Em 2017, para comprar casa em Lisboa, ter 30 mil euros de entrada era suficiente, hoje já são necessários, no mínimo, 56 mil
O dinheiro necessário para dar de entrada numa casa em Lisboa e no Porto praticamente duplicou entre 2017 e 2022, segundo um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos que avisa ser «provável» manter-se a degradação do acesso à habitação.
O policy paper da autoria de Rita Fraque Lourenço, Paulo M. M. Rodrigues e Hugo de Almeida Vilares, é o primeiro de uma série que a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) divulga e em que actualiza o estudo lançado em 2021, onde era traçado o retrato do mercado imobiliário em Portugal e a sua evolução.
Com a subida do preço das casas a superar os aumentos salariais, as famílias enfrentam cada vez mais dificuldades no acesso ao mercado habitacional, tendo visto o «rendimento necessário para adquirir uma habitação» aumentar «consideravelmente nos últimos anos».
Segundo o documento, o capital inicial necessário para dar de entrada numa casa mediana aumentou de cerca de 30 mil para 56 mil euros no concelho de Lisboa, e de 16 mil para 37 mil no concelho do Porto, entre 2017 e 2022.
Além disto, para que um casal consiga hoje comprar uma casa mediana na freguesia mais barata de Lisboa ou do Porto é necessário que as duas pessoas atinjam pelo menos o percentual 60 da distribuição de rendimentos dessa zona geográfica, quando em 2017 esta mesma casa era acessível para um agregado no percentil de 40.
A conjugação da evolução dos preços com a necessidade de ter uma entrada leva os autores do estudo a notar as dificuldades acrescidas que os jovens enfrentam no acesso a habitação, ainda que possam beneficiar de prazos de empréstimos mais longos.
«Assim, é teoricamente possível que um agregado familiar jovem cumpra os requisitos de rendimento para contrair o empréstimo necessário, mas não tenha a poupança necessária para a entrada, e que passados alguns anos possa ter já poupança disponível, mas já não cumpra os requisitos de rendimento, num processo que o mantém mais afastado da possibilidade de aquisição», assinala o documento.
Além disso, os rendimentos dos jovens são muitas vezes inferiores aos rendimentos do geral da população da zona geográfica que pretendem habitar, o que torna particularmente difícil que atinjam os percentis de rendimentos requeridos.
No arrendamento as coisas não ficaram mais fáceis, mas os autores do estudo referem que, mesmo assim, se registou «uma evolução mais suavizada» em termos de acessibilidade, entre 2018 e 2022.
Porém, se o inquilino for um agregado composto por apenas uma pessoa a trabalhar (uma família monoparental, por exemplo) «a situação é significativamente pior».
«No computo geral, assistiu-se a uma degradação da acessibilidade à habitação», aponta o estudo, salientando que hoje «é significativamente mais difícil entrar no mercado tanto de arrendamento como de aquisição do que era há cinco ou seis anos, mesmo quando se olha para as localizações mais baratas nas áreas metropolitanas ou nas cidades de Lisboa e Porto».
É que, a par do agravamento dos requisitos de rendimento, as poupanças necessárias para aquisição duplicaram em muitos casos, exigindo um esforço de vários anos de acumulação de capital, e as próprias avaliações bancárias, mais prudentes, «impactam decisivamente nesses valores», pelo que hoje «um jovem (ou casal), para adquirir ou arrendar casa, tem de estar inserido com muito sucesso no mercado de trabalho, e no caso de aquisição, ser capaz de acumular poupanças a um ritmo acelerado, ou obter financiamento particular, muitas vezes proveniente do seu contexto familiar».
O problema no acesso à habitação requer repostas de médio e longo prazo, que devem começar já a ser aplicadas, sendo que perante a gravidade do problema, exigem-se também, defendem os autores do estudo, medidas de curto prazo de apoio à acessibilidade do lado da procura, dirigidas às famílias em situação mais fragilidade.
É que, sublinha o estudo, «no imediato, é provável que a situação se continue a degradar», sendo que políticas do lado da procura «têm custos elevados, têm um efeito multiplicador da despesa pública em investimento habitacional demasiado baixo, sendo globalmente pouco eficientes, equitativas e eficazes».
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