Pedro Nuno Marques
Era uma hora e picos da madrugada e os bares estavam a fechar. À falta de soluções para dar continuidade à diversão de um fim-de-semana de Verão, duas dezenas de jovens resolveram juntar umas “litrosas” de cerveja e, em amizade, conviver num areal ali perto, numa rodinha familiar, com a música do Atlântico como pano de fundo e longe de zonas habitacionais. Por ali permaneceram por pouco mais de uma hora, até chegar a Polícia Marítima, interpelando os jovens e obrigando-os a uma “rápida dispersão”. Porquê? Oh pá, provavelmente porque o vírus adora atacar grupos de amigos que, numa madrugada de Agosto gosta de conviver, beber uns copos, fumar uns cigarros e – fazendo parte do leque de singularidades de Verão – trocar salivas com terceiros, e algo mais, até. Adiante. Ao invés, e pelos vistos, falamos de uma pandemia que jamais entrará na Atalaia, localidade que acolherá, durante vários dias, a Festa do Avante!, o único (reitero, vezes sem fim, o “único”) evento do género que acontecerá por cá durante este Verão. Nem festivais, nem arraiais de aldeia, nem encontros anuais, nem discotecas (excepto para levar aquela miúda, com quem tencionas ter algo além amizade, lanchar uma queijada e uma meia de leite) e, até, bares e esplanadas, dando a ideia ridícula e palerma de que o “bicho” tem o relógio a despertar para as 00h50, mais coisa menos coisa. Adiante.
Escrevi, há uns dias, em sede própria, e repito: “O mais impressionante (e incompreensível) da generalidade da malta dos bares e das discotecas é não saberem aproveitar a realização da Festa do Avante! para criarem um movimento, uma ideia e uma força capaz que os leve a criar uma voz única e sólida!”. A passividade deste pessoal torna-se confrangedora perante políticas levianas, baixas e rasteiras que, entrelinhas, roçam outras tantas de cariz ditatorial, puxando à memória – de forma algo abstracta –um 11 de Março de tempos idos. A realização da Festa do Avante! num Estado que se diz de direito é a prova cabal da falência da democracia como a conhecemos. São factos e nenhum argumento é válido para mostrar o contrário. A DGS e, especialmente, o Governo da República Portuguesa mostram-se altamente submissos à realização da Festa do Avante!. É manifesto o ajoelhar obediente do PS ao PCP, simplesmente por precisar vivamente deste para a aprovação e viabilização dos vários pontos debatidos no seio de hemiciclo. A oposição à realização da Festa do Avante! seria um rude golpe na relação de ambos. É triste e decadente, mas a verdade, pura e manifesta, é, somente, uma: há dois pesos e duas medidas, assim como há portugueses de primeira e de segunda. Adiante.
Pergunto: posto isto, e se de facto nos encontramos numa democracia – arduamente conquistada em finais de abril de 74 -, com que lata é que as forças da autoridade vão obrigar as esplanadas a encerrarem à 1 hora ou fazer dispersar um pacato grupo de jovens da praia se, na Atalaia, ao mesmo tempo, encontra-se a decorrer uma festa de três ou quatro dias com mais de 33 mil pessoas? Estou curioso para ver. Muito menos não seja para eu e para o Salgueiro Maia nos rirmos um bom pedaço, enquanto bebemos uma boa reserva do Douro, de 1974, no areal da Praia da Barra, em Aveiro, onde, este ano, fui bem feliz de madrugada. Talvez por a minha toalha de praia ser encarnada, devidamente ilustrada com a boina do Che. Adiante!
https://observador.pt/opiniao/avante-na-festa-da-falencia-democratica/
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