Operação pioneira que coloca elétrodos na coluna permite que homem com a medula espinhal danificada volte a caminhar, nadar e andar de bicicleta
Michel Roccati é paraplégico desde 2017, quando foi vítima de um acidente de mota que danificou a sua medula espinhal e lhe retirou toda a sensibilidade e movimento em ambas as pernas. Este ano recomeçou a andar graças a uma implantação de elétrodos na sua coluna que reativam os seus músculos, permitindo movimento.
Desenvolvido pelo professor Grégoire Courtine, neurocientista do Instituto Federal Suíço de Tecnologia em Lausanne, e pela professora Jocelyne Bloch, neurocirurgiã do hospital universitário de Lausanne, o sistema já foi testado em três pessoas diferentes, com sucesso.
A operação é indicada para indivíduos com lesão medular mais grave, explicou Courtine, ou seja, “indivíduos com lesão medular clinicamente completa – sem sensação e sem movimento nas pernas” e poderá ser adequada para qualquer pessoa que apresente lesões na medula espinhal acima do nível da caixa torácica inferior.
Embora os participantes do estudo tenham sido, até agora, homens entre os 29 e 41 anos, Courtine acredita que o sistema de elétrodos terá resultados igualmente positivos em mulheres, embora não se trate de um tratamento para todos. Isto porque a operação é algo invasiva e implica uma série de riscos. Um sistema semelhante já tem sido usado há algumas décadas como “um tratamento para a dor, mas no fim da linha”.
Segundo uma pesquisa publicada em 2020, na revista Spinal Cord, das 600 mil pessoas que se submeteram a esse tipo de intervenção, “13% (78.172) dos referidos indivíduos sofreram lesões causadas por estimuladores da medula espinhal”.
Embora constituam uma minoria, as complicações pós-operatórias podem ser graves, incluindo infeções ou outro tipo de danos na medula espinhal, explica a pesquisa.
O novo uso do sistema de estimuladores é ainda demasiado recente para que se possam retirar conclusões concretas sobre os seus riscos, mas sendo uma intervenção semelhante, acredita-se que também as consequências o sejam.
A questão financeira pode também ser um obstáculo à obtenção deste tratamento. O sistema que permitiu a Roccati e outros dois participantes conseguirem, novamente, erguer-se, foi resultado de um grande financiamento.
Como funciona?
Em situações nas quais a medula espinhal não se encontra fraturada, o ato de dar um passo implica que os nervos recebam mensagens do cérebro para iniciar o movimento, comunicação que, no caso de Roccati, não acontece.
Será o elétrodo implantado na coluna que se ocupará de fornecer pulsos elétricos aos nervos da medula espinhal, responsáveis por controlar músculos como os das pernas e tronco. Os pulsos, por sua vez, são controlados por um software de um tablet que emite instruções para as diferentes ações, como caminhar, andar de bicicleta ou nadar.
“O uso de elétrodos elétricos implantáveis já é bastante explorado na área médica, como no tratamento da dor crónica. A grande diferença foi usar um algoritmo que consegue ativar movimentos específicos, como levantar joelho e esticar a perna. Isso é algo que ainda não havia sido feito”, explica Amauri Araújo Godinho, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN) ao Jornal Estado de Minas.
Uma vez concluída a operação, os participantes precisam de se fazer acompanhar de um aparelho semelhante a um andarilho com botões que permitem acionar os movimentos das pernas.
Após a intervenção, os três pacientes demoraram poucas horas até serem capazes de se levantar, mas foram precisos três a quatro meses de prática para que caminhassem com mais facilidade. “Não foi perfeito no início, mas eles foram capazes de treinar desde muito cedo para ter uma marcha mais fluída”, disse Bloch.
Roccati já é capaz de andar cerca de 500 metros, a prova de que o treino tem resultados. “Uso (o sistema) todos os dias durante algumas horas no trabalho ou em minha casa para para executar diferentes tipos de atividades”, contou.
Courtine tem esperança que os ensaios clínicos numa escala maior comecem nos EUA e na Europa e levem este sistema, cujos detalhes são relatados na Nature Medicine, a mais pessoas.
Outras oportunidades
Um outro estudo, eWALK, está a desenvolver um sistema que procura também estimular a medula de forma não invasiva através de elétrodos presos na pele. No entanto, neste caso, os participantes terão de ter uma lesão da medula apenas incompleta, não total. Este tipo de lesão não permite que os indivíduos andem, mas permitir enviar um sinal muito ténue do cérebro até aos nervos.
O objetivo será fazer com que o sinal muito fraco que é transmitido, e cuja resposta é quase nula, seja capaz de acionar uma percentagem superior do músculo permitindo, assim, andar.
https://visao.sapo.pt/atualidade/2022-02-10-homem-paralisado-volta-a-andar-apos-implante-na-coluna/
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