Liberais querem saber como secretário de Estado da Defesa ganhou €50 mil em cinco dias, pagos por diretor-geral suspeito de corrupção
Marco Capitão Ferreira, hoje secretário de Estado da Defesa, foi contratado pela direção-geral de Recursos de Defesa Nacional, em 2019, para fazer uma assessoria sobre os helicópteros EH-101, que era para durar 60 dias. Ao fim de apenas cinco, recebeu os €50 mil e foi nomeado para a Empordef. Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal, quer aceder a toda a documentação do contrato
Três anos antes de entrar no Governo, o secretário de Estado da Defesa, Marco Capitão Ferreira, assinou um contrato de assessoria com a Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN), no valor de €50 mil, no dia 25 de março de 2019. Mas apesar de o contrato prever um prazo de execução de 60 dias (até final de maio desse ano), Capitão Ferreira recebeu o pagamento integral pelo serviço supostamente prestado apenas cinco dias depois, a 30 de março do mesmo ano, avançou o “Correio da Manhã” esta quarta-feira.
Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal, colocou uma questão ao Governo sobre esta notícia, de que deu conta no Twitter: “Como é possível um trabalho técnico tão complexo, que justifica uma contrapartida de €50 mil, ter sido executado em apenas quatro dias? A menos que o valor do contrato tenha sido pago antes de o serviço ter sido realizado e, nesse caso, estaremos perante uma clara violação do Código dos Contratos Públicos, que impede o pagamento antecipado”.
O contrato da DGRDN com Capitão Ferreira era de assessoria técnica para as áreas de negociação no âmbito da Lei de Programação Militar relativamente aos helicópteros EH-101.
Um dos problemas relacionados com o contrato e com o pagamento efetuados pela DGPRN, então liderada por Alberto Coelho - hoje arguido e suspeito de corrupção na operação Tempestade Perfeita - é que, no dia 29 de abril de 2019, Capitão Ferreira iniciou funções na Empordef, como presidente da comissão liquidatária da empresa que era a holding do Estado para as indústrias de Defesa. E “o Estatuto do Gestor Público impede que exista acumulação da prestação de serviços com o exercício de funções em empresas públicas”, escreve também o liberal Rui Rocha.
O grupo parlamentar dos liberais enviou esta quinta-feira uma pergunta à ministra da Defesa Nacional, Helena Carreiras, a pedir para serem “disponibilizados todos os relatórios, pareceres e outros documentos decorrentes do trabalho realizado por Marco Capitão Ferreira para a DGRDN, bem como cópia da autorização de pagamento, e demais troca de correspondência relevante entre a DGRDN e Marco Capitão Ferreira”, isto segundo o requerimento a que o Expresso teve acesso.
Os liberais querem ainda saber se Capitão Ferreira assinou mais algum contrato com a DGRDN ou com empresas do universo da Defesa, antes de ser secretário de Estado daquele ministério.
Levantam-se, assim, várias perplexidades”, de acordo com o texto do líder da IL na Twitter. O homem que assina o contrato “é o mesmo Alberto Coelho que desempenhava funções de gestão e coordenação das obras do Hospital Militar, que sofreram uma enorme derrapagem. O mesmo Alberto Coelho que foi detido e acusado por suspeitas de corrupção nessas mesmas obras. O mesmo Alberto Coelho que, em abril de 2021, quando já se sabia da enorme derrapagem das obras do Hospital Militar e havia evidência de várias inconformidades legais na gestão da obra que estavam identificadas numa primeira auditoria da IGDN, foi nomeado pelo Ministério da Defesa para a Empordef”.
Na verdade, Alberto Coelho não foi nomeado para a Empordef, mas sim para a ETI, uma empresa do univerno idD, a atual holding das indústrias de Defesa que era presidida pelo mesmo Marco Capitão Ferreira.
Rui Rocha aponta ao ministro da Defesa nessa época, João Gomes Cravinho, agora ministro dos Negócios Estrangeiros: “Não só deu luz verde a essa nomeação, totalmente incompreensível face aos factos já então apurados, como nem sequer ordenou um processo disciplinar a Alberto Coelho”, na sequência da auditoria da Inspeção-Geral de Defesa Nacional às obras no ex-Hospital Militar de Belém. “Não”, continua o liberal, “pelo contrário, nomeou-o para altas responsabilidades na Empordef [mais precisamente na idD). E por que razão o fez? Porque, de acordo com declarações do ministro João Gomes Cravinho, Marco Capitão Ferreira, o mesmo que recebeu a mando de Alberto Coelho €50 mil por um trabalho de quatro dias, indicou ao ministro o nome de Alberto Coelho como sendo a pessoa certa para as referidas funções”.
Segundo Rui Rocha, “quando Marco Capitão Ferreira, actualmente secretário de Estado da Defesa Nacional, e Alberto Coelho, atualmente a responder por acusações de corrupção, se cruzam, surgem enormes perplexidades: contratos de grande complexidade executados em quatro dias (ou pagos antecipadamente, se não estavam executados), possíveis violações do Código dos Contratos Públicos e do Estatuto do Gestor Público e nomeações incompreensíveis para altos cargos da estrutura da Defesa Nacional perante evidências de derrapagens e ilegalidades cometidas”.
Ao “CM”, Marco Capitão Ferreira justificou que “o contrato terminou após a prestação dos serviços prestados” e garantiu que “não acumulou a assessoria em causa à DGRDN com as funções na Empordef”, que iniciou a 29 de abril de 2019. Capitão Ferreira foi nomeado secretário de Estado em março de 2022.
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