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"O nosso sistema fiscal penaliza o sucesso, é muito caro e complexo"



"O nosso sistema fiscal tem três pecados capitais: penaliza o sucesso, é muito caro e complexo"


Pedro Ginjeira do Nascimento é secretário-geral da Associação Business Roundtable Portugal (ABRP) há pouco mais de um ano. Esteve na Vodafone em Londres e Lisboa, tendo antes disso e ao longo de sete anos trabalhado para três governos, no Ministério das Finanças e no gabinete do primeiro-ministro, tendo exercido funções durante a crise financeira e o período de assistência externa a Portugal. Foi empreendedor e trabalhou em empresas de internet e startups. Iniciou a carreira em consultoria estratégica e licenciou-se em Economia pela Universidade Nova de Lisboa.


O pacote de medidas apresentado na semana passada pelo ministro da Economia para as empresas vai ao encontro do que a Associação BRP desejava?

Não. Não vai ao encontro da nossa expectativa, sobretudo porque não resolve os problemas do país, muito menos das empresas. É um pacote muito focado num problema de curto prazo, o financiamento e as questões pontuais, quando o que temos são questões de rentabilidade ligadas aos custos da energia, das matérias-primas e do acesso a talento. Vemos nesta crise muito mais aspetos de natureza estrutural do que transitória, por isso ficámos desiludidos. Por outro lado, continua-se a discriminar a criação de riqueza no país, que devia ser foco, prolongando-se um modelo muito assistencialista, de apoio ao pequeno, em vez de puxar o crescimento e a criação de riqueza.


E muitos outros, são 42 nomes de setores muito diversos e há muitas outras grandes empresas de que não ouvimos tanto falar mas que são extraordinárias, líderes nas suas áreas, com muita exposição internacional, habituadas à concorrência e a criar riqueza. Temos três dos quatro unicórnios que existiam aquando da constituição da ABRP - o Paulo Rosado, da Outsystems, é um dos membros da direção e tem estado muito empenhado em garantir a exigência e o rigor, mas também temos Talkdesk e Feedzai. Temos a Sugal, que é um grande líder internacional na sua área, a BA Glass, maior produtor europeu de vidro e tantos outros exemplos.

Mas falava naqueles pela questão dos lucros inesperados. Como vê a possibilidade de os taxar?

Nós temos um sistema fiscal com três pecados capitais. O primeiro, o mais grave, é a penalização do sucesso, quer ao nível das empresas quer das pessoas. O segundo é ser muito caro e o terceiro ser muito complexo. Os três em conjunto criam uma situação perigosa que destrói a competitividade do país. Sempre que alguém se esforça, é promovido e ganha mais, paga muito mais impostos. Cada empresa que vai à luta, compete, cresce e ganha mais, paga muito mais. No IRC começamos até com uma taxa competitiva, 17% compara bem, quando se fala de uma taxa global mínima de 15%, mas rapidamente aqui se chega à taxa mais elevada e a nossa taxa marginal é a pior da OCDE.

Além das derramas.

Já com derramas estaduais e municipais, que eram taxas extraordinárias e já têm anos... E no caso da energia há ainda mais, como a CESE. Portanto já temos um conjunto de contribuições extra que penalizam o sucesso. Ainda por cima em setores regulados. Se há lucros inesperados num setor regulado, algo estranho aconteceu à regulação.

Mas admite que há lucros inesperados?

Depende das empresas e de onde o lucro está a ficar. Um exemplo. Há pouco tempo, um dos nossos associados explicava que por causa dos constrangimentos logísticos na China, os portos nos EUA para onde exporta uma parte significativa da sua produção estavam muito congestionados. Por causa desse congestionamento, ele, que costumava produzir 50 milhões de unidades do seu produto para estar no ciclo entre a produção e o consumo nos EUA, tinha aumentado para 200 milhões. Isso causa imensos custos mas também aumento significativo de stock. Num momento de inflação, se fiz stock a um preço que foi o de aquisição e no de venda o preço subiu, quem é que está a lucrar? O produtor, que vendeu há seis meses a preço muito inferior? A cadeia de distribuição? Alguém no final? Isso nem sempre é evidente e às vezes quando vamos às lojas ou a uma bomba e vemos o preço final podemos achar que o lucro está ali e não estar.

Mas no caso dos fornecedores de serviços a equação é mais fácil.

Imagino que sim, mas também terão porventura aumentos de custos quer de energia quer de pessoal. O mercado do trabalho está muito aquecido e em algumas profissões tem havido aumentos significativos, em áreas mais ou menos técnicas. É transversal, não só aqui.

Mas as empresas não deviam repartir essas receitas por motivação social, para que haja mais distribuição e equidade social?

