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Covid-19. Como a Coreia do Sul conseguiu achatar a curva de casos


O novo coronavírus chegou à Coreia do Sul no final de janeiro. Um mês depois, o número de casos confirmados nesse país explodiu de algumas dezenas para várias centenas e depois milhares, tendo atingido o seu pico a 29 de fevereiro, quando os profissionais de saúde identificaram 909 novos casos em apenas 24 horas.

Menos de uma semana depois, o número de novos casos reduziu para metade, cenário que se repetiu nos dias seguintes, até que atualmente os números se encontram relativamente baixos em comparação com o pico do surto no país. Esta terça-feira foram registados 140 novos casos, enquanto quase 600 pessoas recuperaram da doença nas últimas 24 horas. Até agora, a Coreia do Sul registou 9.037 casos de infeção, dos quais 3.507 já recuperaram. Houve 120 vítimas mortais no país onde habitam cerca de 50 milhões de pessoas.

A Coreia do Sul é, assim, um dos dois únicos países que até ao momento conseguiram achatar a curva de novas infeções. O outro é a China, que diz não ter vindo a registar novos casos de infeções locais, estando agora focada em combater as infeções importadas do estrangeiro.

No entanto, ao contrário da China, que isolou cidades inteiras e impôs quarentenas obrigatórias a cidadãos e turistas, e ao contrário de países que fecharam fronteiras, a Coreia do Sul conseguiu os atuais resultados sem ter de tomar tais medidas, o que permitiu à economia do país manter-se equilibrada. Já na China, a economia poderá este ano sofrer um retrocesso histórico.

O método utilizado pela Coreia do Sul tem passado pela rapidez na resposta ao surto, pela realização de testes de despiste à escala nacional, pelo rastreamento de contactos e pelas recomendações aos cidadãos, que as têm vindo a cumprir. Todas estas medidas foram iniciadas numa fase preliminar, quando o número de infeções no país se encontrava baixo.

O método sul-coreano: produção de testes em massa

Apenas uma semana depois de o primeiro paciente ter sido diagnosticado com Covid-19 na Coreia do Sul, em janeiro, o Governo reuniu-se com representantes de várias empresas da área da saúde e pediu-lhes que começassem imediatamente a desenvolver kits de testes adequados para a produção em massa.

No espaço de duas semanas, milhares desses kits começaram a ser distribuídos. Neste momento, o país está a produzir 100 mil kits por dia e o Governo diz estar em contacto com 17 outros países para que os testes possam começar a ser exportados.

A Coreia do Sul é, aliás, o país do mundo que mais testes já realizou para detetar a Covid-19: 300 mil. “Testar é fundamental porque permite uma deteção precoce, minimiza a propagação da doença e possibilita o tratamento mais rápido daquele que apanham o vírus”, argumentou o ministro sul-coreano dos Negócios Estrangeiros em declarações à BBC.

“Os testes são a chave para a nossa tão baixa taxa de mortalidade”, acrescentou.

Para que hospitais e clínicas não ficassem cheios, as autoridades de saúde abriram 600 centros de diagnóstico onde foram realizados testes ao maior número de pessoas possível, o mais rápido possível.

Foram ainda criadas 50 estações de drive-through, onde os cidadãos foram testados sem que precisassem sequer de sair dos seus carros, uma vez que apenas respondiam a um questionário, mediam a temperatura e forneciam uma amostra de saliva. O processo demorava cerca de dez minutos.

Determinar a origem do surto e rastrear contactos

Quando alguém testa positivo para a Covid-19 na Coreia da Sul, os profissionais reconstroem todos os movimentos recentes do paciente de modo a encontrarem, testarem e, se necessário, isolarem todas as pessoas com quem esteve em contacto.

As pessoas a quem é ordenada a quarentena têm de instalar uma aplicação no telemóvel que deve estar sempre ativada e que alerta as autoridades caso o paciente quebre o isolamento. Se tal acontecer, podem ser aplicadas multas de até 2.300 euros.

Na cidade sul-soreana de Daegu, onde habitam 2,5 milhões de pessoas, o contágio terá começado numa igreja local. Assim que tal foi confirmado, as autoridades impuseram medidas de emergência às pessoas que frequentavam esse círculo.

