Grupo de topo dos "representantes do poder legislativo, dirigentes e gestores executivos" é onde os salários mais valorizam, seja no terceiro trimestre, seja face ao verão de 2021. Tiveram aumentos de 11%, acima dos 9,1% da inflação.
Luís Reis Ribeiro
O salário médio líquido dos trabalhadores por conta de outrem interrompeu de forma inequívoca a tendência de valorização que já durava há oito anos.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) ontem publicados no âmbito do Inquérito ao Emprego do terceiro trimestre e analisados pelo Dinheiro Vivo (DV), o salário líquido trimestral registou uma descida de 0,5% nos meses do verão passado (trimestre de julho a setembro), naquela que é a maior redução desde o início de 2014, quando o país tentava a saída do programa de ajustamento da troika.
Considerando apenas o trimestre estival, é o maior recuo desde o primeiro verão com a troika, em 2011, estava o programa de austeridade a começar.
Como referido, o salário médio líquido, uma medida que é calculada a partir dos rendimentos de quase 4,2 milhões de trabalhadores por conta de outrem (TCO), estava a recuperar desde o início de 2014 de forma paulatina.
Entre o final de 2021 e o segundo trimestre deste ano ganhou 28 euros, fixando-se em 1039 euros líquidos mensais, o maior valor das séries do INE.
Mas no terceiro trimestre, já afetado pelo enfraquecimento do mercado de trabalho (ver mais abaixo neste artigo) e pelo ambiente de crise energética e inflacionista que está a afetar o arranque de muitos investimentos e a procura, o salário médio líquido dos TCO haveria de recuar cinco euros, mostra o INE.
É preciso recuar ao início de 2014 para encontrar um retrocesso maior em termos trimestrais (menos 8 euros, uma quebra de 1%).
Políticos, gestores de topo e chefes escapam à inflação
Sendo uma média relativa a uma população de grandes dimensões (os referidos 4,2 milhões de empregados por conta de outrem), o salário líquido apurado pelo INE encerra diferentes realidades.
Desagregando por classes profissionais, fica claro que o grupo de topo composto por "representantes do poder legislativo e de órgãos executivos, dirigentes, diretores e gestores executivos" é onde os salários mais valorizam, seja no trimestre, seja face ao verão de 2021.
Em termos homólogos, estes profissionais de topo obtiveram um acréscimo superior a 11% no salário médio líquido, o mesmo que dizer que até ganharam poder de compra, tendo em conta que a inflação homóloga do trimestre julho-setembro foi de 9,1% (contas do DV).
Entre trimestres, idem. Os políticos e chefes de topo registam um aumento salarial líquido superior a 4%.
O grupo dos trabalhadores "não qualificados", os que menos ganham, também conseguiram escapar à escalada da inflação, ainda que por um triz. O aumento salarial líquido homólogo foi de 9,9% no terceiro trimestre, mas de apenas 1,8% face ao trimestre precedente.
As remunerações do grupo dos altamente qualificados ("especialistas das atividades intelectuais e científicas") ficaram virtualmente estagnadas, avançando uns magros 0,2% face ao verão de 2021. Entre trimestres, o aumento foi de 1,9%.
Os grupos profissionais grandes, com mais empregados, também não estão a conseguir acompanhar a inflação. Os salários líquidos dos "técnicos e profissionais de nível intermédio" aumentaram 5%. O grupo do "pessoal administrativo" obteve uma valorização salarial de 2,4%.
Os "trabalhadores dos serviços pessoais, de proteção e segurança e vendedores", outra das profissões mais representativas da economia, registou um acréscimo salarial homólogo de 6,5%. Os agricultores e pescadores levaram para casa mais 5,3%, cerca de metade da inflação registada no verão.
Mercado laboral começa a vacilar
Ontem, 9 de novembro, o INE mostrou também que começam a surgir sinais claros de enfraquecimento do mercado de trabalho, seja no emprego, seja no desemprego.
Por exemplo, a criação de emprego em Portugal está a perder força de forma visível e no terceiro trimestre foi de apenas 1% face a igual período de 2021.
Este avanço de 1% é o pior registo desde o primeiro trimestre de 2021, mas nessa altura Portugal estava sujeito a um duro confinamento por causa da alta mortalidade e do número muito elevado de doentes e internamentos relacionados com a pandemia da covid-19.
Tal como acontece no caso da taxa de desemprego, aquela evolução no número de empregos também é a pior das séries do INE na mesma estação do ano, descontando, claro, dois momentos totalmente anómalos: o primeiro ano da pandemia (2020) e os dois primeiros anos da troika (2011 e 2012). Nestes dois períodos, o emprego afundou.
De acordo com os nossos cálculos, apenas houve criação líquida de emprego no grupo dos trabalhadores por conta de outrem. De resto, todas as outras situações profissionais vivem momentos complicados.
O número de trabalhadores que exercem atividade de forma isolada registou uma quebra de 4,6% (para cerca de 459 mil profissionais nesta situação).
É um tombo praticamente igual ao colapso de 4,7% que aconteceu há dois anos, no terceiro trimestre de 2020, quando a pandemia entrou pela economia a dentro e obrigou ao encerramento de negócios, sobretudo pequenos. Muitos deles nunca reabriram, como se sabe.
O INE mostra também que o número de trabalhadores por conta própria que atuam como empregadores (portanto, têm algumas pessoas ao serviço) estagnou (0%) no terceiro trimestre.
A taxa de desemprego nacional também subiu para 5,8% da população ativa no terceiro trimestre deste ano, apesar do verão fulgurante em muitas atividades, sobretudo no turismo.
Tirando o primeiro ano da pandemia (2020) e os dois primeiros anos do programa de austeridade (2011 e 2012), é a primeira vez que a taxa de desemprego aumenta nos meses de verão em Portugal, mostram as séries do INE.
O agravamento do desemprego está essencialmente concentrado na área da Grande Lisboa e na região Norte.
Salário médio líquido sofre maior queda trimestral desde o tempo da troika (dinheirovivo.pt)
Comentários
Enviar um comentário