1. Escrevo sobre o conflito que envolve os professores preocupada, em primeiro lugar, com o efeito que este está a ter na degradação da escola pública, na imagem e na confiança dos pais no sistema educativo, nos danos que estão a ser causados a milhares de alunos cujas famílias não têm condições para lhes proporcionar explicações ou frequência de colégios privados. Parece-me importante que, nas negociações entre Governo e sindicatos, esta dimensão do problema seja equacionada.
Escrevo, em segundo lugar, porque espero poder dar um contributo para a compreensão e boa resolução do conflito, apesar de todo o ruído e falta de capacidade para ouvir.
2. Nos anos pré-pandemia, eram muitos os sinais das dificuldades das escolas em prestar um serviço de qualidade. A existência de milhares de alunos sem professor, em várias disciplinas e em vários pontos do país, gerou um clamor sobre a falta de docentes e a fraca atratividade da carreira. Porém, o problema da falta de professores nas escolas reside essencialmente no modelo de seleção, recrutamento e fixação de professores, o qual está obsoleto há mais de 20 anos. A sua obsolescência foi ficando mais evidente quando, no tempo da troika, em vez de se acabar com os quadros de zona pedagógica e de se fixarem os professores em quadros de escola ou de agrupamento, se alargaram estes quadros criando a situação dos professores "com a casa às costas". Situação que se tem agudizado, ainda mais, com a crise da habitação em algumas regiões do país.
Quando o atual ministro apresenta uma proposta razoável para resolver este problema, indo ao encontro do desejado por muitos professores, explode-lhe na mesa das negociações um conflito que exprime uma frustração profunda com o ponto a que chegou a degradação da carreira docente e das condições de aposentação.
3. Na base do conflito, vejo três medidas, tomadas no passado com a preocupação principal de sustentabilidade das contas públicas, mas cujos impactos conjugados se fazem sentir hoje, afetando as expectativas de muitos professores, sobretudo os que vão ficando mais perto da idade de reforma:
(1) As condições de progressão na carreira docente. Há duas décadas, todos os professores chegavam ao topo, isto é, ao 10.o escalão, independentemente do número de anos de lecionação efetiva. Em 2018, havia apenas sete professores no topo da carreira, que se tornou inacessível para a grande maioria.
(2) A alteração das condições da reforma. Para o cálculo da pensão passou a contar a carreira contributiva e não apenas o último salário. Logo, o congelamento das promoções e progressões está a ter um efeito pesado no cálculo da pensão dos professores, como de muitos funcionários públicos, mas não de todos os servidores do Estado.
(3) A alteração para os 66 anos da idade da reforma de todos os funcionários públicos, incluindo carreiras especiais. Esta medida tem implicações negativas, particularmente para muitos educadores de infância e professores de primeiro ciclo, pelo desgaste e pela dificuldade de exercício da profissão.
4. Ao longo do tempo que foi passando, aquelas alterações precisavam, como todas as políticas públicas precisam, de avaliação e monitorização dos seus impactos, para se perceber a sua adequação e para se introduzirem melhorias incrementais. E a avaliação não pode ser apenas a do impacto financeiro nas contas públicas.
Uma coisa é a estruturação da carreira docente, o seu alongamento e definição de exigências para chegar ao topo. Outra coisa é serem raros os professores a chegar ao topo e mais de metade ficar a engrossar as categorias iniciais sem qualquer expectativa de promoção.
Uma coisa é reformar o sistema de pensões para o tornar mais sustentável, justo e equilibrado. Outra coisa é criar, na idade ativa, um travão ao aumento da despesa, com o congelamento das promoções e progressões, que se vai prolongar, depois, na reforma.
Uma coisa é definir uma regra geral para a idade de reforma. Outra coisa é, para algumas profissões, promover medidas que mitigam o efeito do desgaste físico e da dificuldade de exercício e não o fazer para outras, como é o caso dos educadores de infância e professores do primeiro ciclo.
5. Na minha opinião, a resolução do atual conflito com os professores passa por revisitar estes temas, reconhecendo evidentemente a dificuldade da sua negociação. Eles afetam todos os professores, mas talvez se possa começar dando uma atenção prioritária à situação dos que, devido apenas ao congelamento, ficaram para trás e já não têm tempo para melhorar as condições de aposentação.
A sustentabilidade da Segurança Social e das finanças públicas é preocupação muito importantes. Porém, convém não esquecer que a qualidade do ensino, o sucesso escolar dos alunos e o normal funcionamento das escolas públicas são o objetivo primeiro da política educativa. Ou pagaremos muito caro o défice das aprendizagens registadas nos últimos anos.
Defender a escola pública (jn.pt)
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