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Porque estão os professores em greve há dois meses? A resposta inclui uma mistura de populismo, "greves fofinhas" e exaustão


Novo dia de luta para os professores. Fenprof e STOP com ações de protesto em Lisboa (Lusa/TIAGO PETINGA)

Os professores reconhecem que estamos perante um tipo de luta que “não é tradicional” e que “vem mais ao encontro daquilo que é desejo” dos docentes. Mas o que significa não ser tradicional? E o que é que isso implica? Há quem veja na ascensão do S.TO.P.! uma ligação com os movimentos extremistas e a sua crescente popularidade

“Não podemos estar à espera de mais um amanhã! Temos de ter uma mudança hoje!”. As frases, ditas em tom indignado e cansado ao mesmo tempo, são de Ricardo Silva, 58 anos, professor de História. O mesmo que agora é efetivo, mas sabe o que é andar com a casa às costas. O mesmo que teve de adiar a paternidade no segundo casamento, porque a mulher (também professora) só se tornou efetiva há pouco tempo.

O mesmo que reclama seis anos, seis meses e 23 dias de tempo de serviço que permanece congelado. O mesmo que, em 12 anos, viu o seu salário ser aumentado pouco mais de 20 euros,  para 1625€ líquidos.

Mas Ricardo, que dá aulas no agrupamento de escolas D. Carlos I, em Sintra, reclama mais: quer melhores condições para ensinar e para os seus alunos aprenderem. “Ainda ontem, estava a dar aula, precisei de abrir um site e estive tanto tempo à espera que tive de recorrer ao meu hotspot, que, durante anos, foi pago do meu bolso. Os computadores são obsoletos, os projetores estão velhos”, enumera.

E Ricardo fala também dos assistentes operacionais, que passam “uma vida inteira” a ganhar o salário mínimo. “As pessoas não podem trabalhar 40 anos e ganhar o mesmo que os colegas que acabam de entrar na carreira”, denuncia.

“O Ministério da Educação está com uma bomba relógio nas mãos, que já começou a rebentar”, resume.

A luta dos professores é antiga. Mas há anos que não se assistia a uma mobilização desta envergadura. Os professores estão em greve há quase dois meses. O S.TO.P! (Sindicato de Todos os Profissionais de Educação), que representava, antes do início dos protestos, cerca de 1300 profissionais, foi o primeiro a avançar para a greve. Apresentou o primeiro pré-aviso para seis dias de dezembro. Apenas para começar, já que o protesto seria por tempo indeterminado. A 15 de dezembro, a plataforma sindical vinha a terreiro convocar uma greve por distritos, com início a 16 de janeiro. O SIPE (Sindicato Independente dos Professores e Educadores) avançava também com pré-aviso de greve ao primeiro tempo letivo, a partir de 3 de janeiro.

Pelo meio, duas manifestações nacionais (14 e 28 de janeiro) juntaram, em Lisboa, milhares de professores. A mobilização dos docentes é enorme e não parece dar sinais de enfraquecer.

“Não é um tipo de luta tradicional”

Professores encheram as ruas de Lisboa a 14 e 28 de janeiro.

Mas o que há de novo no sindicalismo dos professores que o tornou capaz de tamanha adesão? Ricardo Silva responde: “Este não é um tipo de luta tradicional. Vem mais ao encontro daquilo que é desejo dos professores: lutas mais incisivas e que deem visibilidade aos problemas dos professores. Nas escolas não há paz, as pessoas não estão bem e isso reflete-se nas ruas. As ‘greves fofinhas’ – greves de um dia uma ou duas vezes por ano – tornaram-se banais e sem grandes efeitos práticos. Passam sem terem um impacto forte. A greve deve ser a última medida de luta. Não podemos permitir que seja banalizada – uma por ano, duas por ano, sem que os problemas sejam resolvidos, sem resultados.”

