Há mais fronteiras europeias questionadas do que as reclamadas pelo imperialismo russo – e Portugal está envolvido
Por Francisco Laranjeira
A invasão da Ucrânia pela Rússia está a redefinir as fronteiras historicamente instáveis da Europa. Além do desejo imperialista russo, há muitas linhas divisórias em outras zonas do Velho Continente que nem sempre contam com a aprovação dos países vizinhos ou, pelo menos, de sectores irredentistas que reivindicam o seu próprio mapa nacional. E, sim, Portugal entra neste ‘particular’.
A Espanha é um dos países europeus com maior número de enclaves questionados pelos vizinhos, sobretudo no norte de África. Apesar de estar sob administração espanhola há cinco séculos, muito antes da existência de Marrocos como país, o reino alauíta incita regularmente a sua propaganda anexionista. Às cidades autónomas de Ceuta e Melilla, com mais de 80 mil habitantes cada, acrescem-se as praças de soberania ao largo da costa de Marrocos: as ilhas Chafarinas, as ilhas Alhucemas e o ilhote de Vélez de la Gomera. A ilhota Perejil, desabitada, sofreu um incidente militar há 20 anos.
Há ainda uma ‘questão’ com Portugal por causa da cidade de Olivença, na província de Badajoz – ocupada pelo exército espanhol no início do século XIX, o território passou para a Coroa espanhola em tratados da época, nunca anulados ou regovados. Portugal não reivindica formalmente Olivença ou a vizinha cidade de Táliga mas também não renuncia a sua reivindicação.
Também na Península Ibérica está a questão do rochedo de Gibraltar com o Reino Unido. Ocupado pelos britânicos no início do século XVIII, a cessão foi ratificada no Tratado de Utrecht. As reivindicações históricas dos diferentes governos espanhóis, com maior ou menor intensidade, foram sempre descartadas.
O Reino Unido não tem apenas Gibraltar como única questão pendente no Velho Continente. A principal das quais está na fronteira entre a Irlanda do Norte britânica e a República da Irlanda. Movimentos irredentistas irlandeses, com força política mas já afastado das armas, exigem a unidade da ilha como um só país. O traçado da fronteira, após a divisão da ilha na década de 1920, deixou a franja do território do Lough Foyle, no estuário do rio Foyle, cujas águas são ainda disputadas pelos dois Governos.
Mas não só: os britânicos têm outra questão pendente no continente com mais três países envolvidos, um deles novamente a Irlanda. A rocha inabitável de Rockall, no Atlântico Norte, pertence ao Reino Unido, mas as suas águas também são disputadas pela Irlanda, Islândia e Dinamarca (devido à proximidade das Ilhas Faroé). Os quatro países litigaram nas Nações Unidas mas ainda não conseguiram resolver a questão.
No continente, o Lago de Constança, que separa Suíça, Áustria e Alemanha, é controverso. Oficialmente não há uma fronteira traçada pois não há acordo entre os países. A Suíça acredita que a linha deve ser traçada no meio do lago, a Áustria é a favor de uma soberania partilhada pelos três países e a Alemanha não tem uma posição oficial. Enquanto isso, essa anomalia internacional continua.
Entre a Alemanha e os Países Baixos também havia uma questão de fronteira não resolvida até a última década. O controlo das águas do estuário do rio Ems, que divide os dois países, foi objeto de litígio mas as negociações bilaterais resolveram a questão com um acordo para a distribuição entre os dois.
O topo do Mont Blanc, na cordilheira dos Alpes, não escapa à polémica numa disputa entre França e Itália. Embora tenham concordado em partilhá-lo desde meados do século XIX, os institutos geográficos dos respetivos países apropriaram-se da totalidade nas respetivas cartografias.
Os Balcãs também são uma zona ‘instável’ de fronteiras, sobretudo devido à guerra. O mais importante de todos, Kosovo, um Estado com reconhecimento limitado após a sua declaração unilateral de independência. A Sérvia ainda o considera uma região autónoma dentro do seu território. Metade dos países das Nações Unidas não reconhecem o Kosovo como um estado soberano, algo que acontece, por exemplo, na FIFA.
A Sérvia também tem questões com a Croácia, nas ilhas de Vukovar e Sarengrad, no Danúbio, uma fronteira natural; e com a Bósnia e Herzegovina, através do enclave de Sastavci, território bósnio dentro das fronteiras sérvias.
Bósnia e Croácia, por sua vez, disputam as ilhotas de Veliki Skolj e Mali Skolj, na costa de Neum, a única saída da Bósnia para o mar. A Croácia também tem um problema com a Eslovénia sobre o Golfo de Piran, cujas águas continuam em disputa, e, no interior, sobre um complexo militar fronteiriço perto de Sveta Gera. A ilha montenegrina de Prevlaka também é reivindicada pela Croácia.
Há mais ilhas em disputa: no sudente da Europa, Imia, como os gregos a chamam; ou Kardak, como os turcos chamam. Grécia e Turquia, historicamente maus vizinhos, por sua vez mantêm inúmeras disputas sobre a delimitação de águas territoriais, zonas económicas exclusivas e espaço aéreo.
Mais relevante ainda é a disputa na ilha de Chipre, dividida em duas após a invasão turca na década de 1970. A República Turca de Chipre do Norte, conhecida como Chipre do Norte, só é reconhecida como estado pela Turquia. Apesar da divisão, o Chipre ‘reclama’ com o Reino Unido sobre as bases soberanas de Akrotiri, no sul da ilha, e Dekelia, próximo à fronteira com o norte de Chipre – os britânicos garantiram essas áreas na década de 1960 após a independência da sua antiga colónia para manter o controlo das suas bases militares na ilha. Londres nunca demonstrou qualquer intenção de as abandonar, apesar de ser vista em Chipre como uma mancha colonial.
A Moldávia tem um conflito estagnado desde a era pós-soviética. O território da Transnístria, na fronteira com a Ucrânia, é de facto independente. A Rússia mantém forças militares lá, embora o Kremlin não o reconheça como país.
A Geórgia é outro país ‘instável’ na sua fronteira com a Rússia – a Abkhazia e a Ossétia do Sul são independentes do Governo de Tbilisi após a guerra de 2008, com os secessionistas apoiados por Moscovo. Outro conflito armado também abalou recentemente o Cáucaso: o Alto Karabakh, que motivou um conflito entre a Arménia e o Azerbaijão, que saiu vencedor.
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