Avançar para o conteúdo principal

Sócrates terá razões para brindar?

O sorteio da Operação Marquês só à terceira ou quarta vez deu certo - e quando surgiu o nome de Ivo Rosa.

Das outras vezes deu ‘erro’ - como se Carlos Alexandre e ‘erro’ fossem sinónimos, e o computador só aceitasse o resultado quando aparecesse no ecrã o nome de Ivo Rosa.

Isto não implica qualquer suspeita - mas apenas a constatação de que até os computadores pareciam estar a favor de Sócrates neste caso…

Ao contrário de outros analistas, acho bem que o processo tenha ido parar às mãos de um juiz que não Carlos Alexandre.

Se fosse este a proceder à instrução, logo diriam que o jogo estava à partida viciado.

Que ele já tinha uma convicção formada - e, por isso, não poderia reavaliar o processo com imparcialidade e um olhar limpo.

O facto de ser um novo juiz de instrução a fazer esse trabalho torna tudo mais credível.

Se Ivo Rosa decidir levar a Sócrates a julgamento, acabar-se-ão todas as dúvidas - e haverá uma fortíssima probabilidade de condenação em tribunal, pois esta nova fase do processo vai constituir uma espécie de pré-julgamento.

Mas o que acontecerá se Ivo Rosa decidir em sentido contrário, isto é, achar que não há provas consistentes para levar o ex-primeiro-ministro à barra do tribunal?

Será um berbicacho.

A verdade, porém, é que a tendência natural do juiz tem sido, exatamente, contrariar as investigações do Ministério Publico.

Ivo Rosa parece ser um cético sistemático: questiona todas as provas, carrega-as de dúvidas, põe-se no papel de advogado do diabo… ou até do acusado.

Dirão alguns que é assim mesmo que um juiz deve ser.

Eu tenho uma opinião diferente.

Um juiz não pode ser um burocrata que se limite a validar ou invalidar provas - e no fim dizer que dois mais dois são quatro.

A investigação apura dados, mas depois é preciso ligá-los, relacioná-los, conjugá-los, de modo a que o todo faça sentido.

É um pouco o que acontece com o historiador quando estuda um assunto.

Não lhe basta acumular factos e mais factos - é preciso depois ter a capacidade de os ligar de forma coerente e compreensível, no sentido de apurar o que ‘verdadeiramente aconteceu’.

Dizia Einstein que saber é fácil, qualquer um pode ‘saber’; o difícil é ‘compreender’.

Ora, será o juiz Ivo Rosa capaz de ‘compreender’ cabalmente o processo Marquês?

Sabemos, por exemplo, que há uma conta em nome de Carlos Santos Silva da qual só Sócrates se servia.

E essa conta era abastecida em parte por pessoas que não tinham relações com Santos Silva, mas podiam ter que ver com Sócrates.

Perante isto, o juiz tanto pode concluir que Sócrates era, de facto, o proprietário do dinheiro - como pode ficar agarrado ao formalismo, dizendo que se a conta estava em nome de Santos Silva o dinheiro era seu.

E este podia fazer dele que o quisesse, inclusive emprestá-lo (ou mesmo dá-lo) a José Sócrates.

É uma interpretação possível.

Tanto quanto sabemos, enquanto Carlos Alexandre era um juiz que se preocupava sobretudo com a substância, Ivo Rosa é o contrario - preocupa-se mais com a forma.

Pode libertar um arguido que ele sabe ser culpado, baseado em razões formais.

Por isso, a sua indigitação para este caso beneficia objetivamente José Sócrates.

Tudo o que seja um juiz que fique agarrado às aparências, aos formalismos, ao legalismo estrito, funcionando como um burocrata que acumula factos mas se recusa a ver para além deles, beneficiará Sócrates.

Acontece que, depois de tudo o que se passou, não levar Sócrates a julgamento levantaria suspeitas tremendas.

