O governo tem ocultado dados, falseado indicadores e sabotado a comparabilidade de informação. Em benefício próprio e prejuízo da qualidade da democracia, assim diminuída na capacidade de escrutínio.
Uma forma eficaz de um governo impedir o escrutínio democrático é bloquear o acesso aos dados que o permitem. Sem acesso aos dados, não há como medir o impacto das opções políticas. Sem acesso aos dados não há como apontar erros de governação ou escrever más notícias nos jornais. Sem dados, o debate público permanece no reino das opiniões de trincheira e da propaganda, deixando a oposição de mãos atadas e o país na dependência das versões oficiais do governo. Sem dados, um governo decide à medida do que prefere, sem ter de demonstrar que o fez à medida do bem-comum. E é assim, impedindo esse escrutínio democrático, que sobrevive o governo de António Costa.
Noticiou a revista Sábado (na edição de 15.03.2018) que um grupo de economistas se queixa de falta de acesso a dados dos “Quadros de Pessoal”, na posse do Ministério da Segurança Social. Dados esses que permitem avaliar o estado do mercado laboral – aliás, uma base de dados imprescindível para esse trabalho, porque contém informação sobre cerca de dois milhões de trabalhadores do sector privado. Ora, os últimos dados disponibilizados ao Banco de Portugal (em 2015) referem-se a 2013. Ou seja, desde que tomou posse, o actual governo não soltou dados, impedindo que (1) se avalie o real impacto da crise económica no mercado de trabalho e (2) se proceda à caracterização da retoma da economia. Ao que consta, os dados são vistos dentro do Ministério como “de apoio à governação e não para investigação externa” – nomeadamente quando feita por académicos que o governo “considera tendencialmente liberais“. Tradução: o Ministério não solta dados que possam pôr em causa o seu discurso político.
Caso isolado? Muito longe disso. Nas Finanças, tornou-se rotina que, aquando da apresentação das propostas de orçamento, o governo oculte parte da informação relevante. Por exemplo, a propósito do Orçamento de Estado para 2017, o governo negou-se sucessivamente a entregar dados de execução orçamental solicitados por diversos organismos de escrutínio público, em particular a UTAO. Na Protecção Civil, tudo o que hoje se sabe do que aconteceu em Pedrógão Grande foi tirado a ferros pela persistência dos jornalistas, contra um governo que fez tudo ao seu alcance para impedir o escrutínio. E, há dias, esse mesmo governo nomeou para a ANPC o tenente-coronel Albino Tavares, que havia ordenado a suspensão dos registos na fita do tempo, em Pedrógão Grande, assim sabotando o acesso à informação do que aconteceu nessa noite trágica.
Mais: na Saúde, o Tribunal de Contas acusou o actual governo de ter feito uma “limpeza administrativa” dos dados das listas de espera dos hospitais, retirando os mais antigos e falseando os indicadores de desempenho. Ou, na Educação, a opção por provas de aferição com critérios de avaliação substancialmente diferentes e, sobretudo, a sua aplicação em anos escolares que não os de fim de ciclo (4.º e 6.º ano) tornou os dados actuais incomparáveis com as séries estatísticas construídas nos últimos 15 anos – ou seja, inviabilizou a comparação dos resultados e a avaliação das actuais opções políticas na Educação: ninguém sabe realmente o que está a acontecer até ao 9.º ano.
Uma lista exaustiva seria muitíssimo mais longa, embora revelasse o mesmo padrão: as acções de sucessivo bloqueio à informação servem o propósito de manter vivas as narrativas políticas do governo de António Costa. Na Economia, impede o realçar da precariedade da retoma económica no mercado de trabalho. Nas Finanças, previne o confronto político com o espartilho da austeridade de Mário Centeno. Na Protecção Civil, permite disfarçar a impreparação do Estado na defesa das populações e promove a diluição de responsabilidades. Na Saúde, oculta as piorias do SNS desde a tomada de posse deste governo. Na Educação, garante a impossibilidade de avaliação dos efeitos das actuais opções educativas.
