Ese ainda é cedo para se perceber se algumas das previsões se irão concretizar (como a maior dinâmica nas lojas de bairro ou a substituição parcial dos centros comerciais pelo comércio eletrónico), outras tendências já estão no terreno, demonstrando a capacidade de adaptação por parte dos promotores à nova realidade.
E a nova realidade assenta forçosamente em casas mais arejadas, com espaços exteriores e zonas específicas para o teletrabalho, pois como têm vindo a alertar os especialistas, este poderá passar a integrar os hábitos de trabalho até porque após esta pandemia poderão surgir outras .
O estudo “A cidade emergente”, um desafio lançado pela Escuela de Arquitectura Cesuga, de Corunha, em Espanha e que em Portugal foi acompanhado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP), demonstrou que 90% dos inquiridos num universo de 1.400 pessoas (dos quais 41% a habitar no Porto e 23% em Lisboa) gostaria que a cidade fosse mais verde, mais pedonal e funcionasse com lógicas de proximidade. E acima de tudo, que as suas habitações respeitassem “a orientação solar, o isolamento térmico e acústico, a organização interior, a existência de um espaço de trabalho autónomo da sala, grandes aberturas de relação com espaços exteriores privados (varandas, terraços, pátios, jardins), cuja existência é vincadamente desejada”.
Tornar estes desejos uma realidade não só para o segmento mais elevado, mas também para a classe média e média alta, é o objetivo de vários promotores entre os quais os franceses da Nexity, que regressaram recentemente a Portugal volvidos 12 anos após a sua saída.
“Não há dúvida de que esta pandemia veio acelerar várias tendências que já começavam a delinear-se e que agora se consolidaram como é o caso da forte aposta na construção de habitação com zonas exteriores generosas e da inclusão de espaços de escritórios e/ou polivalentes. São espaços que já tínhamos percebido que eram muito valorizados pelas famílias jovens e agora ainda mais”, realçou Fernando Vasco Costa, diretor-geral da Nexity, que vai investir 160 milhões de euros em projetos para a classe média/classe média alta e um outro para o mercado senior, que deverá ganhar impulso em Portugal no pós-pandemia.
No Dafundo, nos antigos terrenos da editora Motorpress, perto do Aquário Vasco da Gama, a empresa vai investir, numa primeira fase, 24 milhões de euros num empreendimento com uma área bruta de construção acima dos 6.000 m2 que vai acolher um total de 61 habitações (T0 a T4+1). Um T0, por exemplo, irá custar cerca de 155mil euros e um T2 cerca de 360 mil euros.
Já em Leça da Palmeira (na foto) e também com um investimento de 24 milhões de euros, serão construídos 108 apartamentos (T0+1 a T4 Duplex) e espaços comerciais. Aqui, um T2 rondará os 160 mil e os T3 cerca de 260 mil.
A promotora vai ainda investir 20 milhões num segundo projeto em Leça da Palmeira com mais 130 apartamentos, mas já numa segunda fase da aplicação do seu investimento.
Em comum, em todos os projetos, está o bom aproveitamento da envolvente, “com terraços e varandas com vistas fantásticas”, salienta ainda Fernando Vasco Costa.
Trabalhar dentro mas fora de casa
Para os empreendimentos de luxo,a opção vai ainda mais além, criando não só espaços perfeitos para o teletrabalho no interior das habitações, mas áreas específicas para quem prefere trabalhar fora de casa mas dentro do condomínio.
Nesse sentido, zonas que estavam previamente destinadas a salões de eventos ou para outros fins, estão a ser reconvertidas em centros de cowork exclusivos para os residentes do condomínio.
No Prata Riverside Village, projeto com a assinatura do Pritzker italiano Renzo Piano e um dos maiores em curso na cidade de Lisboa, o promotor – os austríacos da Vic Properties – resolveu alocar um espaço, que estava destinado a uma loja, para uma área de trabalho (ou estudo para os mais jovens) para os residentes.
“O Prata Service Lounge é um espaço onde os moradores poderão trabalhar e fazer reuniões presenciais evitando assim abrir as portas da sua casa. Acreditamos que o paradigma da habitação vai mudar e estes e outros pormenores vão pesar na decisão de compra”, realçou Luís Gamboa, COO (Chief Operating Officer) da Vic Properties, referindo que os portugueses representam já cerca de 70% dos cerca de uma centena de apartamentos já vendidos com valores entre os 285 mil e os dois milhões de euros.
Em outro projeto da Vic Properties, a Herdade do Pinheirinho, um projeto de 500 milhões em Melides (Grândola), onde se prevê a construção de um hotel, 450 moradias e 250 apartamentos e onde já está a funcionar o campo de Golfe, o momento é de reajuste.
“Com uma frequência maior destas pandemias, acreditamos que muitos portugueses e não só vão querer comprar uma segunda habitação para onde podem ‘escapar’ quando se virem confrontados com a necessidade de confinamento. Por essa razão estamos a repensar o projeto da Herdade do Pinheirinho. Pelas características da região e tendo em conta o tempo em que vivemos achamos que a arquitetura tem de ser mais orgânica e integrada com o próprio arranjo paisagístico”, sublinhou à Visão Imobiliário Luís Gamboa, adiantando que o empreendimento, cuja primeira fase vai estar concluída em 2022, também terá um espaço próprio onde os residentes poderão trabalhar longe do bulício doméstico.
