Operadora apresentou queixas na Concorrência, Anacom e ERC por entender que a Media Capital está a adotar um "comportamento abusivo" nas negociações para acesso a canais.
Além de comunicações fixas e móveis, a Digi pretende fornecer em Portugal um serviço de distribuição de televisão. Mas a nova operadora, que tem de se lançar no mercado até ao final do ano, está a enfrentar dificuldades no acesso aos canais mais vistos pelos portugueses. A empresa apresentou queixas aos reguladores e uma deliberação já é pública, só que é desfavorável à empresa de origem romena.
A Digi já garantiu o acesso a alguns canais, sabe o ECO, mas teve mais dificuldades nas negociações com os grupos que detêm a SIC e a TVI, segundo uma fonte familiarizada com o processo. Pelo menos em relação a esta última, o diferendo acabou por chegar à mesa de várias entidades reguladoras: primeiro, a Digi recorreu à Autoridade da Concorrência no dia 19 de fevereiro, e depois bateu às portas da Anacom e da ERC, no dia 26.
A Digi entende que a Media Capital “vem adotando um comportamento abusivo”, impondo “condições comerciais discriminatórias em relação às impostas aos seus concorrentes que já operam no mercado da distribuição de programas de televisão” e um “preço de venda não equitativo”, segundo um documento publicado pela ERC. Limitar o acesso aos canais TVI e CNN Portugal, argumenta a Digi, prejudica os consumidores.
O documento da ERC sugere mesmo uma rutura das negociações entre a Digi e a Media Capital: “Iniciadas as conversações entre as partes em 7 de novembro de 2022, não lograram estas alcançar um entendimento reciprocamente satisfatório, tendo os contactos formais entre Digi e Media Capital cessado em 29 de janeiro de 2024, data que ficou marcada por uma viva e infrutífera troca de argumentos, por via eletrónica”, escreve o regulador da comunicação social.
Por sua vez, a Media Capital entende que “as condições que propôs são absolutamente razoáveis, seguindo os mesmos princípios relativos às condições que pratica em moldes não discriminatórios e transparentes para todos os distribuidores de TV paga”. Ademais, segundo a ERC, desde 2022 que a Media Capital “tem vindo a discutir com todos os distribuidores a aplicação de uma tabela de preços única para os seus direitos de sinal, tendo todo o interesse em nisso envolver” também a Digi.
Rematando, o grupo de media diz que não tem nenhuma “obrigação de entrega do sinal do canal TVI” e “muito menos de qualquer outro canal do grupo”.
A ERC concorda. O regulador declarou “improcedente a queixa apresentada”, dizendo que a lei não especifica nem impõe “quaisquer serviços de programas televisivos sujeitos a obrigações de transporte ou de entrega em redes de comunicações eletrónicas”. Mas diz “reconhecer, não obstante, que tem a queixosa direito de obter resposta e tutela às suas aspirações de se afirmar como um novo ator de relevo no mercado nacional da prestação de serviços de televisão, e de constituir a sua oferta comercial em condições não discriminatórias relativamente aos demais prestadores presentes no mercado”.
A ERC determinou, por isso, “o desencadear dos mecanismos aptos a conferir operacionalidade” ao ponto da Lei da Televisão que estipula que “os operadores de distribuição devem ter acesso, sem prejuízo dos usos de mercado conforme as regras da concorrência, aos serviços de programas televisivos em condições transparentes, razoáveis e não discriminatórias, tendo em vista a respetiva distribuição”, em “articulação” com a Autoridade da Concorrência.
Media Capital recusa entregar canais a “um distribuidor que os desvaloriza”
Contactada pelo ECO, fonte oficial da Media Capital (controlada pelo empresário Mário Ferreira, que também é acionista do ECO) rejeita “liminarmente a possibilidade de entregar os seus canais televisivos a um distribuidor que os desvaloriza, e que pretende instrumentalizar a intervenção do regulador com o único objetivo de obter condições comerciais favorecidas relativamente aos seus concorrentes em Portugal e face às condições que os seus próprios canais praticam no seu mercado de origem”. Segundo a empresa, “a Digi pede aos distribuidores na Roménia mais três vezes o que a TVI está a pedir à Digi pelos seus canais em Portugal”.
O grupo salienta que a Digi “tem dez vezes a dimensão do grupo Media Capital” e que “na Roménia, o seu mercado de origem, o acionista de referência da Digi, a partir de um negócio de construção civil, criou um império que controla dois terços dos assinantes de televisão paga e mais de 20 canais televisivos, entre os quais se inclui um dos principais canais abertos e os principais canais desportivos”. “No mercado português, seria equivalente a juntar a Altice, a Vodafone, a Media Capital, a Impresa e a Sport TV num grande grupo empresarial de construção civil”, nota fonte oficial da dona da TVI.
A Media Capital queixa-se ainda que, em 2023, a TVI, juntamente com a RTP e a SIC, promoveram uma reflexão com o anterior Governo, com a Anacom e com a ERC “relativamente ao impacto do fim da Televisão Digital Terrestre no licenciamento dos canais abertos”. “Após reuniões com dois presidentes da Anacom, dois presidentes da ERC, dois ministros das Infraestruturas e um ministro da Cultura, as três televisões abertas pediram a intervenção do primeiro-ministro, que não pôde intervir devido à sua renúncia do cargo, e do Presidente da República, que não se quis envolver no assunto”, critica.
Mesmo assim, a Anacom prolongou a licença da TDT até 2030, “ignorando” as televisões abertas, levando a TVI a iniciar um “processo de renegociação com todos os distribuidores de televisão paga sobre o licenciamento dos seus canais, na esperança de conseguir à mesa negocial o progresso inviabilizado no plano regulatório”, diz a Media Capital, que avança que a proposta original para acesso aos seus canais foi enviada à Digi no último trimestre de 2022, mas “a Digi não reagiu a essa proposta durante dez meses, período ao fim do qual exigiu à TVI uma revisão em baixa da proposta apresentada”.
Contactada, fonte oficial da Impresa não quis comentar. O ECO também questionou a Digi e a Autoridade da Concorrência sobre as negociações para a distribuição dos canais, encontrando-se a aguardar respostas.
A Média Capital e a TVI rejeitam liminarmente a possibilidade de entregar os seus canais televisivos a um distribuidor que os desvaloriza, e que pretende instrumentalizar a intervenção do regulador com o único objetivo de obter condições comerciais favorecidas relativamente aos seus concorrentes em Portugal e face às condições que os seus próprios canais praticam no seu mercado de origem.
A Digi comprou licenças 5G no leilão da Anacom promovido em 2021, estando a construir de raiz uma rede própria de telecomunicações móveis e uma rede de fibra ótica. A empresa pretende lançar serviços até ao final do ano, estando obrigada a isso pela Anacom. Todavia, ainda não deu nenhuma data concreta para o lançamento, tendo reafirmando recentemente que pretende colocar as ofertas no mercado neste segundo semestre.
No dia 12 de junho, a presidente da Anacom, Sandra Maximiano, disse no Parlamento que a Digi deverá entrar no mercado até novembro, mas admitiu que existem “obstáculos”, pois a empresa tem de negociar a obtenção de serviços com outras empresas, desde conteúdos televisivos até à interligação de chamadas e mensagens entre os seus clientes e os de outros operadores.
Ambição da Digi esbarra nas negociações com as televisões – ECO (sapo.pt)
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