As últimas semanas têm sido agitadas nas escolas do ensino público, fruto das diversas greves desencadeadas por uma percentagem bastante elevada da classe de docentes.
Várias têm sido as causas da contestação, nomeadamente o congelamento do tempo de serviço, o sistema de quotas para progressão na carreira e a baixa remuneração, mas há uma que é particularmente grave e sintomática da descredibilização do ensino pelo qual o Estado é o primeiro responsável, e que tem a ver com a gradual falta de autoridade dos professores.
A minha geração cresceu a ter no professor uma referência, respeitando-o e temendo-o, consciente de que os nossos deslizes, tanto ao nível do estudo como do comportamento, teriam consequências bem gravosas na nossa progressão nos anos escolares.
Hoje, os alunos, numa maioria demasiado considerável, não evidenciam qualquer tipo de respeito e deferência pelo seu professor e não acatam a sua autoridade, enfrentando-o sem nenhum receio.
Esta realidade é uma das principais causas, se não mesmo a principal, da degradação da qualidade do ensino público.
E todos os intervenientes no processo de aprendizagem são culpados pelo constante desrespeito de que os professores são vítimas.
Em primeiro lugar, os pais.
Ao contrário do que muitos apregoam, o papel de educar os alunos não está atribuído à Escola, mas sim à Família.
É em casa que se educam os filhos, trata-se de uma responsabilidade primária dos progenitores, competindo à Escola somente constituir-se num auxiliar dos encarregados de educação nesta tarefa, complementando-a.
O dever do professor é o de instruir o seu aluno e não o de o educar!
O próprio ministério que tutela esta área ostenta um nome errado, facto que origina confusões desnecessárias, porque deveria ser da instrução e não da educação.
Acontece, no entanto, que a educação que se ministra em casa, mas, há que o reconhecer, com honrosas excepções, é estupidamente permissiva e complacente com o mau comportamento das crianças.
Estas crescem a fazer praticamente apenas o que querem e a colocarem em causa a autoridade dos pais, questionando a toda a hora as ordens que deles recebem e desobedecendo amiúde ao que lhes foi ordenado, sem que daí resultem castigos que visem a correcção da sua maneira de estar.
Para agravar este quadro, os pais, mesmo que numa fase inicial o procurem resistir, acabam por satisfazer quase todos os caprichos dos seus meninos, comprando a afeição destes com a cedência às suas exigências, por mais estapafúrdias que sejam, e com a oferta de todo o tipo de bens materiais, mesmo que tal gesto implique graves sacrifícios na gestão do orçamento familiar.
Crianças desobedientes e mimadas, a quem tudo lhes é devido, que desconhecem por completo a realidade de que nada se alcança sem esforço e que crescem no seio de uma família na qual tratam os pais da mesma forma como interagem com o colega de carteira, chegam à escola sem terem a mínima noção de que o professor está num patamar acima do deles, comportando-se de igual modo ao que se habituaram na vivência dentro do lar a que pertencem.
Crianças que não foram educadas com o princípio de que devem respeito aos mais velhos, razão porque não vêem num professor uma autoridade a quem se presta obediência e deferência, mas sim alguém a quem se está à vontade para brigar e gozar como se de uma brincadeira de recreio se tratasse.
Em segundo lugar, de igual modo o ministério dito da educação e a própria Escola têm uma grande responsabilidade na quebra de autoridade dos professores.
A preocupação dos políticos de hoje é propagandearem a mensagem de que o ensino público é de extrema qualidade e que o sucesso escolar está ao alcance de todos.
Ao contrário do passado, em que o analfabetismo batia à porta de todas as casas, agora somos todos uns iluminados, pelo que sem grande dificuldade conseguimos obter a almejada caderneta da escolaridade obrigatória e ingressar numa qualquer faculdade, mesmo que nos faltem as necessárias bases que nos permitam completar a licenciatura com suficientes conhecimentos para depois exercermos uma profissão assente no que nos ensinaram.
E o segredo do sucesso escolar está, afinal, numa simples medida: decreta-se que ninguém chumba!
Acabaram-se as reprovações e aos professores não é lícito obrigarem um aluno a repetir de ano, vendo-se forçados a atribuir-lhe notas positivas, independentemente de se estar, ou não, perante um cábula da pior espécie, sendo que a isso são coagidos pela própria hierarquia da Escola!
O ensino nivela-se, nos dias de hoje, por baixo, prejudicando seriamente todos quantos se querem destacar pela positiva e para isso se preparam convenientemente.
Perante este cenário, os alunos, obviamente, perderam o temor pelo seu professor, conscientes de que não precisam de estudar nem de se comportarem correctamente para progredir de ano.
Em terceiro lugar, também os próprios professores têm uma quota parte de culpa na notória ausência de dignificação das suas carreiras.
Permitiram que os seus interesses fossem batalhados por estruturas sindicais mais preocupadas com jogos políticos do que propriamente com a melhoria das condições de trabalho e de reconhecimento da classe, perdendo-se, desta forma, a necessária lucidez nas reivindicações fundamentais para que o professor recupere o respeito que lhe é devido dentro da sociedade.
O principal sindicato, aquele que foi até há pouco tempo o mais mediático rosto da luta dos professores, é dirigido por um activista político, fortemente empenhado noutros voos que vão muito para além da educação e que há mais de duas décadas que não põe os pés numa sala de aulas, se é que alguma vez o fez, pelo que a arte de ensinar é algo que lhe passa ao lado.
O sindicato que agora emergiu e que conduziu ao mais longo e sonoro combate em que os professores se envolveram, tem à sua frente outro activista político que já se passeou por todas as agremiações de extrema-esquerda e cuja sede de protagonismo ofusca qualquer justa aspiração de quem tem na instrução o seu modo de vida.
Sem dúvida de que os professores estão muito mal representados e esse constrangimento inibe qualquer pretensão de re-adquirirem o lugar que lhes pertence por direito.
Provavelmente, está na hora dos profissionais do ensino seguirem o exemplo de outras classes, como os médicos, os enfermeiros, os advogados, os farmacêuticos, entre muitas outras, e se empenhem na criação de uma Ordem que não só os represente com dignidade e confiança, como também defina e regule as regras que orientam o seu percurso na docência.
Um bastonário, ao contrário de um sindicalista, é eleito por todos os seus pares e não se eterniza nessas funções, continuando a exercer o ofício para o qual se preparou.
Talvez seja esse o caminho!
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