O economista e antigo ministro António Bagão Félix considera que o chumbo do Orçamento do Estado para 2002 (OE2022) "não é propriamente um dilúvio" e que o regime provisório de duodécimos "não tem só desvantagens".
Em entrevista à Antena 1 e ao Jornal de Negócios, o antigo ministro das Finanças e da Segurança Social afirmou que "a não aprovação de um Orçamento do Estado, em tese, não é propriamente um dilúvio".
"É tão legítimo democraticamente aprovar um orçamento como não o aprovar, uma gestão orçamental pública com base no orçamento do ano anterior", ou seja, 2022 com base em 2021, "não tem só desvantagens", referiu
"Quando nós falamos de duodécimos, nós só falamos dos gastos, da despesa, não falamos das receitas, dos impostos e das taxas, essas não funcionam por duodécimos", prosseguiu.
Tal "significa que o Governo nos próximos meses vai estar mais contido do lado da despesa", mas do lado da receita "poderá continuar a funcionar e é provável que, embora admitindo já que a não aprovação do orçamento pode retirar alguma percentagem de crescimento no PIB [Produto Interno Bruto] - tem essas consequências laterais, mas que também são importantes - o que é certo é que no atual contexto um regime provisório limitado de duodécimos é uma maneira de diminuir o défice", argumentou o economista.
Apesar dos duodécimos, Bagão Félix considerou que "os investimentos não vão ser muito prejudicados", até porque "pode haver adiantamentos ou outra forma de gerar despesa sem ser despesa ainda, portanto, gerar ativos se quiser", apontou.
Por exemplo, o aumento do capital de uma empresa pública, como a CP, "para ela reduzir o passivo".
Bagão Félix também considerou que o investimento decorrente do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) não será afetado.
"Nada disso é prejudicado e, nesse sentido, o primeiro-ministro até pode dizer que é uma das razões por que não se demite", considerou.
"O que é certo é que agora estamos perante um caso relativamente novo, porque provavelmente a partir dos próximos dias ou semanas deixa de haver o órgão fiscalizador", sendo que o fiscalizado que é o Governo fica sem o fiscalizador, que é o parlamento, "o que significa que as suas competências são limitadas porque matéria reservada, exclusiva ou predominantemente ao parlamento não pode ser agora posta em prática em matérias legislativas ou de discussões dos próprios diplomas" na Assembleia da República, sublinhou.
"Isso é sem dúvida verdade, mas António Costa não se demitiu, portanto, não é um Governo de gestão (...) não está sujeito a limitações próprias de um Governo de gestão", referiu.
"O que não deixa de ser hábil da parte do primeiro-ministro", destacou.
Questionado sobre se António Costa deveria ter apresentado demissão, Bagão Félix insistiu que do ponto de vista "da tática política" o primeiro-ministro "foi hábil".
Agora, se devia ou não ter feito, disse, "há argumentos a favor de não se ter demitido e haverá argumentos a favor de se ter demitido".
Do ponto de vista político, "acho que a demissão lhe cairia bem, do ponto de vista de alguns aspetos da gestão da coisa pública, de que o Governo é o principal responsável, também tenho de aceitar que há argumentos fortes para não se poder demitir", sublinhou o economista.
Admitiu que não haver orçamento e estar em regime de duodécimos poderá gerar "menor confiança" e de "menor atrevimento de investimento privado", mas "sobretudo" adiamento de decisões, incluindo de investimento estrangeiro.
Mas a gestão em duodécimos "só terá algum efeito mais nocivo se a crise se estender além daquilo que é desejável, essa é a questão mais melindrosa na posição de dissolução" da Assembleia da República, considerou.
Sobre o setor da saúde, o economista defendeu que será "dos que é menos prejudicado pelos duodécimos", já que o orçamento deste ano, pela natureza do combate à pandemia e do esforço que foi feito, "era mais robusto".
Quanto ao IVaucher, disse perceber a medida "do ponto de vista de relançamento económico" das atividades, mas "ao lado disso está uma regressão fiscal".
Em termos políticos, Bagão Félix salientou que os partidos à esquerda do PS, considerando que não tinham ganhado muito "com este casamento ou este namoro durante estes anos", avançaram com aquilo que o próprio denominou de IVG - "interrupção voluntária da geringonça" porque "acentuou-se crescentemente a ideia de uma negociação de retalho".
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