, S.A. uma sociedade do grupo Global Bankers Insurance Group, LLC (“Global Bankers”), um contrato de compra e venda da totalidade do capital social da GNB, por um montante total de 190 milhões de euros, (sujeito aos normais ajustamentos no fecho da transação) e acrescido de um montante variável em função da performance”.

Em dezembro, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) recebeu um pedido relacionado com esta operação: “Por carta de 18 de dezembro de 2018, Greg Evan Lindberg e a sociedade GBIG Portugal, S.A., requereram, na qualidade de adquirente indireto e beneficiário último da operação, e de adquirente direto, respetivamente, a não oposição da ASF, à aquisição do controlo da GNB – Companhia de Seguros de Vida, S.A., sendo o requerimento realizado pela GBIG Portugal, S.A., e no interesse dos demais adquirentes”, apontou o supervisor num comunicado enviado em reação à notícia do Público.

Enquanto isso, o Novo Banco registou nas suas contas de 2018 uma nova descida do valor que esperava encaixar na venda da GNB Vida: de 200 milhões para 175 milhões.


A DESISTÊNCIA APÓS AS DÚVIDAS

A ASF, liderada por Margarida Corrêa de Aguiar, diz agora que, na sequência desse pedido, e como é sua função, “consultou diversos supervisores de seguros com os quais o grupo financeiro controlado por Greg Evan Lindberg tinha relação, em particular os supervisores de Malta, Itália, Holanda, Reino Unido, Luxemburgo, Bermuda, Carolina do Norte e Michigan, tendo a ASF tomado conhecimento de diversas acusações de natureza penal relativamente a Greg Evan Lindberg”.

O jornal Público lembra isso mesmo: Lindberg foi condenado pela justiça norte-americana de corrupção e fraude fiscal. A ASF tem de garantir que quem compra companhias seguradoras garante a sua “gestão sã e prudente”.

Mas, sublinha a supervisora dos seguros, não foi Lindberg a fazer a compra.


A MUDANÇA DE COMPRADOR

Em 2019, Greg Evan Lindberg e a sociedade GBIG Portugal informaram a ASF de que “um fundo gerido pela Apax Partners LLP pretendia adquirir a GBIG Portugal, S.A., e, consequentemente, Greg Evan Lindberg não seria o beneficiário último da operação, nem a estrutura acionista prevista para a GNB – Companhia de Seguros de Vida, S.A. seria aquela que tinha sido apresentada no processo inicial”.

Na ASF, caiu, assim, o primeiro processo, dos desistentes, e, em maio de 2019, chegou um novo: “uma comunicação prévia de aquisição de participação qualificada na GNB - Companhia de Seguros de Vida, S.A., subscrita pela GBIG Portugal, S.A., e Apax IX GP Co. Limited”.

Esta mudança nunca foi comunicada diretamente ao público em geral.

"O envolvimento da Apax Partners na aquisição da GamaLife (anteriormente conhecida como GNB Vida) só começou após os problemas amplamente divulgados do Sr. Lindberg, quando já era bastante evidente que ele não seria capaz de completar esta transação. Os fundos assessorados pela Apax Partners negociaram então a aquisição da GBIG Portugal S.A. a uma empresa luxemburguesa, a qual, segundo sabemos, incluía o Sr. Lindberg como beneficiário a um nível superior", esclareceu a própria seguradora, num comunicado que enviou à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários ao final do dia 10 de agosto.


A COMPRA

Depois de consultar as autoridades de supervisão de países como Itália, Reino Unido, entre outros, a ASF deu, a 27 de agosto de 2019, a sua “não oposição” à operação de compra pela GBIG Portugal e a Apax.

A operação efetivamente concretizou-se. A 14 de outubro de 2019, o Novo Banco informou “que concretizou a venda da totalidade do capital social da GNB – Companhia de Seguros de Vida, S.A. (“GNB Vida”) à GBIG Portugal, S.A., uma sociedade totalmente detida por fundos geridos pela Apax Partners, LLP”. A operação recebera a autorização da Comissão Europeia, por não haver receios de problemas concorrenciais.

No primeiro semestre de 2019, esta operação ainda levou a uma constituição de uma provisão de 58 milhões de euros para o tal ajustamento de preço à oferta vinculativa existente.

Continuou a haver um comprador sob as siglas GBIG, mas agora surgindo a referência à gestora de fundos americana Apax (cujos fundos operam para gerar rendimento a fundos de pensões públicos e privados, fundos soberanos, mas que nunca são identificados, como habitualmente nestas gestoras de fundos de private equity). Não houve qualquer referência específica sobre o facto de se ter alterado o comprador final da operação face ao primeiro anúncio.

"O Fundo de Resolução concluiu que o processo foi competitivo e tendente a maximizar o valor do ativo, constatando-se que a proposta selecionada tinha sido a mais atrativa e adequada às condições de mercado em que a operação teve lugar", indica também um comunicado do Fundo de Resolução, que ainda é dono de 25% do capital do Novo Banco.

