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Jess Phoenix: “Sismos como os que se sentem nos Açores dizem-nos que o sistema está a acordar”



 Jess Phoenix é uma vulcanóloga norte-americana e especialista em riscos naturais, que já enfrentou várias situações de risco perto de ‘gigantes’ como o Mauna Loa, o maior vulcão ativo do mundo, no Hawai, ou o El Reventador, no Equador. Numa dessas situações valeu-lhe uma pastilha elástica.


A norte-americana Jess Phoenix esteve na Glex Summit, a cimeira dos exploradores mundiais que decorreu na Ilha Terceira, nos Açores, onde a terra tem tremido com maior frequência do que o habitual este ano, levando mesmo as autoridades locais a elevarem o nível de alerta para o o vulcão de Santa Bárbara. Para uma vulcanóloga, poucos cenários seriam mais “fascinantes”, diz. “Esta região é uma prova de que o nosso planeta está vivo”.


Para uma vulcanóloga, quão interessantes são os Açores, onde a terra treme quase todos os dias e há 26 vulcões ativos?


Na verdade, é como um sonho tornado realidade, para mim, estar nos Açores, porque quando comecei a aprender sobre vulcões, olhamos para os mapas e vemos onde eles estão em todo o mundo e este conjunto de ilhas em particular fascinou-me muito, porque se encontra naquilo a que chamamos uma junção tripla, onde há o encontro de três das grandes placas tectónicas [norte-americana, euroasiática e africana]. Por isso, esta região é a prova de que o nosso planeta está a viver, a mudar e a recriar-se constantemente. Por isso, quando me convidaram para vir, disse imediatamente que sim. É uma região fascinante.


E a terra aqui tem tremido bastante este ano, em particular nesta ilha da Terceira, onde a atividade sísmica tem estado em níveis acima do normal. Aquilo que é motivo de receio para o cidadão comum é ao mesmo tempo fascinante para uma vulcanóloga, motivo de entusiasmo sobre o que pode estar em curso debaixo dos nossos pés?


A razão pela qual temos todas as estações sísmicas espalhadas pelo mundo é para podermos tomar o pulso aos vulcões e podermos monitorizá-los. Se pensarmos nisto é um pouco como a relação médico-paciente. Quando vamos ao médico, ele verifica os nossos olhos, a nossa respiração, o nosso ritmo cardíaco e a nossa tensão arterial… Aqui, monitorizamos a quantidade de gás que o vulcão está a libertar, quantos pequenos sismos existem e de que tipo são. Porque há sismos que são causados por falhas, em que a Terra está a colidir ou a afastar-se, e há sismos causados pelo magma que se move no subsolo, que são aqueles sismos mais pequenos que se sentem num lugar como a Terceira. Chamamos-lhes os sismos vulcano-tectónicos. E esses dizem-nos que o sistema está a acordar. Isto é algo interessante e fascinante para nós, cientistas, mas para o público temos de ser muito claros. Temos de dizer às pessoas que estamos atentos e que as informaremos se houver alguma razão para se preocuparem. Sejamos realistas: onde quer que vivamos no mundo, há algum tipo de geologia que pode constituir um perigo. Eu vivo em Los Angeles, onde há muitos terramotos. E a não ser que sejam de magnitude 6 ou superior, não nos levantamos da cama por isso. Claro que se vivemos perto de um vulcão e sentimos pequenos abalos, e os sentimos com frequência, posso compreender perfeitamente que as pessoas fiquem preocupadas. Mas temos excelentes cientistas que monitorizam estas coisas diariamente, e o objetivo primordial é sempre manter toda a gente segura.


No entanto, continua a ser um exercício muito difícil, o de prever quando vem um grande terramoto ou uma grande erupção.


Sim, não os podemos prever ainda, de facto. Podemos apenas dizer que é mais provável que vejamos uma erupção num determinado período de tempo, mas não podemos dizer com exatidão que é na próxima quarta-feira às 15 horas. Quem me dera que pudéssemos, mas não, ainda não é possível. Também devemos lembrar-nos que só estamos na era moderna da vulcanologia, enquanto ciência, há muito pouco tempo, desde que o Monte St. Helens entrou em erupção nos EUA em 1980. Por isso, ainda estamos a aprender, a compreender como podemos conviver melhor com os vulcões todos os dias.


