Novo travão às rendas. Proprietários ameaçam que valores vão voltar a disparar, inquilinos pedem equilíbrio
António Costa assumiu esta quarta-feira que o travão ao aumento das rendas está de volta em 2024, mas não adiantou se os mesmos 2% ou mais. Primeiro quer conversar com as associações do sector antes de avançar com o valor do travão. Mas as negociações adivinham-se difíceis. "Rendas dispararam 30% em Lisboa e no Porto. É isto que o Governo quer, se continuar nessa deriva? É isso que vai ter."
A indicação de que o valor das rendas poderá aumentar 6,94% em 2024 levou o primeiro-ministro a admitir, um dia depois da divulgação do INE, que vai aplicar um novo travão às rendas. No entanto, de quanto será esse travão ainda não se sabe, até porque António Costa disse que quer conversar primeiro com as associações do setor antes de avançar com um valor, que deseja que seja "justo" para famílias e proprietários.
O primeiro-ministro não se quis comprometer com os 2% do travão deste ano, mas do lado dos proprietários garantidamente não vai ter o valor que desejaria: 6,94%, o valor estimado pelo Instituto Nacional de Estatística, é quanto querem.
"A lei tem de ser cumprida, porque já o ano passado os proprietários perderam e ficaram com menos de metade do que seria o valor da inflação. E foi quebrado um princípio que existia desde 1975 e isso levou a que as rendas subissem 30% em Lisboa e no Porto. Das duas uma: ou o Governo quer cumprir a lei, ou, simplesmente, o Governo não quer cumprir a lei e não querendo cumprir a lei está, simplesmente, a tomar intervenções arbitrárias no mercado, que são sempre contraproducentes", analisa Luís Menezes Leitão, da Associação Lisbonense de Proprietários, em declarações à CNN Portugal.
Para o advogado, o valor a aumentar "deverá ser o que o INE diz" até porque é "o que tem sido feito desde 1985". E lembra que, nos primeiros anos em que o critério da inflação passou a ser imposto às rendas, "houve aumentos de 10% e nunca ninguém fez nenhum travão às rendas".
Na conversa que o primeiro-ministro diz querer ter com as associações do sector, o objetivo será encontrar uma “solução equilibrada” que não desincentive os proprietários, nem crie situações de rutura social.
Mas para Luís Menezes Leitão, uma "solução equilibrada" que ajude inquilinos e proprietários "é não permitir que as rendas sejam sujeitas a critérios". "São os proprietários que estão a subsidiar, à custa da não atualização das rendas forçada pelo Governo, quem precisa e quem não precisa, porque há muitos inquilinos com rendimentos elevadíssimos e que não precisam desse travão. E, relativamente a esses, o Governo concorda que está a protegê-los porque, simplesmente, faz parte do seu lobby político."
"Proprietários não podem ser o únicos a subsidiar os inquilinos"
O presidente da Associação Lisbonense de Proprietários avisa mesmo que as rendas vão disparar uma vez mais com o novo travão. "Os proprietários não podem ser os únicos a subsidiar os inquilinos. Os proprietários não podem ser os únicos a ser sacrificados com a crise económica que existe. Os bancos não são sacrificados, as empresas combustíveis não são sacrificadas, os supermercados não são sacrificados, os restaurantes não são sacrificados. O resultado do que se está a passar na habitação em Portugal é as rendas dispararem. A notícia de hoje é que as rendas dispararam 30% em Lisboa e no Porto. É isto que o Governo quer, se continuar nessa deriva? É isso que vai ter."
Entendimento semelhante tem António Frias Marques, da Associação Nacional de Proprietários, que lembra que, no ano passado, foram "surpreendidos" por uma medida que consideram "anómala, profundamente eleitoralista e o coeficiente do ano passado, que era 5,43, foi abusivamente transformado em apenas 2%".
"O que é que isso originou? Na prática teve um efeito perverso. Porquê? Porque em relação aos inquilinos que já têm casa, muito bem, foram só aumentados em 2%. Atenção, o senhorio não é obrigado a praticar este aumento, só os senhorios que o entenderem. É uma prerrogativa. O efeito perverso é que em relação aos novos contratos, os detentores da propriedade aumentaram muito mais do que 2%, de forma a que aquilo que não conseguiram de uma maneira foram conseguir de outra. Se este ano se insistir nesse tipo de medidas, é evidente que quem já tem casa (e muitos com rendas muito baixas) fica-se a rir, mas quem anda à procura de casa, não há quem os acuda porque os preços vão disparar", antecipa Frias Marques.
O presidente da Associação Nacional de Proprietários considera ainda que a aplicação de um travão ao valor das rendas é uma "fórmula artificial" e que vai causar problemas em quem procura casa para arrendar.
"Quem anda à procura de casa, que são realmente muitos milhares de pessoas, esses vão ter de pagar a fatura porque aquilo que não se consegue de uma maneira vai repercutir-se de outra. De forma resumida, nós somos da opinião que deve ser aplicado o coeficiente que foi achado pelo INE, que é uma entidade segura e achou que a inflação homóloga entre agosto de 2023 e 2024 é de, neste caso, 6,94%. É isso que deve ser aplicado. Porque qualquer outra habilidade tem efeitos desastrosos, como já teve o ano passado."
Rendimentos são "muito baixos", rendas "bastante elevadas" e aumento de 6,94% é "desajustado"
Do lado dos inquilinos, a opinião é contrária. António Machado, secretário-geral da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, confessa que ainda não foi feito nenhum cálculo pelo conjunto das associações, mas, garante, 6,94% é um valor "desajustado" e que, por isso, o novo travão ao valor das rendas deve ser aplicado.
"Ainda não fizemos nenhum cálculo, mas chamamos a atenção de que as rendas estão em valores bastante elevados e que, de uma forma geral, mesmo as rendas antigas, correspondem a taxas de esforço à roda dos 40 a 50%", aponta António Machado, lembrando que o valor anunciado pelo INE é "desajustado" porque "os salários e pensões este ano não tiveram aumentos desta grandeza, mas as rendas aumentaram".
O secretário-geral da Associação dos Inquilinos Lisbonenses questiona mesmo como é que é possível voltar a aumentar as rendas quando estas "já estão elevadas" e "em termos médios - que apanha rendas maiores e mais pequenas - aumentaram 14% no primeiro semestre".
"Por isso sugerimos que, uma possibilidade, é a de que os senhorios que comprovadamente necessitam (que tenham rendas baixas e que necessitem de apoio) também tenham apoio público, tal como os inquilinos também têm", propõe, dizendo ainda que a associação tem insistido no "aumento da redução do valor das rendas por parte dos inquilinos" no IRS, atualmente nos 15% do valor. "Nós propusemos, no comunicado que fizemos em julho, que seja 20% do valor da renda paga, com o limite de duas vezes o IAS (960,86 euros)."
António Machado lembra que "é preciso equilibrar as coisas", mas, sobretudo, "é preciso que haja casas e que os proprietários também se sintam confortáveis, como é evidente". No entanto, sublinha, "uma coisa é sentirem-se confortáveis, outra coisa é a enorme especulação que existe com as rendas, são coisas diferentes".
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