Quem se reformar em 2070 com um ordenado médio mensal de 2571 euros só terá direito a uma prestação de 1005 euros. Projeções da SEDES constam do livro "Ambição: Duplicar o PIB em 20 Anos", lançado hoje no Porto.
Salomé Pinto
O valor da reforma média vai degradar-se profundamente nos próximos 48 anos, tantos quanto já temos de democracia, se o sistema de pagamento de pensões não sofrer uma profunda reforma. Em 2070, a pensão média poderá valer apenas 38% do salário médio. A conclusão consta do livro "Ambição: Duplicar o PIB em 20 Anos" da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES) a que o DN/Dinheiro Vivo teve acesso. A obra, coordenada pelo presidente da associação, Álvaro Beleza, e pelo presidente do conselho consultivo da mesma instituição, Abel Mateus, é lançada hoje, no Porto.
Daqui a 48 anos, um trabalhador com um ordenado médio mensal de 2571 euros, a 14 meses, receberá apenas uma prestação de 1005 euros, o que representa apenas 38% do vencimento que auferia. A concretizarem-se estas projeções do grupo de trabalho coordenado por Maria João Louro, trata-se de uma perda substancial do poder de compra destes pensionistas, em 2070. Neste momento, e à luz das contas de 2019, a disparidade é menor. Por exemplo, se ganhar 1285 euros mensais, a 14 meses, e se pedir a aposentação poderá contar com uma pensão de 950 euros, o que representa 72% do salário.
De 2019 a 2070, os peritos sublinham que, apesar da duplicação do salário médio de 18 mil euros anuais para 36 mil, a pensão média só aumenta 11% em termos reais de 13,3 mil para 14,76 mil euros. Estima-se ainda um aumento da idade da reforma dos 66 para os 69 anos de idade, em 2070.
As projeções têm em conta um crescimento lento do Produto Interno Bruto (PIB) e um forte agravamento da taxa de dependência, que mede o rácio entre as pessoas com mais de 65 anos sobre a população entre os 15 e os 64 anos. "De tal forma que Portugal, em 2050, terá a taxa de dependência mais elevada, a par com a Espanha, entre os países da União Europeia (UE)", explica a obra.
"A evolução demográfica combinada com um crescimento lento do PIB potencial, em torno de 1% ao ano, claramente abaixo da média da UE, tem implicações devastadoras sobre a falta de progresso na economia portuguesa e, em particular, sobre o sistema de pensões de reforma", alertam os especialistas.
A principal consequência, em Portugal, será a forte redução da taxa de reposição das pensões em relação aos últimos salários. Em Portugal, esse rácio vai baixar dos 74%, em 2019, para 41%, em 2070. A queda de 33% só é ultrapassada pela Espanha (36%) e pela Letónia (35%).
Os portugueses têm hoje um nível de vida equivalente ao de há 20 anos: em 2000, o PIB per capita, a preços de 2015, era de 21 284 euros e, no ano passado, estava ainda em 21 850 euros por habitante.
A obra cita ainda o cenário realizado pela Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Património (APFIPP). Tendo em conta variáveis relativamente positivas - como uma taxa média anual do PIB de 1,7%, uma taxa média de desemprego de 8%, um aumento anual da produtividade do trabalho de 1,4% e uma taxa de inflação anual de 2% -, a APFIPP estima, ainda assim, que "o défice das pensões de reforma do regime contributivo agravar-se-á nos próximos anos, provocando até 2046 um défice orçamental superior a 5% do PIB". "Se a estes valores acrescentarmos o das pensões sociais, que representam um défice de 1,6% do PIB, significa que o saldo primário do Orçamento do Estado necessário, só para equilibrar o défice das pensões da Segurança Social, não poderá ser inferior a 8% do PIB, entre 2021 e 2036". A APFIPP avisa que este "parece um objetivo muito difícil de almejar".
Neste momento, a realidade parece muito mais otimista, tendo em conta a execução orçamental de julho, bem como as projeções do governo, do Banco de Portugal e da Comissão Europeia: um crescimento do PIB de 6,3%, receita fiscal a crescer 5 mil milhões de euros face ao ano passado e excedente orçamental de 432 milhões de euros. Contudo, é preciso ter uma visão de longo prazo, ter em equação o fim da política expansionista do Banco Central Europeu com a subida das taxas de juro para combater a inflação, os efeitos da guerra na Ucrânia na crise energética e no aumento dos preços da eletricidade e do gás natural, assim como a bazuca de 16,6 mil milhões de euros que Portugal recebeu da UE e que não se irá repetir nos próximos anos.
Por isso, são necessárias reformas já para preparar o futuro. "Vários estudos concluem que não existe sustentabilidade financeira do sistema de pensões de velhice com o sistema atual: um deles estima uma dívida implícita de 148% do PIB nos próximos 40 anos atribuível à Caixa Geral de Aposentações e uma dívida implícita de 73 a 104% do PIB do regime contributivo da Segurança Social", escreve o economista Abel Mateus. Para assegurar a boa saúde financeira do sistema público de pensões, a SEDES propõe: "O plafonamento das pensões, isto é, definir um teto a partir do qual o vencimento está livre de contribuições para a Segurança Social; incentivos a sistemas de poupança e capitalização; continuação da indexação da idade de reforma à esperança de vida; flexibilização da decisão de reforma e do trabalho pós-reforma".
Um dos principais objetivos da obra da SEDES é apresentar propostas para duplicar o PIB a cada 20 anos, tendo em conta que, desde 2000, a economia portuguesa estagnou. Significa que os portugueses têm hoje um nível de vida equivalente ao de há 20 anos: em 2000, o PIB per capita, em paridade de poder de compra e a preços de 2015, era 21 284 euros e, no ano passado, estava ainda em 21 850 euros por habitante.
A reforma do sistema de pensões é um dos motores do crescimento económico. Mas não só. O "choque fiscal", através da redução dos impostos, conjugado com a diminuição da despesa pública é outra das armas ao serviço do Estado para colocar a máquina outra vez a acelerar.
Comentários
Enviar um comentário