Segundo a CVM, a empresa negociava contratos de investimento coletivo sem autorização
Umas das maiores empresas especializadas em negociação de bitcoins no Brasil foi intimada pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), autarquia responsável por regulamentar a oferta de títulos financeiros. O motivo é um processo por operação fraudulenta no mercado. A Atlas Quantum detém cerca de 15 mil bitcoins de mais de 200 mil investidores do mundo todo. Isso equivale a mais de R$ 4 bilhões na cotação atual da criptomoeda. Desde 2019, os clientes buscam, sem sucesso, sacar os investimentos.
Segundo a CVM, a empresa negociava contratos de investimento coletivo sem autorização. O CEO da Atlas, Rodrigo Marques, está desaparecido, e até agora não respondeu a qualquer solicitação da comissão ou dos advogados dos clientes lesados pela empresa.
Em 2017, uma investigação administrativa e preliminar da autarquia foi feita nas operações da Atlas Quantum no Brasil para avaliar se a empresa estava realizando Contratos de Investimento Coletivo (CIC), mas, à época, o processo não foi finalizado, pois os negócios envolvendo bitcoins ainda eram muito recentes no país e o parecer foi de que o tipo de operação que a Atlas realizava não se enquadrava dentro do que a CVM era responsável por avaliar.
No entanto, em 2019, houve o entendimento por parte da comissão julgadora de que a operação da empresa cumpria todos os requisitos para a caracterização das operações como contratos de investimento coletivo.
Na deliberação que deu o parecer contrário à Atlas Quantum, afirma-se que a empresa oferecia “oportunidade de investimento cuja remuneração estaria atrelada à compra e venda automatizada de criptoativos por meio de algoritmo de arbitragem, utilizando-se de apelo ao público para celebração de contratos que, da forma como vêm sendo ofertados, enquadram-se no conceito legal de valor mobiliário”.
Em virtude desse entendimento, a CVM decidiu, em 13 de agosto de 2019, proibir a empresa de continuar negociando por atuar sem autorização da autarquia e infringir a lei 6.385/76.
Clientes lesados
Após a decisão da CVM, a Atlas passou a impedir que seus clientes realizassem o saque de seus investimentos em bitcoins, criou a própria criptomoeda, chamada bitcoin quantum, com cotação centenas de vezes inferior à do bitcoin, e converteu os investimentos de seus clientes em sua nova moeda sem manter a valorização acumulada, causando a perda imediata dos rendimentos dos investidores.
O investidor e especialista em bitcoin Rocelo Lopes explica o significado desta desvalorização com a conversão das moedas. "A gente sabe que um bitcoin quantum não vale um bitcoin. Hoje tem um deságio de 99,9%, ou seja, trocando em miúdos, se um bitcoin está valendo R$ 300 mil, o bitcoin quantum está valendo R$ 300. É como se você entregasse uma Ferrari e alguns anos depois, dois anos depois, alguém falasse: ‘tá aqui o seu fusquinha de volta’", disse.
Entre os mais de 200 mil clientes afetados pelas decisões da empresa, há casos como o de um trabalhador da área da segurança que investiu na Atlas Quantum todos os R$ 300 mil que ganhou em uma ação trabalhista.
"Muita gente importante acreditava nessa empresa. Eu fiz uma pesquisa antes de investir muito dinheiro, então eu tinha quase certeza que eu estava fazendo a coisa certa", disse Lopes.
Outro caso é o de um mecânico que investiu R$ 46 mil na compra de sete bitcoins pela Atlas Quantum, que hoje valem R$ 1 milhão de acordo com a cotação atual da moeda.
Falta de regras claras
A valorização do bitcoin nos últimos cinco anos foi de mais de 18.000%, o que faz com que o valor total que os clientes da Atlas Quantum possuem bloqueados pela empresa seja superior a R$ 4 bilhões.
Apesar de já existir há mais de uma década, as moedas digitais ainda são uma novidade, o que dificulta a regulamentação do mercado e faz com que os órgãos de fiscalização e justiça debatam sobre de quem é a competência de avaliar os negócios.
“A gente sabe que o bitcoin valorizou demais, mas qual o preço que ele vai atingir? Quando a gente não tem uma previsão ou uma possibilidade de entendimento na formação de preço de um determinado ativo, a gente está num mercado um pouco mais complicado", disse Eduardo Dotta, professor de Direito do Insper.
A crise fez o CEO da Atlas, Rodrigo Marques, desaparecer e vários investidores passaram a oferecer recompensa para quem identificar o paradeiro dele.
Segundo Jorge Calazans, advogado que representa cerca de 50 vítimas da empresa, é difícil avançar no processo sem que o responsável pela empresa seja localizado.
"Não chega uma citação. E, a partir do momento que não tem citação, ele não responde a esse processo. Na área criminal, que é a área que eu atuo hoje, a grande dificuldade que ela tem que ser um obstáculo que tem que ser superado é a questão da competência, se isso é um crime de natureza. O caso Atlas vai correr na justiça federal ou estadual? Esse é o imbróglio que existe hoje", disse.
Outro lado
Em nota, a Atlas Quantum disse que, até o momento, 3.224 pessoas já realizaram seus saques com o saldo convertido em BTCQ em acordo automatizado pela plataforma e, além destas, recentemente um grupo de 17 pessoas recuperou o investimento na empresa por meio de uma nova proposta de pagamento.
Abaixo, a nota na íntegra:
“É verdade que a suspensão das atividades da Atlas Quantum, imposta pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), deixou a empresa em uma situação complicada, principalmente porque gerou uma inesperada onda de saques. Mas a Atlas Quantum está empenhada em se recuperar da crise e em arcar com todas as suas responsabilidades;
Vale lembrar que muitos clientes ganharam dinheiro com a Atlas Quantum: o BTCQ, criptomoeda para a qual o saldo dos investidores foi convertido, tem proporcionado ganhos reais, embora ainda seja um ativo de valor inferior ao do BTC;
Há uma maciça campanha de ódio contra a Atlas Quantum nas redes sociais. Um grupo de ex-clientes, insatisfeito com as consequências práticas dessa crise, adotou postura agressiva, inclusive com ameaças à integridade física de funcionários, ex-funcionários e ao CEO da empresa. Não é correto afirmarem que “o dono da Atlas Quantum desapareceu”. O que existe é uma preocupação real com a integridade de Rodrigo Marques;
Quanto à questão da definição de pirâmide financeira, esta não se aplica à Atlas Quantum, porque temos:
a) Inexistência de remuneração por indicação de clientes;
b) Inexistência de promessa fixa de rendimentos: a previsão contratual inclusive previa poder inexistir rendimento;
c) Inexistência de pagamentos por ordem de entrada de investidores (saques podiam ser realizados a qualquer tempo);
d) Inexistência de publicidade de promessa de enriquecimento;
e) Sistema de remuneração condicionado ao rendimento efetivo dos ativos, ou seja, não havia taxa de ingresso ou manutenção de saldo (a Atlas só ganhava sobre a renda).
Diante do exposto, a Atlas Quantum reitera: a crise será superada, e os compromissos, honrados. Mas as soluções demandam tempo, diálogo e renúncia ao extremismo.”, diz o comunicado.
Evandro Cini, Fernanda Antunes, José Brito e Vital Neto, da CNN, São Paulo em:
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