Candidato a bastonário dos engenheiros diz que obras públicas não podem continuar a decidir-se pelo preço e a pensar só na inauguração. Defende engenheiros empenhados em criar startups e quer Ordem mais envolvida na sociedade.
Fernando Branco é licenciado em Engenharia Civil pelo Técnico, onde é professor. Tem um master em Ciências Aplicadas à Engenharia Civil e um doutoramento nas áreas de Estruturas. Já desempenhou funções em várias organizações, incluindo o Conselho Superior de Obras Públicas e o Conselho Europeu de engenheiros civis, que presidiu. Como consultor esteve também envolvido em vários projetos, desde a extensão do Aeroporto do Funchal, à construção das pontes Vasco da Gama e da Lezíria, à inspeção da Ponte 25 de Abril, à construção do CCB, da Expo98 e dos estádios da Luz e de Alvalade. Aos 68 anos, é candidato a bastonário dos Engenheiros, para "valorizar a classe e rejuvenescer estruturas da Ordem".
Fixar os jovens engenheiros em Portugal, através de incentivos à criação da própria empresa e permitindo exportar serviços a partir de Portugal é um dos seus desígnios, num momento em que a competição é feroz e global. Como é que se materializa isso?
Um dos principais problemas que temos com os jovens engenheiros não é de emprego - há pleno emprego nos engenheiros portugueses - mas um de emprego mal pago. A Ordem dos Engenheiros (OE) pode tomar medidas para que eles aprendam a desenvolver as suas spinoffs, o que implica um programa que envolva as universidades, obrigando os alunos no último ano a desenvolverem temas para criarem a sua empresa e depois, com organismos nacionais e internacionais que existem, apoiar essas empresas nos primeiros anos.
Estimular a criação de startups.
Eu tenho em parte formação anglo-saxónica, fiz mestrado no Canadá, e os meus colegas todos pensavam criar empresas. Cá pensam em arranjar emprego.
Mas havendo hoje tanta cultura de empreendedorismo, não existe essa sensibilidade?
Não há cultura de empreendedorismo entre os engenheiros. Embora comece a aparecer em empresas digitais, engenheiros informáticos que fazem spinoffs de alta tecnologia, a trabalhar para a NASA...
Mas como é possível fomentar essa cultura?
Temos de os apanhar ainda na universidade, dar formação nessa área, ajudá-los a perder o medo e dar-lhes as bases para criarem as suas empresas. Eu fiz isso na minha cadeira - estou aposentado - no Técnico, mas era das poucas que obrigavam a criar empresas virtuais. E várias ganharam prémios. Depois, é manter esse vírus vivo de modo que continuem. E temos uma vantagem que resulta de um inconveniente: há centenas ou milhares de colegas a trabalhar fora que podem ser nossos embaixadores e ser a ligação aos que cá estão. Se esses que cá estão conseguirem fazer empresas a trabalhar para fora, vão ganhar com salários de fora a trabalhar cá. Quero implementar isso - que não resolve tudo, mas pode dinamizar. Mas o grande problema dos salários baixos é o da economia nacional.
Há falta de engenheiros em Portugal e muitas solicitações de fora. Na Suíça, um engenheiro civil ganha em média cinco vezes mais do que em Portugal (cá são 1000 a 1500 euros). Os engenheiros aqui não são valorizados?
Está a dar uma visão otimista, há jovens engenheiros com 800 euros. Isso é grave. Mas há que analisar o problema da economia: tudo quanto são concursos públicos é adjudicado a preços baixíssimos, anormalmente baixos. É um dos motes da minha campanha, estamos a adjudicar obras públicas à loja do chinês. Tem de se mudar isso, pondo o fator qualidade nas adjudicações. Quando se entrega uma proposta, deve entregar-se em duas partes independentes e sigilosas: uma com a qualidade e outra com o custo. E só depois de considerada a primeira se deve abrir o custo. Se não, os decisores, com medo de serem recriminados, vão sempre pelo preço mais baixo e isso leva as empresas a trabalhar no limite, na corda bamba, e sem poderem pagar melhor. Pode dizer-se que se começamos a subir preços na adjudicação vai começar a faltar dinheiro, mas isso é porque não se pensa que as obras não são feitas para a inauguração mas para durar 50 anos, tem de se pôr ali os custos da manutenção. Se tiverem mais qualidade inicial, vai poupar-se. O custo global da obra nem vai aumentar.
Havendo pleno emprego e tantos projetos do PRR a puxar salários para cima, haverá obras públicas a ficar sem resposta?
Pode haver. A engenharia é um setor muito amplo. Nas obras públicas falamos de civil e mesmo aí há o domínio do projeto, que emprega muita gente, e o de execução. Ao nível do projeto, penso que não temos problemas, apesar de terem desaparecido muitas empresas na crise anterior - temos hoje projetistas a trabalhar para fora e que podem trabalhar para cá desde que o valor seja adequado. Ao nível da execução podemos ter esse problema. Os salários na produção já estão a subir porque as empresas portuguesas estão a ir buscar engenheiros portugueses lá fora a preço mais alto.