“Da parte dos sindicatos, não temos sentido, até agora, uma ação forte, determinada. Ora temos momentos de luta mais acesa, ora temos uma luta mais parada. Muitos questionam se isso não tem a ver com momentos políticos. Durante a geringonça, por exemplo, a luta dos professores foi mais morna, mas os problemas não desapareceram. O S.TO.P! acabou por ser aqui uma pedrada no charco, com consultas às bases. Não quer dizer que os outros sindicatos não o façam mas, a maior parte das vezes, são reuniões com propostas já definidas que vão ali só para serem sufragadas”, analisa o docente.

António Casimiro Ferreira, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigador do seu Centro de Estudos Sociais, encontra outras explicações para estas mudanças na luta, além da insatisfação dos docentes com “os chamados sindicatos tradicionais”. “Isto acontece num momento de grande debilidade do Governo e da maioria parlamentar. A vulnerabilidade do Governo facilitou esta participação, bem como o alargamento da base social do apoio sindical do S.TO.P!, que acaba por ter uma maior visibilidade na mobilização”.

“E talvez estejamos a assistir a um populismo de esquerda que vá ultrapassar o do Bloco de Esquerda, em Portugal. O populismo pode estar a contribuir para empurrar a extrema esquerda ainda mais para a esquerda”, acrescenta o sociólogo.

“Os professores estão esgotados de ser continuamente desvalorizados”

Mário Nogueira, o dirigente da FENPROF que nos habituámos a ver nas televisões a falar em nome dos professores mesmo quando as decisões são da plataforma sindical e não apenas da estrutura sindical que representa, assegura que “não há nada de novo nesta luta”. Até porque, sublinha, greves só a determinados tempos, por exemplo, já não são novidade. Questionado sobre se este fôlego na mobilização não será um sinal de cansaço dos professores em relação às estruturas sindicais tradicionais, Mário Nogueira recusa a ideia de que a FENPROF esteja a perder força no panorama sindical docente.

“A luta não se faz só de greves. Ainda recentemente estivemos acampados quatro dias e três noites em frente ao Ministério da Educação. Em novembro, fizemos uma manifestação em frente ao Parlamento. As greves por distrito, convocadas pela plataforma sindical, têm tido uma adesão de 94, 95, 97 por cento. Disso ninguém fala”, lamenta Mário Nogueira.

Professores têm levado a cabo diversos protestos em frente do Ministério da Educação, mas não só. 

Também Júlia Azevedo, do SIPE, recorda que a greve ao primeiro tempo convocada pelo sindicato que dirige não é um novo recurso de luta. “As greves prolongadas no tempo devem-se à falta de resposta do Ministério da Educação e do Governo aos apelos dos professores. No que respeita à greve do SIPE (greve ao primeiro tempo letivo do horário de cada docente), esta forma já foi posta em prática pelos professores noutras alturas, nomeadamente em 2017,e é utilizada frequentemente por outras classes profissionais. O momento que se está a viver é que é único, tornando esta luta grandiosa”.

Júlia Azevedo também está convencida que a mobilização atual não significa cansaço dos docentes em relação aos sindicatos mais antigos. Deve-se, assegura, a um estado e exaustão dos profissionais de educação. “As políticas educativas implementadas para os professores foram e são de tal forma revoltantes, que provocaram a adesão em massa a todas as formas de luta. Inclusivamente, organizando-se entre eles, com manifestações espontâneas. No fundo, os professores estão esgotados de ser continuamente desvalorizados a nível social, político e financeiro”, acrescenta a dirigente sindical.

Reivindicações dos professores são antigas.

O professor Ricardo Silva identifica ainda mais uma diferença nesta luta que é também responsável por uma maior adesão e por uma maior visibilidade da luta dos educadores e professores. “A diferença entre o S.TO.P! e outros sindicatos da plataforma é que o S.TO.P! é um sindicato de professores e restantes profissionais de educação. Todos os profissionais de educação podem aderir em simultâneo. A adesão vai fazer com que haja mais encerramentos de escolas. Esta também é uma característica nova. Uma coisa é um aluno não ter uma ou duas aulas, outra é os pais chegarem às escolas e darem com elas fechadas. O impacto é diferente.”

