Aquilo que se está a passar na Hungria é uma sequela daquilo que se passou em Moscovo: um ditador usa a democracia para destruir a liberdade; um ditador de facto reorganiza pela força uma sociedade traumatizada pelo fascismo e pelo comunismo. Pior ainda: tal como o nacionalismo místico da Mãe Rússia, o nacionalismo da Hungria em 2022 também sonha com a reivindicação de territórios da Grande Hungria perdidos em 1920
Viktor Órban mostra de novo as semelhanças entre os extremos. É de extrema-direita e, como tal, governa como o PCP e o BE governariam caso tivessem poder. Tal como BE e PCP, é um inimigo declarado, nos dias maus, e um inimigo sonso, nos dias bons, da UE e da NATO. E tal como PCP e BE, não esconde a estima pela Rússia. Tal como PCP e BE, sonha com uma derrota histórica dos EUA e do mundo atlântico e ocidental.
É claro que a Hungria já não é uma democracia constitucional. É claro que é um regime de partido único. É claro que a independência do Estado de Direito e dos média está em causa ou já não existe de todo. Tal como Putin, Órban controla o regime e a parte da população mais rural, mais nacionalista e que só fala húngaro, enquanto ataca e pressiona a parte mais cosmopolita e aberta da sociedade. Ou seja, aquilo que se está a passar na Hungria é uma sequela daquilo que se passou em Moscovo: um ditador usa a democracia para destruir a liberdade; um ditador de facto reorganiza pela força uma sociedade traumatizada pelo fascismo e pelo comunismo. Pior ainda: tal como o nacionalismo místico da Mãe Rússia, o nacionalismo da Hungria em 2022 também sonha com a reivindicação de territórios da Grande Hungria perdidos em 1920. Tal como na Rússia, a História ou aquilo que as pessoas assumem ser a herança histórica pesa mais do que a liberdade do presente e a paz.
Na I Guerra Mundial, a Hungria fazia parte do Império Austro-Húngaro dos Habsburgos. Após a derrota, os impérios (otomanos, austro-húngaros) foram desmantelados nas suas diversas nações. Nesse processo traumático, a Hungria não perdeu apenas a ligação à Áustria, também perdeu território da Grande Hungria para Checoslováquia, Roménia, Jugoslávia e Áustria. Todas juntas, estas parcelas perdidas perfazem um território maior do que a atual Hungria. Órban e o seu partido hegemónico têm mantido acesa esta ferida e este desejo. Falam disto, escrevem sobre isto. Os países vizinhos reagem. O assunto não chega à CNN e à Sky, logo não existe para o Ocidente, mas está lá à nossa espera. É impensável que a Hungria ataque um Estado vizinho em nome da História?
Esta guerra na Ucrânia também era impensável.
O 11 de Setembro era impensável.
A I Guerra Mundial era impensável.
Querem que eu continue?
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