Nivelar por baixo também afeta a competitividade das empresas?
Exatamente. A situação é tão grave que há empresas que já nem concorrem aos concursos públicos, porque é trabalhar para perder dinheiro. Isto tem de se mudar.
Já aqui falámos do "Rejuvenescer". O programa com que se candidata propõe 5 R. É de salários e da forma como o Estado encara a importância dos engenheiros nas obras públicas que fala quando destaca a necessidade de "Revalorizar" e "Reposicionar"?
Reposicionar, sim. Os outros R são: Revalorizar, Resolver, Rejuvenescer e Reposicionar e três deles destinam-se a mudar o funcionamento interno da OE. A ordem tem uma estrutura matricial, uma organização por regiões do país e colégios que correspondem às especialidades e o que acontece é que o know how, onde se discute problemas e se deve mostrar à sociedade as soluções, está nos colégios, que quero que se tornem num fator dinâmico. Quero que os colégios sejam míni-ordens, porque a verdadeira dinâmica tem de estar aí, é aí que têm de ser feitos pareceres para aconselhar o governo, não é nas regiões. Isto obriga a inverter o funcionamento interno, é uma grande mudança.
Fazia sentido ter um colégio mais virado para as novas engenharias, para as tecnológicas?
Isso tem de ser feito juntando colégios, interligando informática, eletricidade, mecânica, criando comissões técnicas com um responsável que os ligue e tome posições nos vários problemas. É um setor que temos sem dúvida de dinamizar. Por exemplo, civil deve ser dos piores nas tecnologias digitais, onde precisa de mais desenvolvimento.
Seria útil ter os engenheiros envolvidos na escolha de projetos financiados pelo PRR?
O PRR significa desenvolvimento do país e isso para mim é transformar pedaços de rocha em edifícios e pontes, de minério de ferro em automóveis e barcos, eletrões em energia e redes digitais, sementes em explorações agrícolas e florestas. Quem sabe fazê-lo? Os engenheiros. Para ser implementado, o PRR tem de ter projetos concretos que levem a alguma conclusão. E nós ainda não sabemos bem o que esperar no fim. Para dirigir estes projetos temos de ter quem saiba controlar prazos, preços, interligar as diversas pessoas, especialidades, etc., e saiba o que está a fazer. Isso é um engenheiro. Se não envolvermos engenheiros nestes projetos arriscamos que o PRR seja um grande flop. O PRR está contratualizado a mais de 90% e pago só 1%. Não está ninguém a trabalhar.
A prioridade anunciada para a ferrovia é uma aposta do PRR. Os planos que existem são os melhores ou faria sentido apostar a sério na alta velocidade, ligando Portugal à Europa?
À Europa é ambicioso... não passamos de Espanha. O comboio tem hoje clara vantagem ambiental em relação ao avião, que deve ser estacionado na pequena/média distância. Isto significa que as pessoas para usarem o comboio não fiquem prejudicadas, o tempo de circuito tem de ser semelhante. Com 300 km/h não é possível ir além de Madrid. Já há comboios em protótipo a ir além de 1000 km/h e isso permitiria ir até Barcelona. Mas a nível nacional nem precisamos de tanta velocidade, para equilibrar com tempo gasto em aeroporto, não precisamos de um TGV, Mas precisamos de uma linha com velocidade mais alta e que tem de ser só para esse comboio. Isso tem de ser pensado e já devia estar em andamento porque é um problema arranjar um corredor para a pôr - sendo que tipicamente parará em Lisboa, talvez no aeroporto, em Coimbra e Porto.
O governo está a par dessas preocupações?
Se não está, devia estar.
Como vê o olhar do governo para a aposta na ferrovia?
Não vejo bem. Porque não anda. Na ligação de mercadorias, Sines está a andar e é razoável, se queremos desenvolver o porto como hub industrial e portuário - curiosamente o distrito de Setúbal é o único que não tem delegação da OE, apesar de ser a cidade com mais engenheiros por m2, e se ganhar vou dinamizar a região - mas com mais atrasos. Na alta velocidade não se vê nada.
Mas há evolução na forma de Portugal olhar a ferrovia?
Noto que as pessoas começam a ficar conscientes de que ela terá de substituir o avião na curta/média distância.
E no transporte de mercadorias?
Sim. Isto já devia ter andado, a ligação Sines-Espanha-Europa já devia ter andado há muito tempo.
Há décadas que o país avança e recua na discussão em torno do novo aeroporto. Como é que vê este adiamento consecutivo?
Como engenheiro aprendi - e ensinei - que qualquer investimento deste tipo, seja uma ponte ou o aeroporto, deve ser feito com uma análise multicritério: analisar segundo cinco aspetos, que são funcionalidade, durabilidade, segurança, ambiente e economia. A essa luz analisar as várias opções e o peso dado pelos políticos a cada critério pode ser diferente, mas vê-se os prós e contras dentro deles e toma-se a decisão. O que vejo aqui é que as pessoas só olham um destes critérios e defendem arreigadamente uma opção com base nele. Não é assim que isto funciona. Quando falamos de Alcochete e Montijo e pensamos em funcionalidade - que no caso significa capacidade para receber os aviões -, é Alcochete que ganha, porque o Montijo está limitado pela dimensão; mas se pensarmos no acesso das pessoas ganha o Montijo, porque Alcochete tem mais 17 km para chegar lá. Este tipo de análises é que devia ser feito, posto num papel e tomada a decisão. Se já houve tantos estudos para cada opção, é fazê-lo. Não percebo o novo adiamento.
