O risco de lavagem de dinheiro através da utilização de blockchains públicas e descentralizadas, tal como é o caso da Bitcoin, é insignificante.
Diversos estudos [2] demonstram de forma clara que o risco de lavagem de dinheiro através da utilização de blockchains públicas e descentralizadas, tal como é o caso da Bitcoin, é insignificante, uma vez que todas as transações registadas numa blockchain pública, além de imutáveis, são acessíveis a todos e, por isso, rastreáveis. Ademais, ao contrário do que se possa pensar, a grande maioria das blockchains públicas não são anónimas, pelo que é possível investigar e detetar atividades ilícitas (há até empresas como a Chainlysis que fazem dessa atividade o seu negócio). Pelo exposto, não há dúvida que o dinheiro físico é e continuará a ser o método mais fácil e seguro de lavar dinheiro.
Em meados de junho, o Banco de Portugal anunciou a conclusão do processo de registo da Criptoloja e da Mind The Coin, as duas primeiras entidades registadas para o exercício de atividades com ativos virtuais em Portugal (VASP, de Virtual Asset Service Providers), estando ambas autorizadas a efetuar serviços de troca entre ativos virtuais e moedas fiduciárias.
Esta notícia deveria ser motivo de congratulação. Porém, para os mais atentos, só tornou mais notório o despropositado procedimento de registo obrigatório junto do Banco de Portugal, implementado no seguimento da Lei 58/2020, que estabelece medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.
Em primeiro lugar, é preciso dar nota de que o legislador português, ao transpor para o ordenamento jurídico nacional a Diretiva (UE) 2018/843, também conhecida como a 5.ª Diretiva AML, não adotou um regime transitório entre a entrada em vigor da Lei e a produção dos seus efeitos, algo que tinha sido formalmente solicitado durante o período de consulta pública à proposta de lei, com fundamento em regimes transitórios anteriormente concedidos em situações análogas em Portugal e em soluções adotadas noutros Estados-Membros. O caso inglês é paradigmático uma vez que o regime transitório, que vigorava desde a entrada em vigor da lei que transpôs a diretiva, foi inclusivamente estendido em duas ocasiões, esta última para 31 de março de 2022, em razão do elevado número de pedidos de registos apresentados perante o regulador britânico.
Em resultado dessa infeliz transposição, as VASP que já exerciam atividades com ativos virtuais antes da entrada em vigor da Lei 58/2020 são obrigadas a suspender a sua atividade comercial e retomá-la apenas aquando da conclusão do registo junto do Banco de Portugal, o que se afigura como uma solução manifestamente atentatória das expectativas legítimas destas entidades.
Cabe ainda salientar que este registo se afigura moroso e complexo, ainda que as VASP prontamente disponibilizem a exaustiva documentação exigida pelo Banco de Portugal em todos os pedidos de registo e respondam aos subsequentes pedidos de esclarecimento, uma vez que as VASP são submetidas a um nível de escrutínio exigente e apenas equiparável ao de entidades financeiras, para o qual nem sempre estão preparadas – o que pode explicar alguns dos pedidos de registo não aprovados pelo regulador. Veja-se o exemplo da Criptoloja cuja conclusão do processo de registo demorou cerca de nove meses desde o pedido de registo inicial, o prazo limite, apesar de ter sócios com experiência no setor financeiro.
Esta complexidade e falta de flexibilidade não encontram paralelo e são, aliás, contrárias às recomendações internacionais que preconizam uma adequação da exigência à entidade que pretende ser regulada – note-se que, in casu, grande parte são, naturalmente, startups. Nesta senda, não se defende que o regulador deva ser facilitador, mas, ao invés, deve adotar um papel mais ativo e pedagógico para auxiliar as VASP a serem ‘compliant’ e a aproximá-las do seu âmbito regulatório.
Ainda assim, creio que Portugal se depara, de momento, com uma oportunidade única na emergente economia digital com a qual não deve ser despiciente.