Nessa avaliação e monitorização dos perigos vulcânicos, qual a melhor forma de comunicar esses riscos à comunidade? Quão importante é esse trabalho?


É a coisa mais essencial que fazemos. Não basta compreendermos que este vulcão pode entrar em erupção, que aquele está a libertar mais gás e que, naquele outro, o tipo de gás mudou. Isso não interessa se não formos capazes de o contar às pessoas, porque são elas que vivem em vulcões ativos como estes aqui nos Açores. E este grupo de ilhas é apenas uma área. Em todo o mundo, há cerca de 500 milhões de pessoas que vivem nas zonas de perigo dos vulcões ativos. Portanto, são muitas pessoas que podem ver os seus dias arruinados se não fizermos o melhor trabalho possível, se não as educarmos e lhes dermos as melhores ferramentas para lidar com os riscos naturais da área onde vivem. E isso passa pelo conhecimento. Por isso, a comunicação é uma peça chave para se fazer boa ciência.


Como diz, os vulcões têm impacto nas comunidades locais e o envolvimento dos cidadãos é crucial. É-o também para a investigação? Que papel desempenha a ciência cidadã na sua atividade?


É muito importante, porque há pessoas que vivem em locais perto de vulcões e que podem dar excelentes feedbacks e informações do terreno. Por exemplo, o simples facto de haver uma pessoa a dizer que caíram umas pedras perto de casa da avó, ou de quem quer que seja, pode levar o cientista a ir investigar essas pedras e perceber que na verdade elas resultaram de uma atividade geológica que ocorreu naquele lugar há centenas ou milhares de anos e com isso perceber que tipo de terramotos ocorreram ali... Ou podem dizer: “Da última vez que o vulcão entrou em erupção, eis o que aconteceu. Ou, da última vez que tivemos um terramoto com muita atividade sísmica, foi muito forte durante cerca de uma semana e depois desapareceu”, etc, etc. Por isso, quando ouvimos as pessoas contarem essas memórias ou mostrarem vestígios de algo que ocorreu, tudo isso são documentos que ajudam a construir a história desse local. E isso é muito importante. Hoje em dia, também estamos a utilizar dados dos smartphones das pessoas. O Serviço Geológico dos Estados Unidos, que funciona em todo o mundo, tem uma aplicação que permite comunicar os sismos que sentimos e organiza isso numa base de dados. É um relatório “did-you-feel-it”, que permite obter o feedback das pessoas.


Que tipo de informações conseguem obter com isso?


Mostra-nos, por exemplo, como os sismos afetam as pessoas que vivem em diferentes tipos de rocha, diferentes tipos de terreno. Nem toda a gente constrói a sua casa sobre um pedaço de rocha sólida. Por vezes, estão numa zona onde a rocha está um pouco mais fragmentada, ou vivem mais perto de uma praia, onde o solo é um pouco mais arenoso. Isso permite-nos saber como as ondas libertadas pelo terramoto se deslocam através do solo e ajuda-nos a compreender melhor quais as zonas mais seguras ou os pontos mais perigosos, por exemplo.


O que a inspirou para se interessar pelo estudo dos vulcões?


Bem, foi em grande parte porque eu queria saber simplesmente o porquê. Sempre essa pergunta, porquê. Porque é que as montanhas existem? Porque é que os oceanos se formaram? Porque é que os vulcões têm atividade? E tive sorte. Estava a tirar o curso de Geologia, não sabia em que me ia especializar e resolvi candidatar-me ao Observatório de Vulcões Havaiano para fazer um estágio de verão. No meu terceiro dia de trabalho, fui pela primeira vez ao cume do Mauna Loa, o maior vulcão ativo do mundo. Subimos até ao topo e olhámos a imensidão em volta. Os outros cientistas já lá tinham estado antes, por isso foram-se embora assim que acabou a missão. Mas eu, simplesmente, não conseguia. Fiquei impressionada porque estava a pisar terra que era mais nova do que eu. Eu tinha dois anos quando aquela lava se formou. Isso dá-me arrepios ainda agora, só por estar a falar disso, porque é tão incrível pensar que o nosso planeta ainda está a mudar, que não está morto ou estático. Tem vida, e nós fazemos parte dela. 


