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Bitcoin: a vacina ecológica contra a pandemia digital

 

Dário de Oliveira Rodrigues, Professor na área de Gestão e investigador em 'Economia Digital' e 'Ciberética'


Os dirigentes do BCE sabem que o sistema bancário mundial gasta muito mais energia do que a rede Bitcoin. Aquilo que os preocupa não é a poluição, mas sim a proteção do seu modelo de negócio.


Sendo capazes de criar tecnologias, os seres humanos passaram da contemplação da natureza à sua manipulação e beneficiaram de uma extraordinária evolução. O reverso da medalha são os riscos proporcionais à eficácia dessas tecnologias, que temos de saber gerir. Reconhecemos a ameaça nuclear, mas subestimamos o perigo de a centralização e manipulação de dados pessoais facilitar o controlo dos cidadãos.


Poucos se apercebem da “pandemia” digital iniciada na China para contagiar o mundo livre. Mais uma vez, agita-se o papão da insegurança para alienar as pessoas e confiná-las ao medo. Observamos, porventura incrédulos, a empolada ameaça viral que vai testando a proverbial paciência dos chineses, mas ignoramos a ameaça viral das moedas digitais dos bancos centrais (CBDC). Na verdade, a fórmula original da Bitcoin está a ser modificada para criar moedas programáveis que servem o novo arcabouço digital do poder, e essa tecnologia adulterada prepara-se para “infetar” as carteiras digitais dos europeus.


Não é a primeira vez que uma tecnologia poderosa é criada com boas intenções e acaba por cair nas mãos erradas. No início da II Grande Guerra Mundial, Einstein já estava ciente da energia gerada pelas reações em cadeia da fissão nuclear. Refugiado nos EUA, devido à ameaça nazi, alertou o Presidente Roosevelt do risco que seria deixar a Alemanha antecipar-se na corrida às armas nucleares. Esse foi o estímulo-chave para acelerar a pesquisa da bomba atómica (Projeto Manhattan), e hoje todos somos reféns daqueles que têm plenos poderes para a utilizar sob as mais variadas formas.


As moedas digitais foram inventadas para serem descentralizadas, até porque são demasiado poderosas para caírem nas mãos erradas. Sendo programáveis, caso sejam centralizadas é possível transformar os seus utilizadores em reféns políticos. Não se pode adulterar uma fórmula criptográfica que institui a confiança necessária para as moedas navegarem sozinhas na Internet, e depois “inoculá-la” nas carteiras digitais dos cidadãos sob a forma de moedas digitais cunhadas à medida dos interesses do costume. Desta vez, o reverso da medalha não é a extinção da humanidade, como no caso da tecnologia nuclear, mas sim a extinção da liberdade e da democracia.


Corremos realmente esse risco porque as CBDC centralizam o novo mecanismo da confiança, concentrando-o em redes digitais proprietárias. Como no caso da tecnologia nuclear e do enriquecimento de urânio, a concentração das propriedades da tecnologia em questão desencadeia efeitos diametralmente opostos aos inicialmente pretendidos. Neste caso, as primeiras “bombas atómicas” são moedas digitais que dão plenos poderes ao Banco Central Chinês (BCC), estando na forja de outros bancos centrais moedas semelhantes. Com elas é possível condicionar individualmente pagamentos e transações. Ora, a quem interessa controlar politicamente a carteira digital de cada cidadão, ditando, na prática, tudo aquilo que ele poderá (ou não) pagar e consumir? É disso que se trata! A quem interessa boicotar a livre concorrência entre moedas digitais visando o monopólio das CBDC? A quem interessa instituir moedas que são potenciais senhas de racionamento na era digital? Estas são perguntas que devem ser colocadas.


Uma coisa é certa, as CBDC fazem parte dos planos do BCE e a narrativa do “papão da energia” facilita o boicote à indesejável concorrência das criptomoedas. Não acredito que as preocupações do BCE sejam a volatilidade e o impacto ecológico do Bitcoin, mas sim a inovação trazida pelas criptomoedas. Os dirigentes do BCE sabem que estamos perante uma nova forma de representar valor e ainda compreendem melhor que essa novidade é uma razão mais do que suficiente para a volatilidade do Bitcoin. Eles também sabem que o sistema bancário mundial gasta muito mais energia do que a rede Bitcoin. Na minha opinião, aquilo que os preocupa não é a poluição, mas sim a proteção do seu modelo de negócio.


A Bitcoin é a primeira criptomoeda e funciona na rede blockchain original. Nesta rede digital pioneira e revolucionária, as pessoas podem enviar e receber valor utilizando apenas um computador (ou smartphone) e uma conexão à Internet. Nela é possível enviar dinheiro através da Internet sem depender de intermediários. Trata-se da primeira infraestrutura pública para realizar pagamentos e transferir valor, disponível para todos e não detida por qualquer entidade pública ou privada. Tal infraestrutura consiste “apenas” num protocolo de linguagem especial que capacita as redes digitais para selecionar unicamente as transações cujas contas batem certo.