Mas a escolha é o que nos traz ao ponto de impasse. Como é que sai daqui? Qual é a solução?
É esta que digo: pegar nos estudos e analisar dos cinco critérios as vantagens e inconvenientes. E decidir. O governo pode dizer: só me interessa a parte económica, e escolhe o mais barato. Mas um engenheiro não trabalha assim. Um dos critérios, sendo o ambiente, é natural que as autarquias tenham linhas vermelhas, na compensação do impacto ambiental. Nós, engenheiros, seguimos os cinco critérios.
E qual seria a sua solução?
Eu não conheço todos os estudos, mas em termos de funcionalidade, diria que Alcochete. Porque permite a ligação mais fácil ao comboio, quer para o Porto quer para Espanha. Em durabilidade também tem vantagem, porque o terreno permite um aeroporto que pode aumentar o tempo necessário. Em termos ambientais já não sei, há problemas em ambos. E... em termos económicos, se pegarmos no aeroporto do Montijo e fizermos igual em Alcochete custa o mesmo. Pode sair um pouco mais caro pelos tais km adicionais de autoestrada, mas não é muito preponderante. O que é preciso é explicar às pessoas tudo isto, os critérios todos, e o governo dizer quanto pesa cada um. Foi assim que se fez a Vasco da Gama, em que estive envolvido.
O Fernando é especializado em Pontes. Faz sentido construir uma terceira travessia do Tejo?
Voltamos aos cinco critérios. Uma ponte serve para as pessoas chegarem ao outro lado mais rapidamente do que à volta. Quando se faz um investimento nisso tem de se recuperar com o tempo que o tráfego poupa. A Vasco da Gama foi pensada com três vias de cada lado e uma berma muito larga já para se poder alargar, quando engarrafasse, a uma quarta via para cada lado, simplesmente mudando os riscos. A Vasco da Gama ainda tem capacidade para aguentar mais tráfego durante bons anos. Falou-se numa terceira travessia só ferroviária, mas se o aeroporto ficar em Alcochete talvez se consiga uma ponte melhor não atravessando o Mar da Palha - que sairia muito mais cara.
Estamos a viver uma transformação enorme das cidades. O maior envolvimento dos engenheiros a esse nível faria sentido? Há erros na organização que se evitaria?
Muitos erros são feitos porque não se pergunta a engenheiros como se devia fazer.
É o caso da linha circular do Metro de Lisboa?
O que ouvi foi que tinham sido feitos estudos para atestar a melhor solução em termos de tráfego e o presidente do Metro disse, depois de estudar a funcionalidade, que essa era a melhor solução...
Mas já foram apontados riscos, até de ruírem prédios.
Se os projetos forem mal feitos, mas esperamos que os engenheiros trabalhem bem. Mais complicado do que isso é o túnel de drenagem das águas pluviais que está a ser feito e vai atravessar Lisboa de uma ponta à outra. O projeto está a ser feito agora e tem alguns pontos delicados, passa perto de algumas linhas de metro e vai dar a uma zona de dificuldades junto ao Museu Militar, mas se os engenheiros identificarem os problemas têm capacidade para os resolver. Os acidentes ocorrem quando eles não veem os problemas. Fez-se muitas linhas de metro em Lisboa, é capaz de ter havido algumas rachas, mas não me lembro de terem caído prédios - a esse nível temos problemas bem mais graves em Lisboa, os prédios gaioleiros nas Avenidas Novas.
E o risco sísmico.
Isso. É um problema com que durmo pior do que o túnel do metro.
Como viu os planos do governo para limitar os poderes das ordens profissionais - que caiu com o chumbo do Orçamento?
Tenho medo é que volte a aparecer... vai ser uma luta complicada se eu vencer a OE, porque me parece no texto que se procura limitar a ação das ordens e não entendo essa atitude do governo. Vejo a OE como um parceiro dos governos, como acontece em Inglaterra, são eles que apontam as orientações, áreas em que devem ser feitos investimentos... Limitar dá a sensação de que se quer acabar com a ordem e a ordem tem o papel de ajudar a sociedade, ajudar os governos a tomar boas decisões. Não percebo a atitude de quererem limitar-nos, sendo uma das nossas missões ser um organismo de aconselhamento. Estamos aqui para ajudar os governos - não é "O" governo, temos uma atitude de independência, tecnicamente defendida. Os políticos decidem, nós aconselhamos. Estamos aqui para defender a sociedade.
O que é essencial que o próximo governo tenha como foco?
Perceber que a Ordem é um organismo para trabalhar com ele - não é a resposta que queria mas é a que lhe dou.
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