A Europa está a importar 23% do gás que consome da Rússia, mas desde novembro que Portugal tem o contador do gás russo a zero. Suspensão da certificação do Nord Stream 2 obriga o Velho Continente a reforçar as compras de gás junto de outros fornecedores
O chanceler alemão, Olaf Scholz, “congelou” esta terça-feira as perspetivas russas de avançar com a exportação de gás natural para a Alemanha através do gasoduto recém-construído Nord Stream 2. “Temos de reavaliar a situação, em particular em relação ao Nord Stream 2”, declarou Scholz numa conferência de imprensa esta terça-feira, sinalizando a suspensão do processo de certificação da infra-estrutura energética.
O Nord Stream 2 é um projeto detido pela russa Gazprom e financiado por várias empresas de energia, designadamente a Engie, OMV, Shell, Uniper e Wintershall, que permitirá importar para a Alemanha gás russo suficiente para abastecer 26 milhões de habitações. É uma espécie de auto-estrada de gás no Mar Báltico, que liga diretamente a Rússia ao centro da Europa (através da Alemanha), sem a necessidade de atravessar outros países, como a Ucrânia, a Bielorrússia e a Polónia.
Com mais de 1200 quilómetros de extensão e um custo total de 9,5 mil milhões de euros, o gasoduto começou a ser licenciado em 2013, avançando o consórcio (igualmente designado Nord Stream 2) com a contratação dos fornecedores em 2016. A infraestrutura recebeu todas as licenças de construção necessárias entre 2018 e 2019 (precisou de “luz verde” da Alemanha, Finlândia e Suécia). A instalação do gasoduto arrancou logo em 2018, mas chegou a estar parada entre dezembro de 2019 e dezembro de 2020, na sequência de sanções dos Estados Unidos, decretadas por Donald Trump, às empresas participantes no projeto.
A construção ficou completa em 2021, e em outubro do ano passado começou a ser injetado gás para realizar testes e assegurar volumes mínimos de segurança, mas com várias questões ainda em aberto. E uma delas é o processo de certificação da empresa Nord Stream 2 AG como operador independente de transporte de gás pelas autoridades alemãs.
Essa certificação é um requisito da legislação alemã, em linha com regras igualmente vigentes em Portugal: em 2014 a ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos realizou um processo similar de certificação da REN como operador independente das redes de transporte de eletricidade e gás natural, de forma a cumprir as diretivas europeias de separação das atividades de produção, transporte e comercialização de energia.
Sem Nord Stream 2 o que acontece?
O Nord Stream 2 tem capacidade para transportar anualmente 55 mil milhões de metros cúbicos (55 BCM), ou seja, 10 vezes o consumo português de gás natural, que segundo a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) ascendeu a 5,6 BCM em 2021.
A suspensão da certificação do Nord Stream 2 resulta no adiamento da entrada em operação comercial da infra-estrutura, o que obrigará a Alemanha e a Europa a encontrar outras fontes de aprovisionamento de gás.
O Nord Stream 2 duplicaria a capacidade de exportação de gás da Rússia para a Alemanha através do Báltico (que desde 2011 já conta com os 55 BCM do Nord Stream 1), e permitiria um maior fluxo de energia para o centro da Europa, podendo aliviar os problemas de escassez como os que o Velho Continente registou nos últimos meses de 2021, com a procura de gás nos mercados asiáticos a oferecer forte concorrência no mercado global, puxando os preços deste combustível para cima.
Segundo os dados da associação europeia de operadores de transporte de gás citados e analisados pelo instituto Bruegel, na sexta semana deste ano (5 a 11 de fevereiro), a Europa recebeu 8,9 BCM de gás natural. Desse total, 2,06 BCM (23% do total) vieram da Rússia. A Noruega forneceu 2,8 BCM (31%), a Argélia 0,7 BCM (8%) e a maior parte do gás remanescente chegou ao Velho Continente por via marítima, na forma de gás natural liquefeito (GNL, ou LNG em inglês), que abasteceu 3,1 BCM nessa semana (35% do total).