Depois do afastamento de Joana Marques Vidal, que resultou de uma decisão política do Governo socialista, depois da ‘substituição’ de Carlos Alexandre por Ivo Rosa, uma absolvição de Sócrates seria uma bomba: teria todo o ar de moscambilha preparada e executada pelo PS para se livrar de um problema bicudo.

Uma absolvição de Sócrates sem o levar a julgamento teria um impacto ainda maior do que a decisão de Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento de destruírem as escutas do processo Face Oculta envolvendo o mesmo Sócrates.

Ora isto torna muito delicada a posição do novo juiz.

Quererá ele ficar para a História como o homem que branqueou Sócrates e o libertou pela porta dos fundos, quando as evidências de que recebeu dinheiro de forma ilícita são esmagadoras?

Julgo que os brindes de Sócrates e dos amigos quando se soube o resultado do sorteio foram claramente precipitados.

E só condicionaram ainda mais o juiz, que já era suspeito de o poder beneficiar...

https://sol.sapo.pt/artigo/628826/socrates-tera-razoes-para-brindar-

Comentários

Notícias mais vistas:

Diarreia legislativa

© DR  As mais de 150 alterações ao Código do Trabalho, no âmbito da Agenda para o Trabalho Digno, foram aprovadas esta sexta-feira pelo Parlamento, em votação final. O texto global apenas contou com os votos favoráveis da maioria absoluta socialista. PCP, BE e IL votaram contra, PSD, Chega, Livre e PAN abstiveram-se. Esta diarréia legislativa não só "passaram ao lado da concertação Social", como também "terão um profundo impacto negativo na competitividade das empresas nacionais, caso venham a ser implementadas Patrões vão falar com Marcelo para travar Agenda para o Trabalho Digno (dinheirovivo.pt)

OE2026: 10 medidas com impacto (in)direto na carteira dos portugueses

  O Governo entregou e apresentou a proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano, mas com poucas surpresas. As mudanças nos escalões de IRS já tinham sido anunciadas, bem como o aumento nas pensões. Ainda assim, há novidades nos impostos, alargamento de isenções, fim de contribuições extraordinárias e mais despesa com Defesa, 2026 vai ser “um ano orçamental exigente” e a margem disponível para deslizes está “próxima de zero”. A afirmação em jeito de aviso pertence ao ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, e foi proferida na  apresentação da proposta de Orçamento do Estado  para o próximo ano. O excedente é de cerca de 230 milhões de euros, pelo que se o país não quer voltar a entrar num défice, a margem para mais medidas é "próxima de zero". "Os números são o que são, se não tivéssemos os empréstimos do PRR não estaríamos a fazer alguns projetos", apontou, acrescentando que não vai discutir o mérito da decisão tomada relativamente à 'bazuca europ...

Governo altera regras de ISV para híbridos plug-in

  Híbridos plug-in vão continuar a pagar menos ISV, mas o Governo alterou as regras para evitar agravamento fiscal. Saiba o que está em causa. Atualmente, os  híbridos  plug-in  (que ligam à tomada) têm uma redução de 75% no ISV (Imposto Sobre Veículos), caso tenham uma autonomia mínima elétrica de 50 km e emissões de dióxido de carbono oficiais inferiores a 50 g/km. A partir de 2026, o Governo mantém a redução de 75% do ISV, mas vai aumentar o limite de 50 g/km de CO 2  para 80 g/km, de acordo com o que foi divulgado pela ACAP (Associação Automóvel de Portugal) ao  Expresso . © Volvo A razão para elevar o limite mínimo de emissões deve-se à entrada em vigor, a partir de janeiro de 2026, da norma Euro 6e-bis. Entre várias alterações, a norma vai alterar também a forma como são certificados os consumos e emissões dos híbridos  plug-in , refletindo melhor o uso real destes veículos. Resultado? A maioria dos valores de CO 2  homologados vão subir. Ca...