De forma sistemática e em várias áreas da governação, o governo tem ocultado dados, falseado indicadores e sabotado a comparabilidade de informação. Em benefício próprio (para proteger as suas narrativas políticas) e em prejuízo do esclarecimento público e da qualidade da democracia, que assim se vê diminuída na sua capacidade de escrutínio. Dir-me-ão que, depois dos governos de Sócrates, já nada disto é inédito e que mesmo nos governos PSD-CDS houve ministros a tentarem controlar a divulgação de indicadores negativos de desempenho. Sim, é verdade. Mas não, isso não justifica a actual indiferença perante um logro organizado que cresce a cada dia. Só aceita o engano quem, por conveniência ou preguiça, prefere viver na mentira.
https://observador.pt/opiniao/viver-na-mentira/
Uma forma eficaz de um governo impedir o escrutínio democrático é bloquear o acesso aos dados que o permitem. Sem acesso aos dados, não há como medir o impacto das opções políticas. Sem acesso aos dados não há como apontar erros de governação ou escrever más notícias nos jornais. Sem dados, o debate público permanece no reino das opiniões de trincheira e da propaganda, deixando a oposição de mãos atadas e o país na dependência das versões oficiais do governo. Sem dados, um governo decide à medida do que prefere, sem ter de demonstrar que o fez à medida do bem-comum. E é assim, impedindo esse escrutínio democrático, que sobrevive o governo de António Costa.
Noticiou a revista Sábado (na edição de 15.03.2018) que um grupo de economistas se queixa de falta de acesso a dados dos “Quadros de Pessoal”, na posse do Ministério da Segurança Social. Dados esses que permitem avaliar o estado do mercado laboral – aliás, uma base de dados imprescindível para esse trabalho, porque contém informação sobre cerca de dois milhões de trabalhadores do sector privado. Ora, os últimos dados disponibilizados ao Banco de Portugal (em 2015) referem-se a 2013. Ou seja, desde que tomou posse, o actual governo não soltou dados, impedindo que (1) se avalie o real impacto da crise económica no mercado de trabalho e (2) se proceda à caracterização da retoma da economia. Ao que consta, os dados são vistos dentro do Ministério como “de apoio à governação e não para investigação externa” – nomeadamente quando feita por académicos que o governo “considera tendencialmente liberais“. Tradução: o Ministério não solta dados que possam pôr em causa o seu discurso político.
Caso isolado? Muito longe disso. Nas Finanças, tornou-se rotina que, aquando da apresentação das propostas de orçamento, o governo oculte parte da informação relevante. Por exemplo, a propósito do Orçamento de Estado para 2017, o governo negou-se sucessivamente a entregar dados de execução orçamental solicitados por diversos organismos de escrutínio público, em particular a UTAO. Na Protecção Civil, tudo o que hoje se sabe do que aconteceu em Pedrógão Grande foi tirado a ferros pela persistência dos jornalistas, contra um governo que fez tudo ao seu alcance para impedir o escrutínio. E, há dias, esse mesmo governo nomeou para a ANPC o tenente-coronel Albino Tavares, que havia ordenado a suspensão dos registos na fita do tempo, em Pedrógão Grande, assim sabotando o acesso à informação do que aconteceu nessa noite trágica.
Mais: na Saúde, o Tribunal de Contas acusou o actual governo de ter feito uma “limpeza administrativa” dos dados das listas de espera dos hospitais, retirando os mais antigos e falseando os indicadores de desempenho. Ou, na Educação, a opção por provas de aferição com critérios de avaliação substancialmente diferentes e, sobretudo, a sua aplicação em anos escolares que não os de fim de ciclo (4.º e 6.º ano) tornou os dados actuais incomparáveis com as séries estatísticas construídas nos últimos 15 anos – ou seja, inviabilizou a comparação dos resultados e a avaliação das actuais opções políticas na Educação: ninguém sabe realmente o que está a acontecer até ao 9.º ano.
Uma lista exaustiva seria muitíssimo mais longa, embora revelasse o mesmo padrão: as acções de sucessivo bloqueio à informação servem o propósito de manter vivas as narrativas políticas do governo de António Costa. Na Economia, impede o realçar da precariedade da retoma económica no mercado de trabalho. Nas Finanças, previne o confronto político com o espartilho da austeridade de Mário Centeno. Na Protecção Civil, permite disfarçar a impreparação do Estado na defesa das populações e promove a diluição de responsabilidades. Na Saúde, oculta as piorias do SNS desde a tomada de posse deste governo. Na Educação, garante a impossibilidade de avaliação dos efeitos das actuais opções educativas.
De forma sistemática e em várias áreas da governação, o governo tem ocultado dados, falseado indicadores e sabotado a comparabilidade de informação. Em benefício próprio (para proteger as suas narrativas políticas) e em prejuízo do esclarecimento público e da qualidade da democracia, que assim se vê diminuída na sua capacidade de escrutínio. Dir-me-ão que, depois dos governos de Sócrates, já nada disto é inédito e que mesmo nos governos PSD-CDS houve ministros a tentarem controlar a divulgação de indicadores negativos de desempenho. Sim, é verdade. Mas não, isso não justifica a actual indiferença perante um logro organizado que cresce a cada dia. Só aceita o engano quem, por conveniência ou preguiça, prefere viver na mentira.
https://observador.pt/opiniao/viver-na-mentira/
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