Rui Miguel Nabeiro: “Hoje o sonho da maioria dos miúdos é formar a sua própria empresa e isso é um ativo importantíssimo”
Presidente da Delta Cafés diz que o grupo também está a ser confrontado com a falta de trabalhadores. Uma situação para a qual não encontra explicação.
Pedro Lima, Editor-adjunto de Economia:
Portugal devia empenhar-se em manter no país as grandes ideias nascidas no seio das incubadoras de negócios e das startups, defende o presidente do grupo Nabeiro – Delta Cafés, que em março foi eleito presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP).
“As pessoas irem trabalhar para fora de Portugal não é necessariamente mau. Mas os governantes tinham a obrigação de tentar segurar em Portugal as startups que são cá criadas, tivessem de fazer o que tivessem. O que é um facto é que essas empresas ganham uma determinada dimensão e, como não têm incentivos para cá ficar, deslocam-se, não são só os empresários que vão morar lá para fora, as empresas acabam mesmo por ir pagar impostos para outro lado quando foram formadas aqui”, afirma. “Hoje temos incumbadoras boas de startups, temos muito boas startups, muito boas ideias, seria muito bom que conseguíssemos segurar aquelas que ganham dimensão porque tenho a certeza de que isso iria trazer muito valor, temos o caso da Farfetch que emprega 400 pessoas no Norte do país, mas é preciso ter mais. Muitas vezes deixa-se ir embora essas empresas com muita ligeireza, não devíamos deixá-las ir embora”.
Há, por outro lado, que potenciar a vontade das novas gerações de terem os seus próprios negócios. “Hoje vemos que os mais jovens já não querem seguir uma carreira numa empresa, querem é formar a sua própria empresa e isto é um valor incrível. Quando tirei a minha licenciatura toda a gente queria trabalhar para a PWC ou para a KPMG ou para um banco, hoje o sonho da maioria dos miúdos é formar a sua própria empresa e isso é um ativo importantíssimo, é uma riqueza”.
A falta de trabalhadores em vários sectores de atividade é uma questão para a qual não encontra justificação. “Sente-se transversalmente em todos os sectores muita dificuldade em recrutar pessoas, é um tema que não consigo explicar muito bem, nunca o sentimos antes e também estamos a passar por isso”, afirma o presidente da Delta. “Em Campo Maior isso não nos acontece naturalmente mas estamos no país todo e começamos a sentir muita dificuldade em recrutar. É um tema que tem de ser analisado. Na restauração a AHRESP fala em 80 mil pessoas que faltam para trabalhar no sector. Nas nossas lojas temos uma dificuldade enorme em recrutar, sendo nós a empresa para a qual as pessoas mais querem vir trabalhar temos dificuldade, por isso não quero imaginar o que os outros estão a viver”, afirma, numa alusão às distinções que o grupo Delta tem recebido ao ser reconhecido como “a melhor empresa para trabalhar” por estudos relacionados com recursos humanos.
MUNICÍPIOS COM PAPEL DETERMINANTE
O desenvolvimento sustentado do país deve resultar de uma conjugação de esforços em que os municípios têm um papel determinante na criação de riqueza nas regiões mais deprimidas em termos económicos, nomeadamente no interior do país.
“Acredito que, mais que o governo central, os municípios têm um papel muito relevante, qualquer município que saiba que é o maior empregador da sua região tem de ficar de ficar muito preocupado, é sinal de que no médio/longo prazo a sua região não tem sustentabilidade suficiente e sabemos que há muitos municípios que são o maior empregador. Há que perceber quais as riquezas que cada município tem, qualquer presidente de câmara tem a obrigação de incentivar as empresas da sua região a criarem valor”, diz Rui Miguel Nabeiro.
O presidente da CCIP dá o exemplo da Delta. “Temos de ir à procura das riquezas de cada região. Porque é que a Delta está em Campo Maior? Claro que é também porque o meu avô nasceu aqui mas está aqui porque havia uma história de produção de café aqui. Na zona da Serra da Estrela há o queijo da Serra, que é possível transformar e criar riqueza, outras zonas terão outras riquezas, temos de as identificar, mas é um trabalho muito minucioso e tem que haver quem queira investir nesses projetos”. Acredita também que o desenvolvimento pode chegar arrastado pelo efeito do turismo.
“Sejam que projetos forem, têm de ser suficientemente sustentáveis, não podem ser projetos que resultem só do facto de haver incentivos fiscais. Nós em Campo Maior somos sustentáveis, temos a nossa fábrica aqui, as nossas pessoas, fisicamente estamos aqui, não é muito fácil pegar na fábrica e levá-la para outro lado. O interior precisa de coisas que sejam sustentáveis no médio e no longo prazo, projetos com marcas, sólidos, que tragam riqueza às regiões. Não faz sentido estar a criar empresas artificiais só para beneficiar de incentivos fiscais. Já vimos este filme”.
Rui Miguel Nabeiro considera, por outro lado, que “quem cria valor é a iniciativa privativa, quem gera empregos são as empresas, o papel do Estado é criar condições para que vivamos bem, tudo o resto têm de ser as empresas a fazer, os empresários. Aquilo que qualquer político possa fazer que facilite a vida no sentido de ser mais ágil, mais eficiente, mais prático, de motivar as pessoas é importante”.
Defende por outro lado que haja maior previsibilidade a nível fiscal. “Não podemos todos os anos em cada Orçamento do Estado mudar as regras do jogo. Independentemente de serem muitos ou poucos impostos, a carga fiscal tem de ser muito mais previsível porque as empresas fazem os seus planos de investimento, desenham as coisas de uma determinada maneira e depois ao fim de um ano as regras já são outras. Estamos a falar sobretudo de quem vem investir em Portugal. A previsibilidade é das coisas que mais atrai investimento. Saber qual a carga fiscal que vamos ter no médio e longo prazo é uma riqueza muito grande quando estamos a tentar ir buscar investimento”.
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