0,5% das empresas portuguesas pagam 45% do IRC no país. Os dados da AT mostram que se reduziu o número de empresas que pagam impostos: temos 1,3 milhões de empresas e só 300 mil pagam. E parece que não olhamos para esse milhão que não paga e que os maus são os que pagam impostos - quando devíamos acarinhá-los, preocupar-nos para que ganhassem mais dinheiro e contribuíssem ainda mais. Ora se temos uma estrutura da fiscalidade que já por natureza penaliza o sucesso e vai buscar uma maior fatia a quem está a ter sucesso e a ganhar mais dinheiro, diria que isso já está a acontecer. Não é novo nem será necessário, ao contrário talvez de outros países - e daí a Europa estar a considerá-lo. Nós temos já uma estrutura que penaliza o sucesso cobrando muito mais impostos.

Esteve envolvido nos gabinetes políticos em pela crise de 2011. O momento que estamos a viver é pior do que o tempo da troika?

É muito diferente. Pior não diria. Nessa altura vivemos um problema de foco muito grande num conjunto muito pequenos de países, tínhamos atenção e um nível de desconfiança muito significativo num conjunto de países pequenos e sobre o sistema da UE, o euro em concreto. Os portugueses viveram momentos que, por esse excesso de atenção, de comportamentos de investidores e entidades externas, tornaram as coisas mais difíceis. O atual é um momento mais complexo, é um momento de viragem, com vários fatores globais interligados. Temos uma transição energética que cria desequilíbrios muito fortes entre oferta e procura de determinados tipos de energia; alterações geopolíticas significativas a ocorrer e cujo resultado final ainda não conhecemos... O jogo está a acontecer ao momento. O que vai implicar? Temos alguns elementos do que vivemos na Guerra Fria, mas esta será diferente, porque na altura nós vivíamos em dois principais blocos económicos mas não tão interligados económica e socialmente. Três décadas de globalização depois, temos as cadeias de valor completamente interligadas. Quando cessa a confiança política entre blocos, as nossas fábricas ainda dependem do que vem de outras; como é que isso se desliga? Isso cria pressões muito grandes nas cadeias logísticas e na disponibilidade de produtos que resultam em aumentos de preços, escassez de bens, mas também em oportunidades de negócios. Algumas fábricas que foram para fora poderão voltar para a Europa e os EUA - mas se voltarem não vai ser mais barato ou competitivo, o que retoma o tema estrutural e que pode gerar mais inflação.

Estamos a viver um ciclo de reajustamento...

Vemos quatro temas estruturais neste ciclo de reajustamento, a começar pela questão dos juros. Esquecemos todos que a última década é que foi anormal, de baixos juros, com muito quantitative easing na Europa e nos EUA, também beneficiando de taxas de inflação muito baixas. Agora que esta acelerou, o normal será que as taxas de juro reais voltem a subir. Por outro lado, o referencial de inflação de médio prazo continua a ser 2%, não 0, portanto será normal que as taxas de juro subam aos 3%/4%. Não parece ser o que o conjunto da sociedade está a pensar, portanto vamos ter uma fase de readaptação. O segundo nível de alteração mais estrutural tem que ver com os preços da energia. A descarbonização e a sua velocidade vão levar a mais aumentos - já os geravam antes da crise ucraniana; em 2021 havia aumentos muito significativos de preços, mas claro que sofreram muito mais depois da invasão da Ucrânia pela Rússia. Mas não se deve esperar que no fim do conflito os problemas desapareçam. Qualquer que venha a ser a solução, vamos continuar a ver o mesmo desequilíbrio entre produção de energia de base carbónica e o que ainda precisamos. Apesar de haver grande consenso à escala global sobre a necessidade até de acelerar a transição energética, a verdade é que ela demora e até lá é preciso manter uma adequada produção. Os preços não vão continuar a subir, mas não vão recuar ao que eram pelo menos por uns 5 anos.

E quais são os outros temas?

Temos as cadeias de valor, que têm de ser readaptadas, como já disse, e relocalizar fábricas demora tempo, é um tema de uma década, mais do que de dois ou três anos. E finalmente, por todo o lado mas ainda mais aqui, há o tema do talento. Ainda há dias referi, na conferência do GMG, o inferno demográfico que vivemos - já não é só o inverno da situação portuguesa de severa redução da natalidade e aumento do peso dos não ativos na sociedade. O que temos visto na última década tem saído uma saída muito significativa dos poucos jovens que temos e isso vai agravar a nossa falta de talento. Se não invertermos essa tendência, vamos ter muito mais dificuldade em manter empresas viáveis, porque têm menos trabalhadores e consumidores, em manter contas públicas equilibradas, porque temos menos gente a pagar impostos e mais gente a precisar de apoios, vamos ter a segurança social mais difícil. São os quatro elementos centrais que caracterizam o momento extraordinário que estamos a viver e não se coadunam com uma resposta como a que se apresentou, apenas com apoios à tesouraria. Não há mal em que haja empréstimos de médio/longo prazo, mas deviam ser para apoiar estas questões estratégicas.

