Ainda só aprovado um quarto da verba da medida de apoio a desempregados, cujas candidaturas fecharam em junho de 2023. Consultor admite ação judicial contra o IEFP.
O programa Empreende XXI, que fechou em junho do ano passado, ainda só aprovou candidaturas no valor de 12,3 milhões de euros, ou seja, um quarto dos 50 milhões de euros atribuídos à medida, de acordo com informação solicitada pelo Dinheiro Vivo ao Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). O atraso na aprovação dos projetos é apenas uma das debilidades identificadas por Pedro Silva, um dos consultores que se sentem lesados com a “catástrofe processual” - como diz -, a ponto de preparar uma ação judicial contra o IEFP.
Inicialmente, o programa destinava-se apenas a apoiar desempregados ou jovens à procura do primeiro emprego, mas uma segunda portaria veio alargar o âmbito e permitir que qualquer inscrito no IEFP (incluído pessoas com emprego) pudesse beneficiar de uma ajuda financeira para criar um projeto empresarial.
Com o alargamento do universo, terá ocorrido um “elevado volume” de projetos interessados - referência que o IEFP não facultou -, a ponto de o período de apresentação de candidaturas, aberto a 3 de abril, ter sido antecipado para 23 de junho (e não no final do ano como previsto). Pelo menos, assim interpreta Pedro Silva, que assinala outra particularidade dos regulamentos: as respostas às submissões deveriam ser dadas em 45 dias consecutivos após a data da entrega dos processos.
“Foram extremamente residuais os casos em que uma resposta foi obtida em cumprimento dos 45 dias úteis assumidos pela portaria. Na grande maioria dos casos, este prazo não foi cumprido, existindo na data de hoje, muitos projetos sem qualquer decisão final e/ou parecer. Verifica-se, de forma evidente, uma clara violação da legislação e regulamentação desta medida”, critica o consultor da Crius Consulting - Sistemas de Incentivos e Assessoria de Gestão. No seu caso, em 72 candidaturas que desenvolveu só uma teve resposta atempada.
Avaliação
Outra irregularidade estará relacionada com as Entidades de Acompanhamento (EA) a quem compete a avaliação económico-financeira das candidaturas. Pedro Silva, remetendo-se às portarias, considera que essa análise é da “íntegra responsabilidade das EA”. No entanto, denuncia: “Não poucos foram os casos em que as EA emitem um parecer favorável e o IEFP faz tábua rasa desta avaliação e emite um parecer contrário, assumindo pressupostos totalmente contrários aos mencionados no parecer da EA”.
Descreve mesmo a existência de “casos de promotores [candidatos] que levaram avante o seu projeto após tomarem conhecimento de um parecer favorável por parte da EA, alguns deles aplicaram todas as suas poupanças e até procederam ao compromisso com o aluguer de espaços. Para seu espanto, a grande maioria deles acaba por ver o IEFP a desconsiderar o trabalho das EA e a apresentar um parecer desfavorável, deitando por terra toda a expectativa que havia sido criada”.
Acontece que as EA - normalmente incubadoras, municípios e Instituições do Ensino Superior -, além de avaliarem as candidaturas, também podiam, em simultâneo, segundo Pedro Silva, apoiar promotores no processo de elaboração e submissão de projetos, partindo, “desde logo, de uma posição favorável face às candidaturas cujos promotores recorreram a consultores ou acompanhamento externo. Estas EA tinham, no momento da candidatura, um maior conhecimento processual daquilo que seria a avaliação dos projetos, podendo prepará-las com maior eficácia”.
Por considerar que a “assimetria na informação gera diferentes pontos de partida para os diferentes promotores”, entende que ela “pode ser colocada em causa, de acordo com os princípios fundamentais de direito”.
Sobre as situações relacionadas com as 18 EA envolvidas no programa, o IEFP apenas respondeu ao Dinheiro Vivo que os pagamentos que lhes foram feitos pelo Instituto “estão a decorrer dentro da normalidade, com valores já pagos”.
Regras alteradas
Apesar de o acesso ao programa ter terminado a 23 de junho, Pedro Silva recorda que as FAQ (perguntas mais frequentes) só foram disponibilizadas a 27 de julho, mas com “informação relevante que não era pública”, o que, em sua opinião, veio “excluir algumas candidaturas já submetidas, sem possibilidade de revisão”, configurando “algo completamente irregular” que pretende contestar judicialmente.
Mas, além das FAQ “fora de horas”, também o Manual de Credenciação das Entidades Avaliadoras, com a metodologia e critérios de avaliação dos projetos, só terá sido publicado após o fecho das candidaturas. Segundo Pedro Silva, um dos critérios que nunca foi público foi o da inovação. No regulamento, aparecia “uma única vez e para efeitos de majoração das candidaturas, não para efeitos de elegibilidade ou exclusão”. No entanto, “esse critério estava nas diretrizes do IEFP para as EA, tornando obrigatório a avaliação do caráter inovador de cada projeto - uma informação que não era pública no período de apresentação das candidaturas, e que só passou a sê-lo posteriormente”.
Confrontado pelo Dinheiro Vivo com as situações mencionadas, o Instituto de Emprego apenas respondeu que, “como acontece com todos os programas e medidas do IEFP, a informação detalhada sobre o Empreende XXI (incluindo regulamentos e condições de acesso) é disponibilizada no respetivo portal”.
Pedro Silva já se reuniu com o secretário de Estado do Trabalho, ainda em dezembro, a quem teve oportunidade de reportar as irregularidades que detetou no programa. No entanto, revela que ainda nenhum procedimento foi alterado por parte do IEFP.
“Catástrofe processual” no acesso ao programa Empreende XXI (dinheirovivo.pt)
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