Para o veículo presidido por Máximo dos Santos, "a concretização da venda da GNB Vida mostrava[-se], face aos cenários possíveis, como a solução que minimizava as perdas para o mecanismo de capitalização contingente, ao mesmo tempo que permitia dar cumprimento ao compromisso assumido pelo Estado junto da Comissão Europeia".


ASF PODE ATUAR SE HOUVER PROBLEMAS

O Público refere, na sua investigação de hoje, que o líder executivo da seguradora após a compra, Matteo Castelvetri, é o braço-direito de Greg Lindberg, o gestor condenado, entre 2017 e 2019.

O Novo Banco diz, no esclarecimento que enviou, que o "comprador da seguradora teve idoneidade verificada pelo regulador dos seguros" e que a "venda foi realizada com acordo expresso do Fundo de Resolução".

Esta segunda-feira, depois da notícia do Público, a ASF defende que, “nas múltiplas diligências efetuadas, antes e após a referida deliberação de não oposição, não apurou qualquer ligação entre Greg Evan Lindberg e o grupo adquirente da GNB - Companhia de Seguros de Vida, S.A”.

"A GamaLife esclarece que não tem, tal como a Apax Partners, e os fundos assessorados pela Apax Partners, qualquer relação (de propriedade ou outra) com Greg Evan Lindberg", indica a seguradora no comunicado emitido após a notícia.

“Caso se venha a apurar que o titular de uma participação qualificada numa empresa de seguros não preenche os requisitos de idoneidade que garantam a sua gestão sã e prudente, pode a ASF determinar a inibição do exercício dos direitos de voto integrantes dessa mesma participação ou, no limite, revogar a autorização para o exercício da atividade seguradora”, aponta o esclarecimento da ASF, onde escreve que “não desenvolve as suas atribuições e missão com base em boatos nem em suspeições casuísticas sem elementos de prova factuais e comprováveis”.

A GNB Vida foi vendida a um preço inicial de 123 milhões, sendo que poderá ainda haver um aumento de 125 milhões consoante o cumprimento de objetivos (num acordo que se estende por 20 anos). De qualquer forma, o Novo Banco escreve que “o montante fixo da operação” é de 168 milhões de euros (é este o número comparável ao valor de compra de 190 milhões anunciado em 2018).

António Ramalho deixou claro, num esclarecimento que enviou em resposta à notícia do Público, que “o preço final da transação foi o melhor e resultou de um processo organizado de venda, competitivo e transparente, com o acordo do Fundo de Resolução, em que o comprador obteve idoneidade por parte da ASF”.

O Fundo de Resolução, no seu comunicado, diz o mesmo. Na sua avaliação, "o valor da venda correspondeu ao valor da melhor oferta recebida na sequência de um processo de venda aberto e competitivo e reflete, portanto, o valor de mercado, naquele momento, do ativo em causa".

Entretanto, a GNB Vida mudou de nome e passou a GamaLife. O seu presidente é Matteo Castelvetri.


POLÍTICA TAMBÉM ESTÁ A ATUAR

Esta é mais uma das operações de grande dimensão protagonizadas pelo Novo Banco, que se desfaz de ativos que são ou problemáticos ou considerados não essenciais no seu negócio a preços abaixo dos que estavam registados no seu balanço. O Expresso já escreveu que as cinco grandes transações de vendas de créditos e imóveis causaram perdas de mais de 611 milhões de euros.

A administração executiva de António Ramalho tem estado sob pressão por conta das notícias que vão saindo em torno destas operações, sendo que já se sabe que terá de prestar esclarecimentos aos deputados em setembro. Por agora, continua ainda por ser divulgada a auditoria da Deloitte aos atos de gestão que levaram às necessidades de empréstimos públicos (que vai debruçar-se sobre algumas destas transações), e que o Governo, oposição e Marcelo Rebelo de Sousa têm pedido (ainda hoje o Presidente da República o fez).

A Procuradoria-Geral da República também avalia o pedido de António Costa para travar grandes vendas de ativos do Novo Banco - o que pode limitar uma operação que António Ramalho estava a planear e limitando a atuação de um banco que tem 4 mil imóveis no seu balanço para vender.

Já o Novo Banco, no seu comunicado, caracteriza as notícias do Público como uma "campanha continuada", que "será analisada juridicamente". "A GamaLife vai analisar todas as alternativas à sua disposição, a fim de assegurar uma correção das falsas informações que foram publicadas", indica também a seguradora.

O Fundo de Resolução ainda pode ser chamado a colocar 900 milhões de euros no banco herdeiro do BES.

https://amp.expresso.pt/economia/2020-08-10-Novo-Banco-vendeu-seguradora-a-comprador-que-afinal-nao-foi-o-comprador.-Que-historia-e-esta-


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