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Medina tem poupança enorme na despesa e margem secreta na receita à boleia da inflação


Ministro das Finanças, Fernando Medina © EPA/JOSE SENA GOULAO


 OE2022. Apesar da guerra, inflação, dos juros que já superam 3% e rumores de recessão na Europa, governo está decidido a comprimir défice deste ano para 1,9%. UTAO explica parte do processo à volta das "contas certas".


Por Luís Reis Ribeiro:


O caminho para baixar o défice público deste ano para o equivalente a 1,9% do produto interno bruto (PIB), como pretende o governo no Orçamento do Estado de 2022 (OE2022), vai ser ajudado por três fatores de calibre significativo, indica a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) numa análise à evolução das contas públicas, ontem divulgada no site do Parlamento (Relatório UTAO n.º 9/2022: Evolução Orçamental: janeiro a abril de 2022).


Segundo a entidade coordenada pelo economista Rui Baleiras, já é possível estimar valores para a poupança na despesa decorrente do alívio na situação pandémica e perceber o impulso dado pelos fundos europeus, por exemplo.


Mas há um terceiro vetor, não menos importante: a forte subida dos preços que recaem sobre as empresas e os consumidores finais está a inflacionar a receita fiscal. Este efeito, como aliás reparou recentemente o Conselho das Finanças Públicas (CFP), vai ser muito visível, mas apenas este ano.


Em 2023, a inflação vai cair com estrondo nas contas públicas. As pensões vão ter um aumento recorde, por exemplo.


A unidade que auxilia o Parlamento nos temas orçamentais refere que as Finanças de Fernando Medina não revelaram ainda o tamanho deste último bónus (efeito da inflação sobre a receita), o que pressupõe um trunfo para poder usar mais tarde neste ano.


Trata-se de um trunfo importante se a situação económica e orçamental se degradar muito, com os juros a subir e a economia a travar, por exemplo.


"Importa notar que o previsor Ministério das Finanças não considerou como medidas do pacote inflação a inação sobre os efeitos benéficos da inflação nas contas públicas de 2022", observa a UTAO.


"Não há quantificação de metas a este nível, mas a inflação este ano vai melhorar a cobrança fiscal e não penalizar a despesa com pensões e salários, na ausência de alterações transversais nos parâmetros destas variáveis sensíveis à subida do nível geral de preços (exemplos: atualização dos escalões do IRS e dos limiares de IRC e taxas de variação anual das tabelas remuneratórias e das pensões)", explica o grupo de peritos.


Bom agora, mau em 2023, avisa o CFP


Tal como noticiou o Dinheiro Vivo em abril, o CFP também detetou esta margem cujo valor o governo mantém em segredo.


A inflação elevada e que deve acelerar nos próximos meses vai ter efeitos destrutivos nas contas públicas, sobretudo no próximo ano, avisou o Conselho na sua análise da proposta de OE2022.


No entanto, no curto prazo, que é como quem diz este ano (2022), a inflação dá uma espécie de alívio, sobretudo por via da receita fiscal e do facto de os salários dos funcionários públicos não terem sido atualizados com base nessa inflação mais alta, o que serve de travão momentâneo, mas muito relevante, à despesa pública.


A inflação já supera os 8%, mas os trabalhadores públicos foram brindados com um aumento de apenas 0,9% este ano (desde janeiro).


"Sendo 2022 o primeiro ano de um processo inflacionista não totalmente antecipado, o saldo orçamental tende a melhorar no muito curto prazo por via de vários mecanismos que, contudo, rapidamente se esgotam", observou a entidade presidida por Nazaré Cabral.


Um dos efeitos fugazes reside na "reação automática da receita de IVA à subida do preço dos bens e serviços consumidos por famílias".


Outro efeito de curta duração advém "da não atualização dos escalões (não desdobrados) de IRS".


O "aumento predeterminado dos vencimentos dos funcionários públicos" também dá uma ajuda grande, mas só em 2022.


UTAO deteta outras folgas face a 2021


Além do impulso fugaz dado pela inflação, há outros extras a ter em conta na execução do OE2022.


A mais relevante passa pelo alívio na pandemia e, consequentemente, no custo público com as chamadas "medidas de política covid-19", que deve permitir ao governo poupar mais de 4,4 mil milhões de euros este ano face às contas de 2021, indicou a UTAO na referida análise à evolução até abril, em contabilidade pública, a que é usada pelas Finanças para apurar a execução mensal da despesa e da receita.


Só essa poupança equivale a cerca de 1,9% do PIB, exatamente a meta de défice que o governo gostaria de atingir este ano (em contas nacionais).


Esta redução de gastos de elevado calibre acabará, se for concretizada, por ser decisiva para "as contas certas" e o desejado brilharete orçamental prometido para 2022.


Em 2021, o governo terá gasto em termos líquidos em medidas covid (portanto despesa a mais e receita a menos) cerca de 5279 milhões de euros. Este ano, pelas contas do grupo de peritos coordenado por Rui Baleiras, a fatura com covid deve agravar o saldo orçamental em 875 milhões de euros.


É uma diferença monumental. Menos 4404 milhões de euros em gastos líquidos, o que dá uma quebra superior a 80% entre 2021 e o previsto para o final deste ano no Orçamento entretanto aprovado.


A UTAO refere que este "prevê uma redução significativa (face à execução de 2021) do esforço financeiro das Administrações Públicas com as medidas de combate à pandemia".


Mas, em compensação, as medidas do pacote "inflação e Ucrânia" devem agora "agravar mais o saldo global do que as medidas covid-19". A pandemia está a ser substituída pela guerra, por assim dizer.


Mais subsídios


Como referido, a UTAO constata ainda o efeito grande previsto dos subsídios europeus na despesa, mas sem que isso se reflita no saldo final (em mais défice), já que a receita (verbas europeias) acompanha em linha.


"O ano de 2022 marca a aceleração na implementação do PRR, com uma despesa previsional de 3,2 mil milhões de euros, inteiramente financiada por subvenções comunitárias. Deste total, cerca de 3,1 mil milhões de euros deverão ser executados nos subsetores Administração Central e Segurança Social", observam os especialistas.


Medina tem poupança enorme na despesa e margem secreta na receita à boleia da inflação (dinheirovivo.pt)


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