Um trabalhador que vá ganhar 861,23 euros brutos recebe 650 euros, abaixo do salário mínimo líquido. Valorização real é de 40 euros. Penalização foi denunciada pela FESAP.
Milhares de trabalhadores do Estado podem não sentir o efeito real do aumento salarial de 104,22 euros, aprovado pelo governo para este ano, porque haverá um agravamento da retenção na fonte em sede de IRS que, somado aos descontos para a Caixa Geral de Aposentações ou Segurança Social e ADSE (subsistema de saúde da Função Pública), se irá traduzir numa valorização substancialmente inferior. Por exemplo, um trabalhador que vá ganhar agora 861,23 euros brutos, na prática só irá ter um aumento real de 40 euros face aos 757 euros que recebia no ano passado. Feitas as contas, no final do mês leva para casa 650,23 euros, valor que fica um euro abaixo do salário mínimo nacional, de 651,15 euros, depois das contribuições e impostos.
A denúncia partiu da Federação de Sindicatos da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos (FESAP), afeta à UGT, que assinou o acordo proposto pelo Executivo para a valorização plurianual dos ordenados na Administração Pública. O secretário-geral daquela estrutura sindical, José Abraão, antevê "problemas e protestos assim que os pagamentos comecem a ser processados, porque os trabalhadores, sobretudo os das posições remuneratórias mais baixas, e a quem foi prometido um aumento de 52,11 euros mais um salto no nível remuneratório de 52,11 euros", o que dá o tal avanço de 104,22 euros, "não vão aceitar receber menos do que o salário mínimo líquido", afirmou ao Dinheiro Vivo. A FESAP reúne-se esta terça-feira em assembleia-geral precisamente para avaliar o pacto assinado com o Executivo e exigir a "correção destas injustiças fiscais", sublinhou José Abraão, lembrando que "o governo tinha prometido neutralidade fiscal para os aumentos salariais".
O pacto para a valorização salarial no Estado prevê uma subida nominal transversal de 52,11 euros até salários brutos de 2612,03 euros, sendo de 2% acima daquele montante. Mas o aumento do salário mínimo no Estado de 709,46 euros para 761,58 euros e as valorizações adicionais de 52,11 euros, correspondentes a um salto no nível remuneratório para os assistentes técnicos, os assistentes operacionais com mais de 30 anos de carreira e para os técnicos superiores entre a 3.ª e a 14.ª posições, fazem duplicar o aumento de 52,11 para 104,22 euros. Só que em milhares de casos esse ganho será absorvido pelo IRS, pelos descontos para a Caixa Geral de Aposentações ou Segurança Social e para a ADSE.
O Dinheiro Vivo fez as contas para um caso hipotético de um assistente técnico solteiro e sem filhos que, no ano passado, auferia 757,01 euros e que, a partir de janeiro de 2023, vai receber 861,23 euros por via da tal valorização de 104 euros. Ora, em 2022, e segundo as tabelas de IRS, retinha 5% (37,85 euros). Somando as contribuições sociais de 11 % (83,27 euros) e de 3,5% para a ADSE (26,50 euros), dá um vencimento líquido de 609,39 euros. Este ano, como obteve um aumento de 104 euros, vai passar a reter na fonte, não 5%, mas 10% (86,12 euros), ou seja, trata-se de uma penalização fiscal de mais de 48 euros. Juntando os descontos para a CGA ou Segurança Social (94,74 euros) e para o subsistema de saúde do Estado (30,14 euros), dá um salário líquido de 650,23 euros, menos 211 euros do que o valor bruto e apenas mais 40,84 euros face ao ordenado líquido de 2022. O mesmo vencimento, de 650,23 euros, fica um euro abaixo do salário mínimo líquido para a Função Pública (651,15 euros).
Questionado pelo Dinheiro Vivo sobre que medidas iriam ser tomadas para corrigir esta situação, o Ministério da Presidência, de Mariana Vieira da Silva, que tutela a Função Pública, atirou para as Finanças a responsabilidade sobre as tabelas de retenção na fonte. Já do ministério de Fernando Medina o DV não obteve uma resposta até ao fecho da edição.
UTAO estima que os aumentos da Função Pública vão render aos cofres do Estado 362 milhões de euros em 2023, pelo acréscimo de IRS e de contribuições sociais.
Recorde-se, no entanto, que a partir do segundo semestre entra em vigor um novo modelo de tabelas de IRS, seguindo uma lógica de taxa marginal, em linha com os escalões que são considerados para a liquidação anual do imposto, o que levará a uma descida da retenção. Assim, um funcionário solteiro e sem filhos com um salário de 861,23 euros vai passar a reter 6,7% (57,7 euros), e não 10% (86,12 euros), como atualmente, o que significará um alívio de 28,72 euros. Por isso, em vez de ficar com um ordenado líquido de 650,23 euros, o trabalhador irá receber 678,65 euros.
por Salomé Pinto:
IRS, contribuições sociais e ADSE absorvem aumento de 104 euros no Estado (dinheirovivo.pt)
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