Foi essa a mais memorável experiência vulcânica que vivenciou até hoje?


Oh, não. Foram tantas… Uma das minhas favoritas foi quando estava a trabalhar no vulcão El Reventador, no Equador. Esse nome significa o eruptor ou o detonador, e é um nome muito bom para ele. Fica a quatro quilómetros da bacia do Amazonas, portanto, estamos no limite da faixa montanhosa do Equador e há uma grande caldeira, enorme, onde o antigo vulcão se desmoronou, e no seu interior há um cone mais jovem, um vulcão que se está a formar e que entra em erupção de meia em meia hora. Portanto, de meia em meia hora temos uma erupção explosiva. De facto, veem-se bombas de lava a sair do vulcão e a rolar pelos lados do cone. À noite, quando as erupções acontecem, vemos as cinzas a subir diretamente para o ar, as cinzas e os gases, mas depois vemos rochas vermelhas incandescentes a rolarem pelos lados do vulcão a grande velocidade. Não há nada como isto, porque quando estamos perto de uma erupção explosiva como esta podemos senti-la no nosso peito, como se estivéssemos a ouvir música deep bass, com graves muito profundos, porque os vulcões produzem sons em que a frequência está abaixo do que o ouvido humano consegue captar. Por isso, sentimo-la no nosso corpo, mas nem sequer a ouvimos com os nossos ouvidos. É tão primitivo e causa uma impressão tão forte, porque a qualquer momento podemos morrer, mas estamos lá para tentar aprender mais, para que possamos manter as pessoas mais seguras. E vale a pena. É uma daquelas experiências em que sentimos que o risco compensou.


Os cidadãos comuns continuam a ter muitas ideias erradas sobre os vulcões?


Penso que ainda há muitas, mas as pessoas que vivem em sítios como os Açores, o Havai ou as ilhas Canárias estão mais bem informadas. Sabem mais do que a média. Mas eu diria que persistem vários mitos. Por exemplo, as pessoas pensam que toda a lava é quente, mas não. As rochas que compõem as paredes aqui na Terceira também são lava. É apenas lava arrefecida e endurecida. Nos Estados Unidos também há muito a ideia de que o vulcão de Yellowstone vai entrar em erupção e matar toda a gente. Mas as probabilidades de uma grande erupção acontecer lá enquanto qualquer um de nós estiver vivo são provavelmente menores ainda do que as de ganhar a lotaria. Outra coisa que ouço muito é as pessoas pensarem que os vulcões produzem mais dióxido de carbono do que os humanos, com todos os nossos carros e a nossa atividade industrial. Isso não é verdade. Os vulcões produzem menos de 1% de todo o dióxido de carbono todos os anos. Enfim, ainda persistem vários mitos.


Li sobre si que uma vez teve de inventar uma solução à MacGyver para escapar de uma zona remota. Quer-nos contar como foi isso?


Oh, deixe-me ver… qual terá sido? Na Austrália. Com um pedaço de pastilha elástica? Ah, essa não foi na Austrália. Na verdade foi no maior vulcão do mundo, no Hawai. Numa área remota sem rede de telemóvel, em que estamos a milhas de distância de qualquer coisa. Então, nesse dia estávamos a conduzir um Jipe alugado e um pneu estava em baixo. Não tínhamos reparado quando levantámos o carro e só demos conta quando mais era necessário, quando estávamos a conduzir sobre lava e o pneu furou. Então começámos a olhar em volta, a tentar perceber como nos poderíamos safar e a perguntar-nos o que é que tínhamos connosco que pudesse ser útil. Peguei numa esferográfica e enfiei-a no buraco para estancar a perda de ar, mas depois precisávamos de algo para o selar. E então lembrei-me que tinha pastilha elástica na minha mochila, pegámos na pastilha elástica, mascámo-la, arranjámos fita adesiva daquela prateada, grande e forte que também tínhamos connosco, tirámos a caneta, pusemos a pastilha elástica, envolvemos com a fita adesiva e conseguimos parar a fuga de ar a tempo de podermos sair do vulcão. Se alguém que está a ler isto e quiser tornar-se um cientista e trabalhar no terreno, precisa de ter capacidades criativas para resolução de problemas. 