Desde a criação da Internet que temos uma infraestrutura pública para partilhar informação através de emails e websites. No entanto, antes da criação da rede Bitcoin, a única infraestrutura pública que existia para efetuar pagamentos era o dinheiro- vivo ou em espécie, isto é, notas e moedas. O problema é que este numerário só serve para realizar transações presenciais. Portanto, antes de existir a rede Bitcoin não havia infraestruturas públicas para efetuar pagamentos remotamente; todas as transações não realizadas cara-a-cara requeriam a intermediação de instituições bancárias, senão nada feito.


A rede Bitcoin trouxe o fim desta exclusividade, facto que não agrada a quem vê o seu rendimento ameaçado. Claro que estamos a falar de interesses muito poderosos, mas se a desinformação, a alienação e o medo não triunfarem, tais interesses terão de se conformar com a transição digital da sociedade. Aliás, aconteceu e acontece o mesmo a muitos outros intermediários bastante afetados pela Internet, e os bancos não são especiais. É a vida!


Passo a desmistificar o falso argumento “ecológico” dos detratores da Bitcoin e de outras criptomoedas, começando por apontar evidências: é sabido que a energia é um fator crucial para a sobrevivência humana e que a escassez de energia faz as pessoas sofrerem no bolso e na pele (é o que acontece na Ucrânia e não só). Também sabemos ser difícil e dispendioso armazenar e transportar a energia, custo este que se traduz na redução ou indisponibilidade energética para a realização de trabalho. Por outro lado, também sabemos que a inflação reflete a quebra da confiança no poder aquisitivo do dinheiro, o que afeta o bem-estar ou até a nossa sobrevivência. Infelizmente, escasseia a confiança disponível a nível global e é uma pena que ela não flua com facilidade entre os povos. Sabemos tudo isso.


O dado novo e relativamente incompreendido é que as moedas digitais, ao serem programáveis, podem representar trabalho (tokens utilitários), permitindo a respetiva monetização. Pela primeira vez na história, há moedas que representam algo mais do que exclusivamente capital (valor-de-troca), integrando funcionalidades específicas (valor-de-uso). Também convém saber que as moedas digitais descentralizadas funcionam com rigor matemático graças à contínua formulação de consensos alargados sobre a legitimidade das respetivas transações. É verdade que este mecanismo de validação (proof-of-work) despende muita energia, todavia, quem utiliza essa energia para cunhar criptomoedas (mineradores) fá-lo na mira do lucro, recorrendo, portanto, à energia mais barata disponível. Por outras palavras, não compensa custear a produção de criptomoedas com energia mais cara do que a cotação das mesmas. O estímulo económico para minerar bitcoins é o diferencial entre o custo da energia e a respetiva cotação, compensando mais fazê-lo utilizando energia barata (preferencialmente excedentária, a mais barata de todas).


Agora vem a parte sobremaneira interessante (o senador norte-americano Ted Cruz explica isto muito bem): se é incomparavelmente mais fácil armazenar e transportar criptomoedas do que fazer a confiança fluir entre as pessoas neste mundo complicado, então, as moedas digitais devem funcionar como baterias para armazenar energia sob a forma de incentivos económicos, nomeadamente guardando unidades de confiança distribuída, um novo tipo de confiança portátil fácil de transportar nas carteiras digitais dos cidadãos. Por isso mesmo, creio que o mecanismo “proof-of-work”, o primeiro utilizado para criar e distribuir a confiança inerente às criptomoedas (através da produção de consensos descentralizados), será um dia encarado como sendo bastante ecológico.


Vários autores consideram as criptomoedas ideais para transformar energia em unidades de confiança, apontando que elas constituem o veículo de eleição para converter a energia em trabalho. Na verdade, as criptomoedas suportadas pelo mecanismo proof-of-work estão já a canalizar excedentes energéticos para aquilo que pode vir a ser um novo manancial de confiança da humanidade. Acresce que este mecanismo também serve para diminuir as externalidades negativas provocadas pelos desperdícios energéticos, por exemplo, no caso da queima promovida para evitar que os gases residuais do processo de produção energética escapem para a atmosfera (25% a 30% do gás consumido é assim desperdiçado). Também na produção de energia solar há todo o interesse em minerar criptomoedas com a energia desperdiçada no final de cada dia soalheiro, evitando a compra ou permitindo substituir baterias despendiosas e problemáticas do ponto de vista ecológico.


Portanto, ao contrário do que nos pretendem fazer crer, a Bitcoin e outras moedas digitais descentralizadas contribuem para aumentar a confiança disponível, atuando preventiva e ecologicamente para evitar males maiores num mundo cuja confiança institucional periclitante patrocina moedas fiduciárias inflacionárias. Trata-se de não impedir a reforma do principal sistema de incentivos económicos, permitindo dinamizar o dinheiro com a confiança distribuída e descentralizada nas criptomoedas, devolvendo à humanidade a esperança de um futuro promissor.


Bitcoin: a vacina ecológica contra a pandemia digital – Observador



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