Avançar para o conteúdo principal

Sintra: Um novo dia, uma nova esperança?


Marco Almeida


 Sintra comemora hoje o seu dia e, mais do que uma reflexão sobre o passado, importa olharmos para o nosso futuro coletivo. É o que aqui me proponho fazer.


O nosso concelho, distribuído por cerca de 320 km2 e com cerca de 370 mil pessoas, é um mosaico social, territorial e multicultural, mas é também muito mais do que aquilo que a empresa pública Parques de Sintra - Monte da Lua, com capital social participado pela Câmara Municipal, promove diariamente aos milhares de turistas que nos visitam à procura de um castelo encantado ou de um palácio de príncipes e princesas.


A dimensão da Vila e o seu vasto e extraordinário património arquitetónico há muito que não bastam para contentar os milhares de sintrenses que se distribuem pelas nossas cidades ou pelas localidades do litoral e do mundo rural.


A sua vida não é certamente um conto de fadas.


Diferentes entre si, nos espaços que ocupam, nas vivências do dia-a-dia e até nas suas tradições, há um sentimento comum de desânimo, de redução da autoestima, muitas vezes assente na convicção de que o concelho onde vivem ficou para trás relativamente a outros municípios vizinhos, sobretudo Cascais, Mafra e Oeiras.


É cada vez mais comum ouvirmos a comparação com a qualidade do espaço público do concelho liderado por Isaltino Morais, com as praias dos Presidentes Ministro dos Santos e Hélder Silva ou com os projetos absolutamente inovadores de António Capucho e Carlos Carreiras, dos quais destaco o serviço de transporte rodoviário público municipal.


Talvez o que os distinga seja a circunstância do privilégio de terem sido liderados por aqueles que se identificavam com as gentes que serviram. Esta especificidade não é, aliás, exclusiva destas autarquias; outras, tiveram a oportunidade de terem à frente dos seus destinos gente sua e quase sempre isso contou positivamente.


Por Sintra, nos últimos 32 anos, os Presidentes vieram todos de fora. Edite Estrela, Fernando Seara e Basílio Horta foram transferidos pela cúpula das lideranças do PSD e do PS. Não nego a sua disponibilidade em procurar servir e fazer pelas nossas comunidades, esse, não é o tempo, e o debate dessa crítica não é a minha opção; mas a verdade é que lhes faltou identidade, compromisso e capacidade de se envolverem verdadeiramente com a vida das suas comunidades, de os visitarem, de com eles conviverem e de junto deles se sujeitarem às suas preocupações e angústias. Terminado o seu ciclo de mandatos autárquicos, voltaram à sua vida longe do olhar dos sintrenses. Talvez a oportunidade do segundo maior concelho do país resida na capacidade de os partidos perceberem que as pessoas contam e que suas escolhas acabarão por afetar milhares de pessoas que deviam procurar servir.


Esse é, afinal, o desígnio da política: servir.


Estas 3 décadas de gestão autárquica trouxeram progressos em algumas áreas, mas a um ritmo inferior à dinâmica de outras autarquias. Os dados são absolutamente avassaladores, a título de exemplo, no contexto dos 8 concelhos da Grande Lisboa, no índice “poder de compra”, atrás de Sintra, encontra-se apenas Odivelas; quanto à proporção de residentes no ensino superior, Oeiras e Cascais encontra-se muito acima de Sintra. Esta realidade confirma que estamos piores face aos vizinhos mais próximos, traduzindo a ausência de uma visão estratégica de intervenção no território e na sociedade sintrense, a par do caos urbanístico que foi gerado pela irresponsabilidade das políticas locais da década de 90 e que trouxeram uma transformação brutal do tecido social. O concelho desequilibrou-se com o excesso de população num tempo em que faltavam as infraestruturas públicas que lhes dessem resposta na educação, na saúde, na mobilidade e no espaço público.


Hoje, apesar da sua persistência, ainda é possível encontrar soluções. A pergunta que importa é “como?”


