Hugo Venâncio criou a Reatia, startup sediada em Leiria que usa sistemas de processamento de linguagem natural e de reconhecimento visual por computador para criar uma identificação única dos imóveis e com uma precisão de 97%. Plataforma é destinada a agentes imobiliários, mas tem efeito no consumidor final ao garantir que o imóvel tem o preço mais justo – dentro do possível – face à realidade do mercado
O lançamento da Reatia no mercado aconteceu no dia 1 de maio de 2019. Menos de dois anos depois – sendo que um destes anos ficou marcado pela pandemia, pelas restrições de circulação e por um forte impacto económico – e já tem mais de oito mil utilizadores, leia-se, agentes imobiliários a utilizar a plataforma. Entre os clientes já estão nomes grandes como a Remax e o Imovirtual. O que tem, afinal, esta solução tecnológica de tão especial para se tornar numa das ferramentas mais usadas por profissionais da venda de imóveis?
A lógica da Reatia é não pensar as casas com a típica abordagem de agregação em massa dos anúncios online nas quais são mostradas, mas conferindo identidades únicas às propriedades, uma espécie de ‘cartão de cidadão’ que torna mais fácil gerir o ciclo de vida e venda do imóvel. Por norma, uma casa está em vários sites de venda de imóveis ao mesmo tempo, o que dificulta a vida aos agentes e consultores imobiliários em conseguirem manter ‘registo’ de todas estas ofertas de mercado.
“O que fazemos? Convertemos os anúncios em propriedades. A nós não nos interessa haver anúncios, interessa-nos entregar propriedades. A Inteligência Artificial permitiu-nos desduplicar e tratar estes dados”, explica Hugo Venâncio, fundador e diretor executivo da startup leiriense, em entrevista à Exame Informática.
“Em média, um consultor imobiliário perdia duas horas a fazer pesquisas [de imóveis online]. Estava em casa ou na loja a trabalhar à procura em sites diferentes. Se falhasse um dia porque estava doente, o imóvel que lhe interessava já estava na página 40, porque os sites monetizam anúncios. O que aconteceu é que os tempos de pesquisa passaram de duas horas para dez minutos, com informação atualizada ao dia, com informação tratada, em que nós fazemos o trabalho de pesquisa e o tratamento [da informação] por eles”, acrescenta o empreendedor de 39 anos, natural de Leiria.
Esse é o grande gancho competitivo da Reatia: disponibiliza aos profissionais do setor imobiliário uma lista refinada dos imóveis que estão no mercado. Não há duplicações e com um grau de certeza de 97%. De onde vem este número? É a eficácia, segundo Hugo Venâncio, dos sistemas de Inteligência Artificial (IA) que a empresa usa na identificação dos imóveis. E na Reatia, estão listados quatro milhões de propriedades, com uma média de 30 mil novas entradas todos os meses.
Poder aos algoritmos
A Reatia tira partido de duas sub-categorias da Inteligência Artificial para entregar a mais completa e ‘limpa’ base de dados de imóveis quanto possível: processamento de linguagem natural (NLP na sigla em inglês) e reconhecimento visual por computador (computer vision em inglês). “Percorremos as descrições do imóvel, para saber as características e o estado, e o reconhecimento visual por computador permite comparar fotos que nos permitem saber se é a mesma casa ou não”. Se os dados estruturados pelos algoritmos concluírem que a casa é a mesa, adicionam o anúncio à ficha já existente. Se for nova, então cria-se uma nova identidade.
O CEO da Reatia garante que o processo é totalmente automatizado e não há “interferência humana, nem na fase de decisão”. Hugo Venâncio é o primeiro a reconhecer que fazer extração de dados de páginas online (scraping) é uma técnica que existe há décadas. A grande evolução, diz, é conseguir transformar tudo o que é ‘apanhado’ na rede – a empresa só recorre a informação pública que existe em sites de imobiliário – em informação que facilita o trabalho dos consultores.
Apesar de dizer que esse não é o objetivo da plataforma, Hugo Venâncio reconhece que a Reatia tornou-se numa ferramenta que estimula a concorrência entre os agentes imobiliários. “No momento em que tornamos a informação mais acessível, mais competitiva, mais eficaz, o consumidor vai ganhar. Um consumidor que procure uma casa específica, a imobiliária vai ter uma panóplia de escolha que dificilmente teria”.
Além de simplificar aquela que é uma das principais tarefas dos agentes imobiliários, o grande manancial de informação que a empresa disponibiliza permite que o Reatia seja, em simultâneo, um consultor para os consultores – aqui as decisões são baseadas em dados e não em suposições. “Nós até dizemos o tempo que vai demorar a vender a casa”, revela o CEO. Mais: a empresa consegue inclusive dizer que se o preço da casa baixar, por exemplo, 10 mil euros, qual o impacto que isso terá no tempo de venda – dependendo das zonas, pode passar de 30 dias a 3 dias apenas.
A Reatia tem um histórico das alterações de cada anúncio, o que permite aos profissionais que usam a plataforma saber quanto tempo a casa esteve no mercado, por que preço foi vendida e quem fez a venda. “Temos tudo o que se passa dentro do imóvel e isso vai permitir entregar informação analítica e simplificada”, garante.
Outra vantagem do grande volume de dados (big data) e do trabalho dos algoritmos? “Nós trabalhamos [com dados] do dia anterior ou do próprio dia”, assegura o leiriense, que trabalhou ele próprio no ramo do imobiliário durante dez anos.
A startup recebeu, em outubro de 2020, um investimento de um milhão de euros e está agora a iniciar o processo de expansão internacional – Madrid, em Espanha, é o primeiro destino. “Conseguimos provar que em Portugal há procura, o desafio agora é mostrar que o negócio é escalável”, conclui Hugo Venâncio.
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