O CFP revelou nesta semana que está a haver um efeito muito positivo da inflação na receita do Estado. Isto devia reverter para a economia ou baixar o défice?

A sustentabilidade das contas públicas é muito bem vinda, temos de ter capacidade de sermos independentes para tomar as nossas decisões sem esperar por terceiros para saber o que podemos fazer - veja como a Alemanha reagiu à Covid sem ter de esperar por ninguém para apoiar as suas pessoas e empresas, enquanto nós ficámos à espera da bazuca para desenhar o pacote de ajuda à economia. Isso só foi possível porque a Alemanha tinha folga nas contas do Estado para poder acomodar a reação. Portanto, é muito importante. Também o é para ajudar a reduzir a perceção de risco do país e o custo de financiamento das empresas, do Estado - e nesse sentido foi o resultado reconhecido pelas agências de rating que vieram melhorar a notação de risco portuguesa. Dito isto, os principais ativos do país são as pessoas e as empresas. As pessoas que estão a ir embora e as empresas que precisamos que cresçam, para que possam criar mais riqueza e empregar as pessoas com melhores salários. Isto é fundamental: em Portugal, não só no sistema fiscal nós penalizamos o sucesso como parece que existe um enviesamento quase ideológico contra a criação de riqueza. Nas pessoas e nas empresas. E face às grandes empresas há uma grande desconfiança. Este conjunto das que constituem a ABRP é um bom exemplo: 42 empresas empregam 376 mil funcionários no mundo, dos quais 207 mil em Portugal. Estes ganham duas vezes o salário médio do setor privado português: não é mais 20%, é duas vezes, pagam mais impostos, pagam melhor aos empregados, têm carreiras mais interessantes. Nós precisamos é de mais empresas grandes no país e esse devia ser o foco do Estado, da sociedade. Na constituição da Associação, discutimos muito as prioridades e as áreas a que nos dedicaríamos para apresentar soluções e definimos três eixos: as pessoas, porque sem elas não há país, não há empresas; as empresas, não as nossas mas as outras, as médias que queremos que sejam grandes e globais; e o Estado, que tem um papel fundamental a garantir igualdade de oportunidades para pessoas e empresas mas tem de descomplicar, permitir que as coisas aconteçam.

E em que é que a ABRP ajuda?

Associação não existe só para pedir coisas ao governo, existe também para fazer coisas acontecer, não podia ser de outra forma, porque acreditamos antes de mais na iniciativa privada. O que procuramos sempre é conhecer o problema, caracterizá-lo, falar com quem entende do tema quem já o estudou - andamos há décadas a discutir diagnósticos. Depois, partimos para a solução, que é o que tem faltado, com duas perspetivas, sendo a primeira o que podemos fazer que ainda não esteja a ser feito. Nós aqui temos dois exemplos, o Projeto Promove, em parceria com o IEFP, que tem corrido muito bem e está endereçado à requalificação dos portugueses ativos ou desempregados, com baixas qualificações e que estão em áreas que possam vir a deixar de existir por via da descarbonização e da transformação digital. Esquecemos que a transição energética acaba com uma série de empregos, as centrais a carvão, as refinarias, mas também as oficinas de bairro. Essas pessoas precisam de treino para terem outras oportunidades e nós temos já sete laboratórios em áreas tão diferentes quanto a agricultura e o business intelligence, saúde, green Jobs, indústria, logística... os primeiros alunos terminaram a formação em sala e em ambiente de trabalho e estão a sair para estágios profissionais remunerados. E estamos já a alargar a escala - aliás o laboratório de agricultura vai arrancar em Évora agora em outubro e um conjunto de outros vão arrancar até fim do ano. No eixo das empresas, apresentámos esta semana o programa Metamorfose, de personalização da governance, porque olhámos para o problema e falámos com muitos especialistas para entender porque não tínhamos mais grandes empresas e um dos temas mais consensuais era a falta de profissionalização da governance, muita mistura entre vida familiar e empresarial, que depois de determinada escala deixa de funcionar. Impede acesso a certos tipos de capital, de clientes, que dificulta a internacionalização e que nos processos sucessórios nem sempre funciona bem porque os filhos às vezes têm outros interesses. É um programa totalmente feito por nós em três áreas: dar a conhecer para as empresas conhecerem os passos que tem de dar de forma concreta e pragmática, medir para perceberem onde estão e o efeito de cada ação e como se compara com os pares e permitir avaliar classificação ambiental, de qualidade, de um conjunto de parâmetros; e por fim uma parte que é o desafiar, onde se criou uma bolsa de quadros das nossas empresas porque essa é uma das dificuldades da profissionalização do governance, a dificuldade de acesso a membros executivos de qualidade independentes que os ajudem a desafiar-se. Porque o governance não tem só que ver com a redução de risco e melhorar a separação entre família e empresa, mas com a família estar mais preparada para identificar oportunidades, como se compara com outros, com levar o dono que muitas vezes é o empreendedor que teve uma ideia fantástica e conhece toda a empresa a ter visão. Conheço um que levou a empresa dos 0 aos 35 milhões e aos 60 anos quis vender a empresa e chegou a acordo; o comprador nomeou um novo diretor-geral e no seu primeiro dia de trabalho com o antigo dono este explicou-lhe tudo e deu-lhe as chaves da fábrica, porque era o primeiro a entrar e o último a sair. Não é possível com este envolvimento no dia-a-dia, preso na operação e na pressão de tudo o que acontece, o empreendedor ter tempo para crescer e imaginar o negócio. O governance também ajuda aí.

