“Lisboa é uma das cidades mais inabitáveis do mundo”. É desta forma que uma revista norte-americana fala dos problemas da especulação imobiliária e da “Airbnbificação” na capital portuguesa.
“O custo da habitação em Lisboa é tão elevado que é ainda mais inviável para os inquilinos do que Nova Iorque“, aponta a revista Jacobin que é a “voz” da esquerda americana, “oferecendo perspectivas socialistas em política, economia e cultura”.
A publicação nota que as “tentativas de resolver o problema por meio da “eficiência do mercado” pioraram o problema”.
O artigo da Jacobin recorda o ranking que coloca Lisboa como a terceira cidade mais cara do mundo para se viver e que foi divulgado em Maio deste ano, tendo por base os salários e o custo das casas. A capital portuguesa fica à frente de cidades como Paris e Nova Iorque, e apenas atrás de Londres e Roma.
Quem vive em Lisboa tem que “dedicar de 50 a 60 por cento do seu salário à renda se tiverem um emprego bem remunerado”, conta à revista o geógrafo Agustín Cocola-Gant. Mas quem ganha o salário mínimo, nem pode pensar em arrendar, lamenta este residente na cidade.
Nos últimos anos, a população residente tem caído de forma assinalável, sobretudo nos bairros mais típicos, face ao custo de vida. A Jacobin dá o exemplo flagrante dos mais idosos que têm sido “forçados a sair dos bairros onde passaram a vida inteira”.
Mas como é que se chegou aqui?
O actual cenário resulta de uma “tempestade perfeita de más políticas” focadas no desenvolvimento de “actividades de baixo valor agregado, das quais o turismo é a galinha dos ovos de ouro“, como diz à Jacobin o geógrafo Luís Mendes da Universidade de Lisboa e consultor na área da Habitação na Câmara Municipal de Lisboa (CML).
O boom turístico e os Vistos Gold ajudaram a inflaccionar os preços dos imóveis, uma vez que a sua obtenção está directamente relacionada com a compra de uma propriedade no valor de, pelo menos, 500 mil euros.
Mas Lisboa também se tornou na cidade da moda, atraindo celebridades como Madonna e Michael Fassbender que se mudaram para Portugal. Transformou-se ainda na “cidade it-girl para turistas, nómadas digitais e start-ups”, nota a Jacobin, atraindo, ao mesmo tempo, investidores estrangeiros e muitos proprietários locais.
Isso tudo deu asas à especulação imobiliária, com vários proprietários a usarem expedientes da lei para despejarem inquilinos, apostando em formas de arrendamento mais lucrativas, como, por exemplo, através da plataforma Airbnb, piscando o olho a mais turistas.
A par disso tudo, os baixos salários mantiveram-se em Lisboa.
Na situação actual, “os preços correspondem ao poder do consumo global, não ao local”, como refere Cocola-Gant à Jacobin.
Há casas vazias e falta de casas para arrendar
A par de tudo isto, há quem lamente a falta de casas para arrendamento porque estarão maioritariamente focadas no turismo.
Uma ideia que a vereadora da Habitação da CML, a social-democrata Filipa Roseta, rebate, afiançando que existem “48 mil casas vazias” na cidade, excluindo os arrendamentos turísticos. É este número que deve “preocupar”, como diz a vereadora à Jacobin.
“Das 320.000 habitações de Lisboa, 48.000 estão vazias, 20.000 são unidades Airbnb“, segundo números apurados pela revista.
Entre as casas vazias, algumas podem estar a precisar de obras, ou podem ter sido abandonadas pelos proprietários ou pelos investidores.
Enquanto isso, há “seis mil famílias na lista de espera da cidade“, aguardando a atribuição de uma casa, como nota a Jacobin.
A revista recorda ainda que o Programa Renda Acessível pretendia criar sete mil rendas acessíveis através da cooperação público-privada, mas ainda só criou algumas centenas.
Já a construção de apartamentos luxuosos para estrangeiros e especuladores continua a bom ritmo.
“PS e PSD agiram no interesse do capital”
No meio de tudo isto, a revista evidencia “o vínculo incestuoso entre o capital e os partidos” e nota que tanto o PS como o PSD “agiram no interesse do capital”. “A sua ideologia dominante é que um mercado com espaço para agir como “destinado” garantirá um equilíbrio feliz entre oferta e procura”, constata a publicação.
Assim, estes dois partidos têm apostado em dar incentivos fiscais, flexibilidade nos despejos e até “terrenos públicos” ao sector privado, salienta a Jacobin.
“Estamos a planear políticas que misturam o público e o privado: a cidade disponibiliza o terreno e pedimos a alguém para construir. Assim, por definição, é mais acessível quando as pessoas arrendam, porque o investidor não pagou pela terra”, nota Filipa Roseta à revista.
Lisboa é "a terceira cidade menos viável do mundo para se viver" (aeiou.pt)
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