Tiago Pitta e Cunha, criador da Fundação Oceano Azul, avisa que está em causa a sobrevivência da vida marinha, a existência de cada vez mais fenómenos meteorológicos extremos e até a própria subsistência do ser humano.
O calor acumulado nos oceanos bateu novos recordes pelo sexto ano consecutivo, indica uma investigação com dados até 2021, publicada, esta segunda-feira, na revista científica "Advances in Atmospheric Sciences".
Os autores do trabalho, realizado por 23 investigadores de 14 institutos de vários países do mundo, alertam que as temperaturas no mar bateram recordes pelo sexto ano consecutivo, e lembram que são resultados do final do primeiro ano da Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030).
O relatório resume dois conjuntos de dados internacionais, do Instituto de Física Atmosférica (IAP, na sigla original), da Academia Chinesa de Ciências, e dos Centros Nacionais de Informação Ambiental, da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla original), dos Estados Unidos, que analisam observações sobre o calor nos oceanos e o seu impacto desde a década de 1950.
O aquecimento dos oceanos "está a aumentar incessantemente, a nível global, e este é um indicador primário da mudança climática induzida pela humanidade", disse um dos autores do documento, Kevin Trenberth, do Centro Nacional de Investigação Atmosférica do Colorado, Estados Unidos.
No último ano, os investigadores calcularam que os primeiros 2.000 metros de profundidade em todos os oceanos absorveram mais 14 zettajoules de energia sob a forma de calor do que em 2020, o equivalente a 145 vezes a produção mundial de eletricidade em 2020.
Toda a energia que os seres humanos utilizam em todo o mundo num único ano é cerca de metade de um zettajoule (um zettajoule é um joule, unidade para medir energia, seguido de 21 zeros).
Além de calor, os oceanos absorvem atualmente entre 20% e 30% das emissões de dióxido de carbono produzidas pela humanidade, levando à acidificação dos oceanos, disse Lijing Cheng (IAP), acrescentando que "o aquecimento dos oceanos reduz a eficiência da absorção de carbono e deixa mais dióxido de carbono no ar".
Os investigadores também avaliaram o papel de diferentes variações naturais, tais como as fases de aquecimento e arrefecimento conhecidas como "El Niño" e "La Niña", que afetam grandemente as mudanças de temperatura regionais.
Segundo Lijing Cheng, as análises regionais mostram que o forte e significativo aquecimento dos oceanos desde o final dos anos 1950 ocorre em todo o lado e que as ondas de calor marinhas regionais têm enormes impactos na vida marinha.
De acordo com Lijing Cheng o estudo mostra também que o padrão de aquecimento dos oceanos é o resultado de mudanças na composição atmosférica relacionadas com a atividade humana.
"À medida que os oceanos aquecem, a água expande-se e o nível do mar sobe. Os oceanos mais quentes também sobrecarregam os sistemas climáticos, criando tempestades e furacões mais poderosos, bem como aumentando a precipitação e o risco de inundações", alertou.
<strong>"Oceanos são o super-herói esquecido das alterações climáticas"</strong>
Tiago Pitta e Cunha, criador da Fundação Oceano Azul e antigo coordenador da Comissão Estratégica dos Oceanos, afirma que se está a criar uma "tempestade perfeita" para destruição.
Em declarações à TSF, o vencedor do Prémio Pessoa de 2021 refere que o novo recorde de calor acumulado nos oceanos é a pior notícia que podia receber. "Mais de 90% do excesso de calor que o aquecimento global está a gerar no planeta é absorvido pelos oceanos. Nós só estamos vivos ainda e as nossas sociedades humanas só são viáveis porque esse calor está a ser absorvido pelos oceanos. A questão é saber até quando é que os oceanos vão conseguir", indica. "Neste momento, é o equivalente a sete bombas atómicas por segundo durante 24 horas em 365 dias por ano."
Tiago Pitta e Cunha defende, em declarações à TSF, políticas de ação climática para os oceanos
O especialista alerta para os três grandes problemas causados por esta realidade: "o impacto na vida dos seres marinhos" (nota, por exemplo, que, no espaço de 25 anos, desapareceram quase 50% dos corais do planeta); os "fenómenos atmosféricos extremos" (como furacões, depressões e ciclones), que põem em causa "a salvaguarda da vida humana já", e, a longo prazo, o "degelo dos polos" e "o aumento no nível do mar".
"Estamos aqui numa tempestade perfeita para chegarmos ao fim do século com um enorme aumento da temperatura que neste momento não é calculável pelos cientistas e que terá consequências imprevisíveis, pela inundação das bacias hidrográficas do planeta, onde produzimos a maior parte da alimentação dos seres humanos", sublinha.
Para Tiago Pitta e Cunha, os oceanos são "o super-herói esquecido e ignorado" das alterações climáticas, pelo que é preciso criar "um programa de combate às alterações climáticas do oceano propriamente dito".
Comentários
Enviar um comentário