O governance quer acabar com o patrão?

Quer uma gestão profissional, uma governance profissional que permita separar a pessoa, a família, da empresa e profissionalizar e criar um modelo sustentável e não dependente de uma pessoa ou um conjunto muito pequeno.

As associações procuram influenciar políticas públicas. A BRP já tem uma agenda para influenciar a construção do Orçamento do Estado 2023?

Isso é o segundo eixo das respostas, depois do que podemos nós fazer para resolver os problemas. Olhando esse segundo lado, o que vai além da ação da iniciativa privada, temos essa vertente que é: se pudéssemos alterar o quadro legal e regulatório, o que tentaríamos influenciar? Que tem uma importante diferença para outras entidades: quando procuramos influenciar o poder político - governo, AR, reguladores ou outros - não o fazemos no interesse egoísta dos nossos associados mas no que julgamos ser o interesse do país.

Não é lóbi, é influenciar para a mudança que traz crescimento.

Portugal tem um problema com a palavra, eu não posso dizer que não seja lóbi, mas não é egoísta, é positivo porque o propósito é o desenvolvimento do país. E nesse sentido temos tido contacto com os agentes do Estado que têm poder de tomar decisões. Identificámos quatro áreas de trabalho do lado do Estado, a começar pela justiça, em que Portugal fica mal em todos os rankings internacionais. E tem de haver foco na justiça administrativa que é um pilar muito importante da democracia, porque é aquele que resolve os diferendos entre Estado e particulares - pessoas ou empresas. E é nesse que a justiça é mais lenta: 846 dias.

E além da justiça?

Temos o tema da burocracia e do licenciamento, onde temos estado a trabalhar muito bem com a comissão criada pelo primeiro-ministro, liderada pelo Prof.. João Tiago Silveira. Há um primeiro projeto de simplificação de licenciamento, neste caso ambiental. Temos tentado transmitir ao governo que mais importante do que fazer as leis é executá-las, passá-las para o terreno. E nestes casos do ambiente mais complicado ainda, porque envolvem a administração central, a local, a regional. Há vários outros pacotes de simplificação de licenciamento previstos. E finalmente temos a regulação de atividades económicas e profissões e de fiscalidade.

O PS prometeu uma semana de 4 dias e aumentos de 20% nos salários. É executável?

Temos política e Política e nós não queremos meter-nos nos temas partidários, ainda que tenhamos de meter-nos nos temas de Política que interessam ao país, nesses envolvemo-nos. Todos queremos pagar melhor, mas isso tem de estar ligado à produtividade e à criação de riqueza. O desafio está até muito ligado ao peso das remunerações no PIB - ora os últimos números do Eurostat já mostram que o peso de 48% das remunerações no PIB como objetivo já foram atingidos, num ano em que o PIB cresceu. Mas voltamos ao que eu disse: as grandes empresas são mais produtivas, investem mais e pagam melhor. Nós precisamos de mais grandes empresas. Em Portugal temos 1300 grandes empresas que pesam 29% do PIB; Espanha tem 38%, Alemanha 48% e França 52%. Se fôssemos como Espanha, uma parte do diferencial de falta de produtividade do país estava resolvida e o aumento dos salários também aconteceria. O foco do país tem de ser: premiar o crescimento das pessoas e das empresas.


Ouça a entrevista na íntegra:

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