A organização dos serviços municipais é prioritária. Não é possível que a Câmara sirva os sintrenses sem que ela própria se transforme, se modernize nas suas instalações e na mobilização dos cerca de 5 mil colaboradores (4801 em 2023 para ser exato) que a servem, procurando definir claramente o que pode e deve ser feito diretamente, com recurso a serviços ou com a colaboração de diferentes parceiros, sobretudo pela ação das juntas de freguesia, tendo sobre estas uma atitude de exigência nas competências delegadas e nas verbas municipais transferidas. Há situações graves de desleixo que são inaceitáveis. A autarquia por si, mobilizando os restantes agentes promotores de atividade em diferentes dimensões, tem de ser capaz de encontrar soluções para os problemas concretos das pessoas.


A alteração do Plano Diretor Municipal impõe-se. Sou crítico do que está em vigor desde 2019. Votei contra em sede de reunião do executivo municipal por entender que lhe faltava realismo no diagnóstico, ausência de ambição nas projeções e no caminho que traçava para o desenvolvimento do território, a par da insuficiência na opção das infraestruturas necessárias ao seu desenvolvimento económico e na ocupação do solo, ou nas oportunidades que a partir dele podem ser construídas, sobretudo no espaço rural e na ausência de uma visão para o extenso litoral e para o mar.


A realidade da atividade económica revela preocupação. Percorrer nos últimos tempos as páginas dos jornais é encontrar notícias sobre insolvência de empresas com décadas de atividade, sem que se encontrem boas novas sobre outras que se tenham fixado entre nós. Sintra tem perdido a batalha da atratividade empresarial, apesar das excelentes condições de posicionamento geográfico de que dispõe. O comércio resiste pela perseverança dos seus agentes, mas falta-lhe o resto, por vezes ao nível da mobilidade, mas sobretudo na agilidade das operações de licenciamento. A burocracia é inimiga do investimento e por aqui as queixas avolumam-se e com isso perdem as nossas comunidades.


A mobilidade como desígnio. É preciso olhar para o concelho como uma enorme rede capilar por onde tem de fluir o transporte particular, empresarial e, sobretudo, público. Este triângulo de necessidades precisa que sejam desbloqueados os nós de acesso ao IC19, que o tráfego flua entre o norte e o oeste para a parte restante do concelho e deste para os municípios limítrofes, abrindo novas circulares. Os constrangimentos do transporte público rodoviário e ferroviário têm de ser ultrapassados com punho de ferro junto dos organismos da administração central. Não é possível aceitar que o poder político municipal continue impávido e sereno perante a falta de qualidade ou a insuficiências de circuitos e horários com que a Carris Metropolitana e a CP nos brindam diariamente. Também a Câmara pode e deve fazer muito mais com a constituição complementar de um serviço municipal de transporte rodoviário puro e duro.


O descontentamento dos sintrenses é evidente. Muitos aqui vivem, mas falta-lhes autoestima também pela fraca qualidade do espaço público. Problemas na recolha do lixo, muitas vezes associada à falta de civismo, fragilidade na iluminação pública, degradação das zonas de lazer, ausência de conservação de passeios, árvores por podar, carros abandonados por recolher e insegurança em algumas zonas, são reclamações constantes nas dezenas de grupos de cidadãos existentes nas redes sociais.


A qualificação impõe-se e há capacidade para o fazer. As contas bancárias municipais revelam que há disponibilidade orçamental e com ela capacidade para investir, saibamos nós quando e como o fazer em benefício de todos.


As verbas disponíveis são uma oportunidade que não pode ser desperdiçada. Não podemos continuar a adiar as ações necessárias para que as comunidades sintrenses sejam beneficiárias dos investimentos que reclamam. Sintra não pode continuar perdida, sem opções culturais de relevo e sem oferta de lazer para as famílias e para os mais novos. Entre nós, não encontramos nenhum grande evento impactante e a opção dos jovens já não se faz por aqui. Falta-nos oferta cultural expressiva pelo conjunto das nossas freguesias e mesmo o centro histórico, hoje profundamente desorganizado, vive apenas do histórico património que herdámos.


