Como o Vietname controlou em três meses a epidemia com zero mortos (com o primeiro caso no final de janeiro)
Três meses depois dos primeiros casos, o Vietname está há 13 dias sem novos casos e as estatísticas dão conta de 270 casos infetados, sem mortos. Testes, confinamento e confiança foram a chave.
▲Vietname há dado como um dos melhores exemplos no combate à Covid-19, como Nova Zelândia, Taiwan e alguns países escandinavos
Três meses passados dos primeiros casos positivos e o Vietname já assume que tem a pandemia da Covid-19 controlada. Sustenta-se nos números: 270 casos positivos, 255 dos quais já recuperados, e zero mortes. Há treze dias que não há registo de nenhuma nova infeção e o país começa agora abrir aos poucos as portas de restaurantes, cabeleireiros e serviços essenciais. Mas como é que um dos países que faz fronteira com a China, o epicentro da pandemia, e que tem quase 100 milhões de habitantes, é agora visto pela comunidade internacional como um exemplo de sucesso?
O anúncio foi feito há dois dias pelo primeiro-ministro Nguyen Xuan Phuc: “O Vietname tem a pandemia sob controlo”. Os três primeiros casos positivos no país foram detetados em finais de janeiro. Eram três viajantes que tinham chegado da cidade chinesa de Wuhan. Na altura o governo agiu rapidamente. Desdobrou-se a rastrear os contactos destas pessoas e montou instalações para receber todos os suspeitos que teriam que ficar em quarentena. As instalações eram controladas pelo governo comunista do País e todos os casos foram testados várias vezes, não bastando um negativo para que pudessem sair do isolamento. Foram também testados todos os vietnamitas que quiseram regressar ao país.
Também nos testes o governo foi muito rápido a agir. Se aos primeiros positivos havia apenas três laboratórios a fazer testes, em abril eram já 112. Os resultados destas medidas estão agora à vista e estão a servir de exemplo na comunidade internacional. Há quem questione se estes números são verdadeiros, mas feitas as devidas análises percebe-se que seria difícil escondê-los.
A Reuters contactou mesmo os laboratórios que fizeram os testes para perceber se os números batiam certo. Nada a obstar. Depois contactou também 13 casas funerárias em Hanói para perceber se o número de mortes tinha aumentado e a resposta foi surpreendente: nem aumentaram e até caíram desde que o país fechou portas. Tal como em Portugal houve também uma redução da circulação rodoviária e o consequente número de acidentes e de vítimas desceu a pique.
Também o The Washington Post, tentou perceber o segredo por detrás da estratégia vietnamita e concluiu, através de alguns especialistas, que o sucesso se resumiu a três medidas chave: a triagem e o teste de temperatura, os confinamentos direcionados e a comunicação constante, explicaram Robyn Klingler-Vidra do King’s College de Londres e Ba-Linh Tran, da Universidade de Bath.
Comparando com outros países, na luta contra o novo coronavírus, o Vietname não foi dos que mais testou. Fez 200 mil testes, para uma população de quase 100 milhões, enquanto os Estados Unidos já fizeram 5 milhões e contam com mais de 61.000 mortos com a Covid-19 – um número que superou as baixas americanas na Guerra do Vietname.
No entanto, salienta a Reuters, a proporção de testes para cada caso confirmado é de longe a mais alta do mundo. Ao compilar os dados do Ministério da Saúde, a Reuters mostra que o Vietname fez 791 testes por cada caso confirmado. Nesta lista de testes, Taiwan aparece a seguir, com uma proporção de 140 testes por cada caso.
O Vietname não é um país que se destaque pela tecnologia, como a Coreia do Sul ou Taiwan, e também não é um país pequeno como Hong Kong ou a Islândia, nem tem a carismática Jacinda Ardern, que lidera a Nova Zelandia, ou a alemã Angela Merkel. 45 anos depois da guerra, o Vietname continua a ser uma nação comunista de um só partido. Ainda assim, e perante este cenário, o governo decidiu também durante o combate à pandemia comunicar. E informou sempre todos os cidadãos por SMS dos dados que o Ministério da Saúde ia reunindo no combate ao vírus.