Nos projetos de outro promotor, a Vanguard Properties, que também já refletiam de forma marcada esta ligação interior-exterior, reforçou-se agora, no pós-confinamento a questão do teletrabalho.
Três deles irão incluir estas zonas de cowork em regime residencial: a Herdade da Comporta, o Infinity (em Sete Rios) e o Foz do Tejo (em Oeiras, junto à marginal).
Neste último que em breve vai começar a ser construído num lote de terreno encaixado entre o Parque Desportivo do Jamor e a marginal, a aposta vai mesmo mais além: o condomínio com cerca de 400 casas vai incluir um edifício com mais de uma centena de pequenos escritórios para os residentes que querem trabalhar fora mas não muito longe da sua habitação. Os escritórios terão áreas entre os 9 e os 18 m2 e acesso a zonas comuns como a cafetaria ou salas de reuniões e vão ser vendidos em paralelo com as habitações.
José Cardoso Botelho, diretor-executivo da Vanguard, explica: “O teletrabalho é uma tendência que segundo os especialistas veio para ficar mas trabalhar em ambiente familiar traz também alguns desafios. Pensámos por isso que seria uma boa ideia reorientar os nossos projetos (naqueles onde ainda é possível) e criar áreas dentro dos edifícios ou dos empreendimentos onde se possa trabalhar sem estar em casa e com acesso a todas as funcionalidades que permitam a quem utiliza o espaço assegurar os níveis de produtividade”.
Na Infinity, cuja construção já arrancou e leva mais de 100 unidades vendidas, a área de 220 m2 que estava anteriormente destinada a sala de eventos ou festas, vai ser reconvertida num centro de cowork de livre acesso para todos os moradores do edifício.
Refúgio pós-Covid para seniores
Não é de hoje que Portugal tem conseguido atrair seniores estrangeiros através do programa de Residentes Não Habituais (RNH) que lhes confere isenção fiscal nas suas pensões. Mas se é verdade que o RNH estimulou o mercado residencial um pouco por todo o país, também é um facto que o segmento das residências senior para estes clientes nunca chegou efetivamente a descolar.
Mas o número baixo de óbitos associado à Covid-19 em Portugal e a boa rede hospitar poderá mudar esse panorama. A Nexity é um dos promotores que tem em carteira um projeto para a construção de uma residência senior no Algarve. “Serão cerca de 160 apartamentos para seniores autónomos, um empreendimento já com alguma escala tal como os outros que temos para o mercado habitacional e que comprovam que a empresa está em Portugal numa lógica de longo prazo”, realçou o responsável da Nexity.
A Forbes, recorde-se, destacou o Algarve como o melhor destino do mundo para se viver a reforma no pós-pandemia, juntamente com Mazatlan, no México, e de Cayo, em Belize.
Alojamento local para estudantes universitários
Outra tendência trazida pela Covid-19 é o acréscimo de oferta em apartamentos para arrendamento até 12 meses, o mercado mid-term, de curta longa duração. Estudantes universitários, profissionais liberais, pessoas em tratamentos médicos ou em outras situações já estão a beneficiar de um aumento de casas que estavam no mercado de short-rental e que agora, sem turistas, passa por momentos difíceis.
Para a esmagadora maioria dos proprietários de unidades de alojamento local (AL) arrendar por longo curso não é uma opção. A legislação vigente, muito blindada na salvaguarda dos direitos dos inquilinos, mesmo em caso de incumprimento e também a esperança de dias melhores, a partir do próximo ano, já com a pandemia eventualmente controlada, mantém-lhes o foco em deixar ativa a licença de exploração turística (que perderiam se entrassem no mercado de longo curso). Para aqueles que não conseguem esperar, a opção está a ser a colocação no mercado de venda.
“O turismo e o sector precisam do alojamento local que tem sido fundamental nos prémios que o país tem recebido. E estas pessoas têm um know-how e uma dedicação de vários anos e por isso queremos ajudar os nossos associados a manterem-se no turismo. Mas, claro, o alojamento local tem 93 mil unidades (em todo o país), pelo que qualquer parcela, mesmo que pequena, que transite para o arrendamento, será significativa”, sublinha Eduardo Miranda, presidente da Associação de Alojamento Local em Portugal (ALEP). E exemplifica: “Em Lisboa, se transitaram 5 ou 10% da totalidade de unidades que existem na cidade, serão cerca de 1000 a 2000 imóveis”.
Mas o foco para manter a resiliência vai mesmo para o arrendamento “mid-term”, ou seja, arrendamentos até 12 meses. Acima dos 12 meses, o contrato renova-se automaticamente para um período de três anos.
“O mercado doméstico, por exemplo, não era muito trabalhado, mas agora, com o turismo fora de Portugal também a baixar, faz sentido ir buscar este segmento que será o primeiro a ser reativado. Para isso será necessário mudar a estratégia de marketing, de divulgação. Por exemplo, nunca foi um hábito passar férias em Lisboa mas se calhar isso vai mudar”, especifica Eduardo Miranda, sublinhando que vai haver “muitas mudanças de comportamento o que significa que serão criadas também oportunidades”.
O segmento da saúde, passando pelo turismo empresarial e o dos estudantes universitários (cujo regresso se espera para setembro), são algumas das opções em cima da mesa para resistir à crise até que o sector se recomponha.
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