Deve ser reiterado que é possível cumprir com as normas europeias relativas ao combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo e, concomitantemente, implementar um processo de registo baseado numa análise de risco ad hoc que promova o desenvolvimento de um ecossistema Português de criptoactivos robusto e competitivo [1]. Não se deve sujeitar empresas inovadoras num setor que se encontra em constante mudança a processos morosos e injustificados, motivados por medos não fundamentados.
Diversos estudos [2] demonstram de forma clara que o risco de lavagem de dinheiro através da utilização de blockchains públicas e descentralizadas, tal como é o caso da Bitcoin, é insignificante, uma vez que todas as transações registadas numa blockchain pública, além de imutáveis, são acessíveis a todos e, por isso, rastreáveis. Ademais, ao contrário do que se possa pensar, a grande maioria das blockchains públicas não são anónimas, pelo que é possível investigar e detetar atividades ilícitas (há até empresas como a Chainlysis que fazem dessa atividade o seu negócio). Pelo exposto, não há dúvida que o dinheiro físico é e continuará a ser o método mais fácil e seguro de lavar dinheiro.
Portugal pode e deve acolher a revolução digital, impulsionando-a e proporcionando as bases para as suas empresas poderem ser líderes. Para tal, contrariamente ao defendido por alguns players do ecossistema, certamente traumatizados com algumas “inovações jurídicas”, é necessário legislar.
O apoio à inovação dá-se, primeiramente, proporcionando segurança, certeza e previsibilidade jurídica para as empresas do setor, enquanto também se assegura a devida proteção dos consumidores e investidores. É o que tem sido feito em países como a França, Estónia ou a Alemanha que têm adotado legislação inovadora que as tem permitido serem jurisdições líderes no setor e onde várias VASP já se encontram registadas.
Este é o grande objetivo da União Europeia no seu pacote de financiamento digital, no âmbito do qual a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia esteve, aliás, a trabalhar nas propostas legislativas relativas a criptoativos. A este respeito, cabe também dar nota de que um dos pilares do nosso Plano de Recuperação e Resiliência é a transformação digital.
Assim sendo, porque não lideramos pelo exemplo e criamos Zonas Livres Tecnológicas em Portugal (cujos princípios gerais já se encontram previstos em Resolução do Conselho de Ministros) que promovam e facilitem o teste, em ambiente real, de tecnologias inovadoras? Com base na experiência adquirida, estaríamos numa melhor posição para elaborar um quadro legislativo ajustado às tecnologias emergentes e, em particular, à tecnologia blockchain e ao ecossistema em volta da mesma, de maneira a criar condições para a sua efetiva adoção e implementação.
Como disse Luís de Camões em Os Lusíadas, “um fraco Rei faz fraca a forte gente”. Nesta senda, o legislador português deve aproveitar a onda de empreendedorismo que se tem verificado em Portugal nos últimos anos (da qual, saliente-se, já resultaram quatro unicórnios!) e abraçar a oportunidade com que se depara, atraindo capital humano especializado e potenciando o nosso setor dos serviços, evitando a adoção de soluções inibidoras da inovação, baseadas, em exclusivo, no medo do desconhecido. Portugal pode e deve liderar este troço, dando o exemplo de como é possível fomentar e apoiar, atenuando, simultaneamente, os riscos inerentes. É altura de desmistificar ideias preconcebidas, desenvolver uma estratégia coesa e posicionarmo-nos na vanguarda da nova economia digital.
“O Instituto New Economy procura agregar líderes de indústria, profissionais e cidadãos que queiram promover a participação Portuguesa na economia digital organizando eventos educativos, publicando artigos de investigação e criando comissões de melhores práticas e de ética sobre novas tecnologias emergentes.”
[1] new.economy – Policy Brief #1 – Resposta à Consulta Pública n.º 5/2020 BdP – v1 (neweconomy.institute)
[2] https://cryptoforinnovation.org/resources/Analysis_of_Bitcoin_in_Illicit_Finance.pdf
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