Coronavírus transmitido por camelos é 10 vezes mais mortal que o SARS-CoV-2. Mas há quem esteja já a trabalhar para impedir que chegue (novamente) aos humanos
Visto como dez vezes mais mortal do que o SARS-CoV-2, um tipo de coronavírus identificado pela primeira vez em 2012, no Médio Oriente, e transmitido aos humanos através dos camelos, tem estado debaixo de olho de uma equipa de investigadores
A ligação dos camelos com o coronavírus é uma história antiga: sabe-se há vários anos que estes animais são portadores do vírus. Em 2014, um estudo apontava-os como os principais responsáveis pela transmissão a humanos da síndrome respiratória do Médio Oriente, (MERS, na sigla inglesa), uma infeção respiratória viral causada pelo coronavírus MERS (MERS-CoV).
Desde setembro de 2012, mês em que foi detetada na Arábia Saudita – a doença foi dentificada pela primeira vez na Jordânia, em abril desse ano – , até ao momento do estudo, em 2014, a doença já tinha matado quase 80 pessoas, mas o estudo mostrava que os dromedários da Arábia Saudita eram hospedeiros do vírus há mais de 20 anos.
Na altura, e apesar de a infeção ser transmissível entre humanos, o risco de o vírus se tornar um problema global não era alto, de acordo com os investigadores do estudo, publicado em fevereiro desse ano no jornal online mBio.
Já em junho de 2015, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 1200 pessoas já tinham sido infetadas em todo o mundo e a infeção teria provocado mais de 450 mortes. Apesar disso, as autoridades diziam que não havia motivo para alarme, referindo acreditar que a origem do coronavírus pudesse estar nos morcegos, apesar de ser transmitida por camelos. No ano seguinte, a OMS informou que tinham sido identificados em laboratório 1761 casos de MERS-CoV, sendo que o vírus tinha provocado, até à altura, 629 mortes.
Agora, investigadores do Quénia temem que o MERS-CoV, que provou, até agora, ser 10 vezes mais mortal do que o SARS-CoV-2, possa voltar a ser transmitido dos camelos para os humanos com mais facilidade.
Isto porque, como explica na série de reportagens Stopping the Next One da BBC Millicent Minayo, que há mais de dois anos recolhe amostras de sangue de pastores e camelos no norte do Quénia, com as mudanças climáticas, os pastores tiveram de adaptar o seu trabalho para sobreviverem: devido às secas frequentes, intensas e prolongadas, foram obrigados a abandonar as vacas e outros animais e a substituí-los por camelos, já que os últimos conseguem sobreviver várias semanas sem água. Esta situação faz com que o contacto entre os humanos e os camelos seja próximo, criando as condições perfeitas para a transmissão da síndrome respiratória do Médio Oriente.
De acordo com Minayo, investigadora na WSU Global Health- Kenya – uma missão de saúde pública criada pela Washington State University, com atuação no Quénia -, a sua equipa detetou, só em 2019, o vírus em 14 camelos nesse país, onde estes animais existem em abundância – são 3 milhões de camelos que ali habitam, quase 10% da sua existência total em todo o mundo, apenas atrás do Sudão e Somália. Só na província de Marsabit vivem mais de 200 mil camelos, de acordo com o governo queniano, mas, em relação à população humana, só 1% habita nessa região, com 80% a viver na pobreza, que tomou proporções ainda maiores com a pandemia de Covid-19.
A pecuária é responsável por 85% da economia de Marsabit e tanto os camelos como as vacas são vistos como investimentos mais seguros do que ovelhas e cabras, por exemplo, já que vivem mais anos. No caso particular dos camelos, estes animais têm-se tornado cada vez mais robustos e resistentes às secas, tornando-se muito mais vantajosos para esta população. Contudo, também transmitem mais facilmente vírus como o MERS-CoV.
Um estudo recente deu conta de que pessoas que lidam diariamente com camelos são particularmente suscetíveis ao MERS-CoV, sendo que algumas delas testaram positivo para anticorpos, o que significa que já estiveram expostas ao vírus.
O MERS-CoV provoca os mesmos tipos de problemas no sistema respiratório que o SARS-CoV-2, incluindo pneumonia, sendo que tem um período máximo de incubação de 14 dias. Normalmente, os sintomas começam com congestão nasal, tosse, dores no peito ou dificuldades em respirar. Em alguns casos, a doença pode, também, causar fibrose pulmonar.
Alguns doentes podem apresentar, ainda, complicações gastrointestinais, como diarreia, náuseas e vómitos sendo que, numa fase mais avançada, a infeção pode levar à falência dos rins e outros órgãos.
A investigadora diz que qualquer pessoa que estiver em contacto com estes animais fica suscetível de apanhar a infeção e o objetivo da equipa é, agora, fazer testes para impedir a sua disseminação e prevenir uma possível pandemia futura. Com todas as precauções, a equipa de Minayo já tem feito o trabalho de campo e retirado amostras de sangue e do exsudado do trato respiratório superior (nariz e garganta) da população de Marsabit – além das amostras de sangue que também têm sido recolhidas dos camelos – que são, depois, guardadas a -80 ° C e levadas para Nairobi, onde são analisadas.
Até agora, o MERS-CoV ainda não foi detetado na população da região, sendo que todas as amostras analisadas nos últimos dois anos testaram negativo. E a equipa espera que assim continue. Como diz Minayo: “Prevenir é melhor do que curar.”
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