“A Coreia do Sul pôde lidar com a situação sem limitar a movimentação das pessoas de todo o país porque soubemos desde cedo qual foi a fonte da infeção”, explicou o pneumologista Ki Mo-ran ao New York Times. “Se só tivéssemos descoberto isso mais tarde, teria sido bem pior”.

Várias das medidas adoptadas pela Coreia do Sul foram desenvolvidas durante o surto de MERS (Síndrome Respiratória do Médio Oriente) que, em 2015, fez 38 mortos nesse país. Também nessa altura eram realizadas “investigações epidemiológicas” sobre cada doente.

Colaboração dos cidadãos

Desde o início do surto que o Governo sul-coreano tem procurado manter a população alerta e lançado apelos para que sejam cumpridas as recomendações de segurança. Estações de televisão, transportes públicos e aplicações de telemóvel são algumas das plataformas utilizadas para relembrar o uso de máscaras e a necessidade de manter a distância social.

“A confiança do público tem resultado num alto nível de consciência cívica e cooperação voluntária que fortalece os nossos esforços coletivos”, declarou o vice-ministro sul-coreano dos Negócios Estrangeiros em conferência de imprensa no início de março.

Por todo o país, a maioria das entradas em locais de utilização pública e elevadores está equipada com dispensadores de desinfetante para as mãos e o uso de máscaras é altamente recomendado. Numa sondagem realizada por uma universidade sul-coreana a mil pessoas, 63,6 por cento disse utilizar sempre máscara quando sai à rua.

As autoridades de saúde sul-coreanas avisam, porém, que o sucesso no combate ao surto pode ser temporário e que o risco de reaparecimento de um grande número de casos permanece.

Os outros países podem fazer o mesmo?

Dos oito países que ultrapassam a Coreia do Sul na lista com maior número de pessoas infetadas, cinco são mais ricos do que esse país asiático. Assim sendo, o dinheiro não deverá ser impedimento para a adopção de algumas das medidas que este utiliza, nomeadamente testes através de amostras de saliva ou aquisição de materiais de segurança, como máscaras ou luvas próprias.

Os especialistas acreditam que o impedimento dos outros países não passa pelos custos associados, mas sim pela falta de vontade política e pela falta de cooperação das populações.

O Reino Unido pode ser um bom exemplo desta teoria. O primeiro-ministro ministro Boris Johnson tem sido fortemente criticado pela demora na aplicação de medidas concretas, quando o país possui já 422 mortes e mais de oito mil casos confirmados. Ao mesmo tempo, grande parte da população britânica não tem cumprido com as recomendações de distanciamento social, pelo que na semana passada o Governo se viu forçado a fechar cafés, bares e restaurantes. Na semana passada, a Coreia do Sul decidiu começar a controlar de forma mais rigorosa a entrada de estrangeiros no país, devido ao aumento de casos verificado na Europa e nos Estados Unidos.

O presidente francês, Emmanuel, Macron, e o primeiro-ministro sueco, Stefan Lofven, terão já contactado o Governo da Coreia do Sul para pedir detalhes sobre as medidas adoptadas por esse país para combater a pandemia. De acordo com o New York Times, a garantia desses contactos foi dada pelo gabinete do Presidente sul-coreano, Moon Jae-in.

O líder da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, foi um dos que elogiou a Coreia do Sul, argumentando que o país provou que “apesar de difícil”, travar o vírus é algo que “pode ser feito”. Tedros apelou mesmo aos restantes países do mundo a que “apliquem as lições ensinadas pela Coreia do Sul”.

Agora, porém, poderá ser demasiado tarde para controlar a pandemia que já chegou a 196 países. A Europa é já o continente mais afetado, com mais de 200 mil casos confirmados. Em todo o mundo o novo coronavírus já infetou quase 400 mil pessoas, das quais cerca de 104 mil recuperaram e 17 mil morreram.

https://www.rtp.pt/noticias/covid-19/covid-19-como-a-coreia-do-sul-conseguiu-achatar-a-curva-de-casos_n1215072

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