E levar sempre uma pastilha elástica. 


Sim, eu levo sempre (risos). Nunca se sabe quando vai ser útil. Já trabalhei em várias situações inóspitas. Estive no fundo do mar com um robô submersível, no interior de um vulcão. Trabalhei com helicópteros na Tanzânia. Um dia estávamos a filmar e o microfone, o braço que segura o microfone, partiu-se e não havia forma de manter o microfone no ar. E depois olhámos em volta, estávamos numa aldeia cheia de guerreiros Maasai, não havia lá nada que pudéssemos usar exceto ossos de animais, porque eles só comem carne. Então disse: “Tragam fita-cola e vamos colar este osso de animal e usá-lo para apoiar o microfone.” É assim que fazemos ciência. Não é perfeito. Há sempre coisas que correm mal e há que ser criativo.


Falou noutras experiências e também foi coanfitriã de uma série da Discovery, Hunting Atlantis, onde andou em busca de pistas sobre a mítica civilização perdida. Encontrou algo que a tenha deixado mais perto de acreditar que realmente possa ter existido uma Atlântida algures, que não uma mera utopia criada por Platão? 


Sim, sabe, não exatamente a Atlântida de que as pessoas ouvem falar nos mitos e histórias. Não aquela em que toda a gente tinha cabelo loiro e olhos azuis. Não é isso. Mas talvez essas histórias se baseiem em algo que de facto possa ter existido. Porque nós, humanos, somos muito bons a pegar em algo que vimos e a criar uma história sobre isso. Por exemplo, no caso dos vulcões, os gregos e os romanos diziam: “Os deuses que vivem nos vulcões devem ser ferreiros. Devem estar a martelar ferraduras, armaduras e espadas”. Porque é esse o som que se ouve quando se está perto de um vulcão, soa como metal a bater em metal. Por isso, com a Atlântida, acredito que possa ter havido algo em que a história se tenha baseado também, sabe? Foi por isso que viajámos para cinco países. Estivemos na Bulgária, Croácia, Grécia, Turquia e Itália. E pudemos ver muitos sítios onde existem provas, mais antigas do que conhecíamos, de civilizações realmente avançadas. Pessoas que faziam tatuagens, que enterravam os seus mortos com mais ouro do que alguma vez vi na minha vida. E depois, grandes catástrofes, como o colapso de poços de água ou enormes erupções vulcânicas, deslizamentos de terras ou terramotos que podem destruir uma cidade com um milhão de pessoas. Por isso, quando entrei no projeto dizia: “Não sei se isto vai resultar. Não sei se isto é real.” E saí de lá a pensar: “Sabes que mais, Jess? Não sabemos aquilo que não sabemos”. Ainda temos de continuar a tentar encontrar a origem destes mitos. Portanto, talvez não fosse uma cidade mágica, mas encontrei coisas que me fazem acreditar que pode ter existido na História uma cultura bastante avançada que inspirou o mito de Atlântida. E podemos aprender muitas coisas ao tentar descobri-la. 


Os próprios Açores também fazem parte das zonas já mencionadas como possível localização de Atlântida…


Sim. Se alguma vez nos permitirem uma temporada 2, viremos aqui.  


Para terminar, a Jess concorreu ao Congresso nas anteriores eleições norte-americanas, pelo Partido Democrata. É uma experiência que tenciona repetir desta vez?.  


Não, não, não. Felizmente, não. Mas acredito realmente que é importante, onde quer que vivamos no mundo, envolvermo-nos com a política local. Porque se queremos políticas baseadas em factos e evidências, temos de ter cientistas e pessoas que entendam a ciência entre os eleitos. Eu concorri uma vez, já fiz a minha parte. Está na vez de outros tentarem. Porque o pior que pode acontecer é conseguir de alguma forma envolver pessoas que nunca tinham estado envolvidas na política. Só por isso já vale a pena. 


O jornalista viajou para a Terceira a convite da Glex Summit


Jess Phoenix: “Sismos como os que se sentem nos Açores dizem-nos que o sistema está a acordar” (dn.pt)


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