Blockchain, tecnologia que alimenta a bitcoin, pode revolucionar sistema bancário, antevê economista Ricardo Reis, que critica o "influenciador" (em bitcoin) Elon Musk. Regulação "pode matar inovação", diz especialista Gina Pieters. A loucura pela bitcoin tem muito que se lhe diga.
(Pode ouvir as conversas com estes dois especialistas sobre criptomoedas como a bitcoin no nosso podcast Made in Tech - siga-nos: Apple, Spotify, Google Podcasts . Falamos ainda dos pequenos investidores que usam apps como Robinhood e do futuro do sistema financeiro assente numa base mais tecnológica , simples, eficiente e barata)
"A bitcoin falhou como moeda, mas voa como investimento, está ao nível do que o ouro era há 50 anos e a tecnologia blockchain na sua base pode ser revolucionária". A conclusão é do economista Ricardo Reis, da London School of Economics. Já Gina Pieters, professora e investigadora em finanças alternativas das Universidades de Chicago (EUA) e Cambridge (Reino Unido) vê com "entusiasmo o rápido e vibrante crescimento das criptomoedas nos últimos anos", mesmo que também admita, tal como o português, que a bitcoin como moeda "falhou".
Há 10 anos, um bitcoin valia 1 dólar, nesta semana bateu novos recordes, superando os 48 mil dólares (39,6 mil euros) pela primeira vez, muito graças à ajuda da Tesla. A empresa de Elon Musk (um entusiasta no Twitter de vários tipos de criptomoedas) segunda-feira anunciou o investimento de 1,24 mil milhões de euros em bitcoin, algo que não sendo inédito é significativo pelo valor.
"Não há correlação entre bitcoin e inflação, dizer isso é especular, apostar, só isso", avisa Ricardo Reis.
Musk, legal mas "perigoso"
Vítor Constâncio, antigo vice-presidente do Banco Central Europeu, foi um dos que pediram fiscalização das autoridades dos EUA a Musk e garante que a "bitcoin nunca será moeda" e é uma espécie "de Tesla mas sem os carros", "não tem valor de uso". Ricardo Reis concorda que a forma de agir e influenciar pelo Twitter de Musk "pode ser perigosa" para quem o segue e "alinha na moda".
Ainda assim, não acredita numa investigação porque "Musk
não parece ter tido informação privilegiada, logo não fez nada de ilegal". "Ele é um influenciador e quando és um líder de manadas, as manadas vão seguir-se e vais ganhar dinheiro às custas delas".
O que acontece hoje com a bitcoin "é o mesmo que vimos com o ouro há 30 ou 50 anos", "não era usado em quase nada, em jóias de forma residual, mas era visto como uma forma de manter valor, poupar de forma imune a alguns riscos, mas expondo as pessoas a outros riscos até porque era muito volátil, tal como o bitcoin é hoje".
Comprar carros com bitcoin "parece marketing"
Já sobre os desejos da Tesla em aceitar bitcoin na compra de carros, Reis diz que "parece ser marketing". "Musk paga salários e aos fornecedores em dólares e não faz sentido usar uma moeda tão volátil, podia estar a ter prejuízo ou lucro brutal", explica.
Um dos argumentos usados por investidores em bitcoin é que a moeda tradicional em breve será sujeita a maior inflação, logo a bitcoin é vista como aposta para o futuro. O economista lembra que "esse é um argumento fraco e igual ao que se usava há 100 anos para investir no ouro", dizendo que "não é possível determinar correlação entre inflação e bitcoin, até porque a primeira tem estado estável". "É especulação, uma aposta apenas" até porque "a volatilidade é real".
Como a bitcoin inovou
Gina Pieters lembra que a bitcoin (de 2009), embora não seja a primeira moeda digital (já nos anos 1990 existiam), foi a primeira criptomoeda descentralizada e a inovar há uma década. Antes só existiam versões com uma entidade centralizadora, que a bitcoin evitava - e faz assim triunfar o conceito de blockchain.
Esta tecnologia funciona "como uma folha de cálculo em que ninguém controla a folha , mas os movimentos são verificados de forma relativamente segura" e tem "enorme potencial no futuro".
Nesta altura, "o mercado já diferencia entre algo com objetivo de ser moeda, como forma de certificar transações ou contratos ou um bem mais usado como investimento especulativo, que é o caso da bitcoin, que tem ajudado a aumento dos preços quase generalizado em várias criptomoedas", explica a investigadora.
Pieters admite ainda que tem visto "uma mistura fascinante e positiva" "na maioria das comunidades entusiastas com as criptomoedas, entre fãs da tecnologia e do lado financeiro".
Regular, mas pouco
A maior preocupação da especialista é que "os reguladores intervenham sem conhecimento", "é melhor não intervir do que cometer erros fatais".
Daí que considere que se "deve evitar fazer do blockchain apenas uma base de dados vitaminada", "o que o torna especial é a componente descentralizada e diferente e remover a capacidade de se descentralizar, vai diminuir em muito o valor desta tecnologia".
O blockchain "pode fazer a diferença e melhorar os mercados financeiros", "facilitando (em rapidez e agilidade) as liquidações de ações, reduzindo os intermediários e reduzindo comissões",
Blockchain, factor de eficiência e modernização
Um dos benefícios da bitcoin foi promover a tecnologia do blockchain. "Vimos empresas a apostar pela primeira vez numa arquitetura digital dentro da empresa baseada na tecnologia blockchain, mesmo que usem um sistema centralizado têm conseguido vantagens claras em simplicidade, segurança, fiabilidade e eficiência", explica a investigadora, que vê "benefícios em cativar cada vez mais empresas para a modernização digital: "a bitcoin e blockchain vieram traçar esse caminho".
Agora os bancos centrais olham mais para o potencial desta tecnologia "nos pagamentos no retalho", mas já se fala há uns anos "nos benefícios no sistema geral de transferências de dinheiro, no caso dos grandes bancos e das grandes transferências, e haveria ganhos claros nos mercados financeiros e de ações, na parte de acordo ou liquidação que pode ser bem mais simples e rápida", diz Pieters.
Ricardo Reis concorda com esta perspetiva e acredita que a blockchain "pode fazer a diferença e melhorar os mercados financeiros", "facilitando (em rapidez e agilidade) as liquidações de ações, reduzindo os intermediários entre comprador e vendedor e reduzindo comissões", o que "ajudaria a prevenir problemas com as especulações como vimos no caso das ações da GameStop e dos pequenos investidores".
Moeda: centralizar ou descentralizar?
O economista vê, ainda assim, mais potencial nas moedas digitais de blockchain centralizada, Reis vê com maior entusiasmo as moedas digitais que usam blockchain centralizada, "que não ambicionam ser novas unidades de medição, mas estão ancoradas no dólar, euro ou o yuan (como a Libra do Facebook tentou ser) e podem levar a uma mudança na forma como fazemos transações ".
Porquê? "Moeda digital todos nós temos já há décadas, é fácil não usar notas ou cheques", o "lado revolucionário é que o blockchain permite remover intermediários (bancos) e com isso facilitar transações, torná-las mais diretas, simples e baratas mesmo em moedas diferentes e quase eliminar comissões".
Assim, por exemplo, "pode levar a que se tenha conta diretamente no banco central e, embora seja ainda imprevisível, pode mudar toda a paisagem do que são e o que fazem os bancos".
(Seguem as duas conversas no podcast Made in Tech)
Made in Tech EP12 Bitcoin - Ricardo Reis PT1
Made in Tech EP12 PT2 - Bitcoin - Com Gina Pieters
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