Sintra precisa de encontrar o equilíbrio entre as diferentes partes que a compõem, respeitar as suas diferenças, mas promovendo a igualdade de oportunidades. Circular pelo concelho é encontrar diferentes “Sintras”, mas problemas comuns numa só Sintra.


Só a liderança da Câmara Municipal tem a fórmula das soluções, a Câmara e os seus parceiros da sociedade civil que fervilham de atividade e as escolas com o seu papel preponderante na formação e capacitação das novas gerações.


Sintra comemora hoje o seu dia e, se quisermos olhar para o nosso futuro coletivo, conseguiremos ver os imensos obstáculos que temos pela frente mas, olhando ainda mais adiante, também veremos a esperança do futuro.


Sintra: Um novo dia, uma nova esperança? - Expresso


Comentários

Notícias mais vistas:

Esta cidade tem casas à venda por 12.000 euros, procura empreendedores e dá cheques bebé de 1.000 euros. Melhor, fica a duas horas de Portugal

 Herreruela de Oropesa, uma pequena cidade em Espanha, a apenas duas horas de carro da fronteira com Portugal, está à procura de novos moradores para impulsionar sua economia e mercado de trabalho. Com apenas 317 habitantes, a cidade está inscrita no Projeto Holapueblo, uma iniciativa promovida pela Ikea, Redeia e AlmaNatura, que visa incentivar a chegada de novos residentes por meio do empreendedorismo. Para atrair interessados, a autarquia local oferece benefícios como arrendamento acessível, com valores médios entre 200 e 300 euros por mês. Além disso, a aquisição de imóveis na região varia entre 12.000 e 40.000 euros. Novas famílias podem beneficiar de incentivos financeiros, como um cheque bebé de 1.000 euros para cada novo nascimento e um vale-creche que cobre os custos da educação infantil. Além das vantagens para famílias, Herreruela de Oropesa promove incentivos fiscais para novos moradores, incluindo descontos no Imposto Predial e Territorial Urbano (IBI) e benefícios par...

"A NATO morreu porque não há vínculo transatlântico"

 O general Luís Valença Pinto considera que “neste momento a NATO morreu” uma vez que “não há vínculo transatlântico” entre a atual administração norte-americana de Donald Trump e as nações europeias, que devem fazer “um planeamento de Defesa”. “Na minha opinião, neste momento, a menos que as coisas mudem drasticamente, a NATO morreu, porque não há vínculo transatlântico. Como é que há vínculo transatlântico com uma pessoa que diz as coisas que o senhor Trump diz? Que o senhor Vance veio aqui à Europa dizer? O que o secretário da Defesa veio aqui à Europa dizer? Não há”, defendeu o general Valença Pinto. Em declarações à agência Lusa, o antigo chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, entre 2006 e 2011, considerou que, atualmente, ninguém “pode assumir como tranquilo” que o artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte – que estabelece que um ataque contra um dos países-membros da NATO é um ataque contra todos - “está lá para ser acionado”. Este é um dos dois artigos que o gener...

Armazenamento holográfico

 Esta técnica de armazenamento de alta capacidade pode ser uma das respostas para a crescente produção de dados a nível mundial Quando pensa em hologramas provavelmente associa o conceito a uma forma futurista de comunicação e que irá permitir uma maior proximidade entre pessoas através da internet. Mas o conceito de holograma (que na prática é uma técnica de registo de padrões de interferência de luz) permite que seja explorado noutros segmentos, como o do armazenamento de dados de alta capacidade. A ideia de criar unidades de armazenamento holográficas não é nova – o conceito surgiu na década de 1960 –, mas está a ganhar nova vida graças aos avanços tecnológicos feitos em áreas como os sensores de imagem, lasers e algoritmos de Inteligência Artificial. Como se guardam dados num holograma? Primeiro, a informação que queremos preservar é codificada numa imagem 2D. Depois, é emitido um raio laser que é passado por um divisor, que cria um feixe de referência (no seu estado original) ...