“Luta acrescenta a luta”

Em declarações à CNN Portugal, Mário Nogueira diz que não é tempo de abrir cisões entre sindicatos e assegura que apoia todas as formas de luta promovidas pelos seus parceiros na mesa das negociações com João Costa. A 10 de dezembro, um dia depois do início da greve anunciada pelo S.TO.P!, parecia discordar mais de determinadas formas de fazer greve. Num artigo de opinião que assinou no jornal Público, Mário Nogueira evidenciava os pontos menos positivos da forma de luta anunciada.

“Neste complexo quadro, foi anunciada uma greve que os professores não conseguem fazer, por não poderem prescindir do seu salário por tempo indeterminado, mas bastou ouvir alguns dos seus promotores ou dinamizadores para perceber o seu verdadeiro objetivo e alvo. Não pela forma como (e por quem) está a ser promovida, mas pelo que é dito em reuniões em que não é apresentada uma única proposta com soluções para os problemas. (…) Sabe-se agora que, afinal, a greve por tempo indeterminado seria só de uma semana, um dia ou uma hora, ou seja, greve à la carte, com várias soluções low cost, algumas pouco abonatórias de quem as sugere ou promove”, escrevia.

Agora, em conversa telefónica com a CNN Portugal, diz que “todas as formas de luta são bem-vindas” e remata: “luta acrescenta a luta”.

Populista como o Chega?

A verdade é que o S.TO.P! e o seu dirigente, André Pestana, ganharam uma visibilidade no espaço mediático diretamente proporcional à mobilização dos professores à porta das escolas e nas ruas de Lisboa nas últimas duas manifestações nacionais. O sindicato que representa professores e outros profissionais da educação tem sido capaz de galvanizar a luta como ninguém. E, desde a sua fundação, reclama diferenças em relação a outros sindicatos.

“Há cada vez mais profissionais de educação (pessoal docente e não docentes) não sindicalizados e sem esperança nos sindicatos tradicionais, face a sucessivos momentos em que todos os sindicatos não têm estado à altura das oportunidades e necessidades de quem trabalha nas escolas”, pode ler-se no site do sindicato.

E continua a apontar as diferenças: “primeiro e único sindicato docente com mandatos consecutivos finitos para os dirigentes (aqui não haverá dirigentes eternos)" e "sindicato que nunca assinará compromissos/acordos importantes com o Governo sem antes auscultar democraticamente a classe docente”.

S.TO.P! tem, desde a sua fundação, feito um esforço para se demarcar dos restantes sindicatos. 

Diz-se também um “sindicato não sectário, apartidário e realmente democrático”. Mas será mesmo assim? “É evidente que estamos perante um movimento sindical de extrema esquerda”, considera o sociólogo António Casimiro Ferreira.

“Esta insistência do S.TO.P! em querer desligar-se do movimento sindical tradicional, a longo prazo vai ser perturbadora e vai ter um efeito perverso nos órgãos democráticos da sociedade portuguesa”, alerta ainda o professor universitário.

O investigador olha para o posicionamento do sindicato de André Pestana e acrescenta: “Muito do caderno reivindicativo desta luta é mais do que merecida. Os professores têm toda a razão democrática do seu lado. Mas outra coisa é a lógica antissistema do S.TO.P!, quando diz que há os sindicatos do sistema e há o S.TO.P!. E eu pergunto: qual é a diferença entre ele e o André Ventura, quando diz que há os partidos do sistema e há o Chega?”