A capacidade adicional que o Nord Stream 2 dará à Europa corresponde a pouco mais de 1 BCM (mil milhões de metros cúbicos) por semana, volume que, a não ser importado da Rússia, a Europa terá de aprovisionar de outras origens. E conseguirá?
Em janeiro os Estados Unidos da América (EUA), um dos maiores fornecedores de GNL da Europa, iniciaram conversações com o Qatar (outro fornecedor de referência, incluindo de Portugal) para assegurar um reforço das exportações de gás para os mercados europeus, no caso de uma invasão russa à Ucrânia ameaçar o abastecimento da Europa.
A sinalização da disponibilidade norte-americana para reforçar o abastecimento à Europa dará algum conforto aos decisores europeus, perante o cenário de terem de compensar parte do gás russo que hoje chega à Europa (23%, conforme referido) por outras fontes.
Preço do gás dispara
No entanto, a iminência de uma invasão russa provocou na manhã desta terça-feira um disparo na cotação dos contratos de gás TTF (Title Transfer Facility). Negociados na Holanda, mas referência para as empresas de energia de toda a Europa, os TTF abriram a sessão nos 80 euros por megawatt hora (MWh), mais 8% que na véspera.
Embora a meio da manhã o preço destes contratos tenha aliviado, as declarações do chanceler Olaf Scholz sobre a suspensão da certificação do Nord Stream 2 vieram novamente agitar o mercado e os traders de energia.
Às 11h51 a cotação dos TTF escalou para os 81,3 euros por MWh, segundo os dados da plataforma ICE. Minutos depois, o preço aliviou ligeiramente, voltando estes títulos a ser transacionados abaixo dos 80 euros.
Pouco depois das afirmações de Olaf Scholz, o ex-presidente e ex-primeiro-ministro russo Dmitry Medvedev publicou no Twitter uma mensagem avisando que a não utilização do Nord Stream 2 irá encarecer o gás natural que a Europa importa.
“Bem-vindos ao admirável mundo novo onde os europeus muito em breve irão pagar 2.000 euros por mil metros cúbicos de gás natural”, apontou Medvedev. Atualmente o preço grossista de um metro cúbico de gás nos mercados europeus ronda os 800 euros.
Vale a pena notar, todavia, que o preço do gás tem sido extremamente volátil. Há um ano os contratos TTF eram transacionados a apenas 16 euros por MWh. O preço começou a subir no início do segundo semestre, com a Europa a começar o aprovisionamento de mais gás, para responder à retoma da economia e à aproximação do inverno.
Em 22 de dezembro de 2021 a cotação dos contratos TTF alcançou um pico histórico de 132 euros por MWh, que teve repercussões nos mercados de eletricidade, fazendo disparar o custo de operação das centrais de ciclo combinado (alimentadas a gás natural) e atirando o preço grossista da eletricidade para níveis inéditos (incluindo em Portugal e Espanha).
E Portugal como fica?
A suspensão da certificação do Nord Stream 2 não afeta diretamente o aprovisionamento de gás de Portugal, embora ponha pressão na logística global de trânsito de gás liquefeito, o que acabará por, indiretamente, poder influenciar a atividade do terminal de gás de Sines.
Portugal tem uma exposição reduzida ao gás russo. A última vez que o país importou gás da Rússia foi em outubro de 2021, quando foram descarregados, por navio, no terminal de gás de Sines 1,99 terawatt hora (TWh) de gás proveniente daquele país.
Em novembro e dezembro de 2021 e em janeiro de 2022 Sines não recebeu qualquer carga de gás russo. Em janeiro, segundo dados da REN, o terminal português recebeu 7 navios, sendo as maiores descargas de gás provenientes da Nigéria, seguida dos Estados Unidos da América e Trinidade e Tobago.
O aprovisionamento de gás por via terrestre (pelos gasodutos com Espanha) é outra das vias de importação de gás do país mas em janeiro não foi registado qualquer volume de entrada de gás nessas interligações
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