O 9News lembra que o país não é novato nestas matérias. E que aprendeu muito com o surto de SARS (síndrome respiratória aguda grave) em 2003 e, depois, com a pandemia da gripe suína (H1N1) em 2009.
Ainda de acordo com a Reuters, mal se deparou com primeiros três resultados positivos, aumentou logo a capacidade de diagnóstico através dos testes, impedindo que o vírus propagasse e chegasse aos mais vulneráveis. Todd Pollack, especialista em doenças infecciosas na Harvard Medical School disse que com isso conseguiu outro dado extraordinário: menos de 10% das pessoas que testaram positivo para o vírus tinham mais de 60 anos – a faixa etária com maior probabilidade de morrer com a Covid-19. Pollack compara o caso do Vietname com a Coreia do Sul que conseguiu lançar um grande programa de testes e manter as mortes relativamente baixas.
“A taxa de mortalidade de casos na Coreia do Sul é de cerca de 2%, em parte porque eles estão a testar amplamente”, disse Pollack. “Se aplicarmos essa taxa ao número de casos confirmados do Vietname e considerarmos todos esses fatores, poderemos perceber como eles evitaram mortes até agora”.
A aceleração dos testes no Vietname registou-se conjuntamente com um programa completo de rastreamento de contactos e a quarentena de dezenas de milhares de pessoas. Grande parte destas pessoas eram vietnamitas que tinham regressado ao país vindos de outros países da Europa e dos Estados Unidos.
No início de março, apenas uma fração das dezenas de milhares de chegadas aos centros de quarentena montados foram testadas, segundo dados do Ministério da Saúde. Mas, no início de abril, os números de testes começaram a superar o número dos que estavam em quarentena permitindo repeti-los até terem certezas. Foram também testados grupos de pessoas que não estavam em quarentena, mas que tinham estado expostos ao vírus.
Um governo com um ministro da Saúde interino
Todas estas medidas, lembra o The Diplomat, foram tomadas sem um ministro da Saúde, ou melhor, com um ministro interino e provisório – uma vez que o ministro, Nguyen Thi Kim Tien, que tutelava esta pasta se aposentou em novembro e não havia ainda um sucessor nomeado. O substituto interino é o também vice-primeiro-ministro Vu Duc Dam, um funcionário do Partido Comunista, que é engenheiro de telecomunicações e não tem qualquer experiência em saúde pública. Dam tem sido visto pela opinião pública como um verdadeiro herói.
A Dam, no entanto, valeu a estratégia de saúde pública já montada pela antecessora que é epidemiologista. Tien criou um sistema preventivo robusto que permitiu lidar com este desafio. Mas o Governo conseguiu também ultilizá-lo e criar ferramentas de comunicação que permitiram suster o surto. Para tal também serviu a lição deixada em 2016 pelo maior desastre ambiental do país, causado pela fábrica de aço – a Formosa – na província de Ha Tinh. O derrame provocou a intoxicação de centenas de pessoas e a morte de milhares de peixes ao longo de 200 quilómetros de costa. Quando o governo permitiu que voltasse a laborar, foi alvo de várias críticas e de manifestações, o que é raro acontecer neste país.
Eleito para liderar o governo a meio desse desastre, o primeiro-ministro Phuc terá percebido que era importante restabelecer a confiança do povo. Além da estratégia de comunicação que usou, o governante aplicou também as regras de distanciamento social, encerrou fronteiras e propôs vários pacotes de estímulos para reduzir as consequências financeiras da pandemia nas pessoas e empresas.
https://observador.pt/2020/04/30/como-o-vietname-controlou-em-tres-meses-a-epidemia-com-zero-mortos-com-o-primeiro-caso-no-final-de-janeiro/
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