E por falar no apartidarismo da luta docente, onde anda o Partido Comunista que nos habituámos a ver, ao longo da história, a tomar as rédeas da luta? “O pluralismo sindical não é só afeto ao PCP. Fomos assistindo, paulatinamente, ao crescimento de um movimento sindical de centro-direita, por exemplo. O padrão e a história das organizações sindicais, em Portugal, foram encontrando outros espaços. Mas admito que estejamos a assistir a uma certa recomposição dos movimentos dos trabalhadores fora da esfera do PCP. O meu receio é que fique refém das lógicas populistas”, diz António Casimiro Ferreira.


União precisa-se

Alheio a questões como o partidarismo político dos sindicatos, Ricardo Silva identifica “uma certa falta de energia”, e “algum desgaste de imagem junto da opinião pública” de alguns sindicatos e de alguns dirigentes sindicais, mas sublinha que o momento tem de ser de união. “O que os professores mais querem é que os sindicatos deixem as quezílias de lado, se unam e sejam capazes de estar juntos nas lutas e nas manifestações. Não estar um a puxar por uma greve assim, outro a fazer uma greve assado. O momento por que estamos a passar pede sindicatos unidos e a ouvir os professores sempre, quer nas formas de luta, quer nas decisões a serem tomadas nas mesas de negociações”, exorta.

“Não entrem em lutas, não entrem em quezílias, não entrem em rivalidades. Participem nas lutas de todos os sindicatos, não importa a cor, não importa a filiação”, apela ainda.

Para o professor, agora nem sequer é tempo para fazer determinado tipo de reflexões. “Haverá tempo para fazermos esse balanço, para refletirmos se os sindicatos são apartidários ou não. Mas agora é tempo de unidade.”

Ricardo Silva pede aos sindicatos que se unam em prol da luta dos professores.

Para o docente universitário António Casimiro Ferreira, há lições a tirar desta luta. “Há uma aprendizagem que o movimento sindical tradicional pode fazer da situação.  Deveria acontecer uma reflexão nos sindicatos que ajudaram a formar a democracia, que ajudaram a cimentar a democracia. Deveriam conseguir estabelecer, chamar a atenção para o aproveitamento populista daquilo que está a acontecer com a movimentação sindical.”

“Espero como cidadão português que o Presidente da República, o presidente da Câmara de Lisboa e os partidos políticos façam uma reflexão acerca do que aconteceu. Espero que os atores políticos, todos, saibam extrair conclusões desta greve e desta luta”, acrescenta o investigador.

Mas, agora, insiste Ricardo Silva é tempo de combater “o total autismo do Governo”. “Falam muito da falta de professores, mas não tomam medidas para resolver os problemas. Não se resolve com maquilhagem de vinculação aqui ou acolá. O ministério tem de perceber que tem de dar condições de atratividade à profissão. E não é só para os professores que hão-de vir. É para os que ainda cá estão e têm muitos anos de carreira pela frente”, sublinha.

Para já, preocupa o professor universitário o entendimento que a opinião pública começa a ter da luta dos professores. Uma luta legítima, com reclamações válidas, insiste. “Esta radicalização da luta, esta ideia do queremos tudo, já… Julgo que aquela vaga de fundo que era o apoio das comunidades educativas e da sociedade portuguesa em geral, a simpatia inicial, tem vindo a ser desgastada. O modo como a simpatia inicial da greve se transformou num problema para quem tem filhos, que no início era suportável, mas dois meses depois se está a tornar insuportável, pode virar a opinião pública contra os professores.

Investigador social alerta para os efeitos dos sucessivos encerramentos das escolas na aceitação da opinião pública da luta dos professores.

O investigador alerta que “a opinião pública não consegue distinguir entre a greve do S.TO.P! e a greve do SIPE” e sublinha que “a greve também não é um direito absoluto, porque colide com direitos de outras pessoas”.

A CNN Portugal tentou falar com André Pestana e com o S.TO.P, mas não  teve resposta em tempo útil para este artigo. 


Porque estão os professores em greve há dois meses? A resposta inclui uma mistura de populismo, "greves fofinhas" e exaustão (iol.pt)


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