Presidente da comissão que avaliou as redes dos operadores explica ao DV que deliberação é definitiva e para cumprir.
Após o Conselho Superior de Segurança do Ciberespaço deliberar a exclusão de empresas não-ocidentais do 5G português, o Dinheiro Vivo (DV) ouviu diferentes fontes do setor das telecomunicações manifestarem dúvidas sobre o alcance daquela decisão - se o afastamento de empresas como a Huawei está decidido ou se o governo terá uma última palavra a dizer. Ao DV, o contra-almirante António Gameiro Marques, que preside a autoridade nacional de segurança que tomou a decisão, esclarece que a deliberação não é uma recomendação - é definitiva e para cumprir.
"Em resultado da referida avaliação de segurança, a Comissão [de Avaliação de Segurança] pode determinar a exclusão, a aplicação de restrições à utilização ou a cessação de utilização de equipamentos ou serviços, devendo estabelecer, sempre que adequado, um prazo razoável para o respetivo cumprimento, o que significa que a deliberação tem caráter vinculativo", afirma Gameiro Marques, quando questionado se a deliberação divulgada era definitiva ou se teria forma de recomendação e, nesse caso, o governo poderia ter opinião diferente. O responsável falou ao DV por escrito, via e-mail, dando nota que o governo foi consultado antes do envio das respostas.
Citando o artigo 62 da Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE), Gameiro Marques lembra que a referida comissão "é responsável pela realização de avaliações de segurança relativas à utilização de equipamentos em quaisquer redes de comunicações eletrónicas, justificadas e fundamentadas em critérios objetivos de segurança com base em informação relevante emitida pelas entidades competentes nacionais e da União Europeia [UE] ou constante das avaliações nacionais ou europeias de risco para a segurança das redes".
Ou seja, a Comissão de Avaliação de Segurança está, segundo a lei, mandatada para determinar, caso seja necessário, a exclusão de entidades ou a aplicação de restrições a empresas em qualquer tipo ou parte das redes de telecomunicações, sem que as decisões tenham de ser avaliadas pelo governo posteriormente a uma deliberação.
O contra-almirante Gameiro Marques é o diretor-geral do Gabinete Nacional de Segurança (GNS) e do Centro Nacional de Cibersegurança (CNC). Preside por inerência a Comissão de Avaliação de Segurança, organismo criado no âmbito da LCE para avaliar antenas, componentes e fornecedores das telecom nacionais. O trabalho da referida comissão é abrangido pelo Conselho Superior de Segurança do Ciberespaço, órgão específico de consulta do primeiro-ministro para temas de segurança do ciberespaço, que deliberou existir "alto risco" para a segurança das redes e serviços 5G que usem equipamentos fornecidos por empresas "com sede em países onde o governo exerça controlo, interferência ou pressão sobre as suas atividades em países terceiros". Ou seja, países fora da União Europeia (UE), fora dos EUA, fora da NATO ou fora da OCDE. Quer isto dizer que as redes 5G da Altice, NOS, Vodafone, Nowo e Digi não podem ter componentes fornecidas por empresas (incluindo subsidiárias) originárias, por exemplo, da China, Rússia e da Índia, bem como de países da América do Sul ou de África.
Na origem da decisão, noticiada em primeira mão pelo Jornal Económico a 25 de maio, está um relatório da Comissão de Avaliação de Segurança.
Portugal segue exemplos de países como Suécia, França e Reino Unido
Ainda que questionado, o contra-almirante Gameiro Marques não revela o prazo que os operadores terão para deixar de usar equipamentos que não cumpram as novas regras. O responsável confirma, todavia, que o resultado da avaliação feita já "foi comunicada aos operadores públicos de telecomunicações", bem como à Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom).
Igualmente contactado, o gabinete de Mário Campolargo, secretário de Estado da Modernização Administrativa e Digitalização, cuja tutela deste dossiê foi delegada por António Costa, também não desvenda o prazo dado aos operadores. Fonte oficial reitera, no entanto, que cabe à Anacom fazer cumprir as novas determinações "no prazo concedido para o efeito".
Fonte oficial do regulador das comunicações não fala sobre este tema, remetendo quaisquer explicações para a Comissão de Avaliação de Segurança. Segundo o contra-almirante Gameiro Marques, o horizonte temporal é informação classificada.
O conteúdo da deliberação tomada na sequência da avaliação de risco foi classificado com o grau "Reservado", por conter informação "cujo conhecimento ou divulgação por pessoas não autorizadas pode ser desfavorável aos interesses do país e dos agentes económicos". A classificação respeita instruções para a Segurança Nacional, Salvaguarda e Defesa das Matérias Classificadas, abreviadamente designadas por SEGNAC 1.
O contra-almirante Gameiro Marques realça que "todos os trabalhos" feitos foram desenvolvidos com base na "Recomendação (UE) n.º 534/2019, da Comissão, de 26 de março de 2019, e informação emitida pelo Grupo de Cooperação formado no âmbito da Diretiva (UE) 2016/1148 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de julho de 2016, referente a medidas destinadas a garantir um elevado nível comum de segurança das redes e da informação em toda a União".
"A avaliação tomou particularmente em consideração a metodologia constante do documento Cybersecurity of 5G networks: EU Toolbox of risk mitigating measures" e "integrou a informação recolhida junto dos operadores nacionais de telecomunicações e dos principais fornecedores de equipamentos de rede em Portugal, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 62.º da Lei n.º 16/2022", de acordo com o responsável.
Foram ainda considerados legislação e regulamentos aplicados noutros países, "incluindo de Estados-Membros da UE com experiência no âmbito da segurança das redes públicas de comunicações eletrónicas 5G e que já implementaram medidas congéneres". A Suécia, a França, os Países Baixos, a Dinamarca, a Letónia e a Lituânia, para além do Reino Unido foram os casos estudados, segundo o presidente da autoridade nacional de segurança.
Operadores dizem não ter Huawei no 5G
O trabalho da Comissão de Avaliação de Segurança, sabe o DV, decorreu entre agosto de 2022 e janeiro de 2023. No fundo, consistiu no levantamento das componentes do core (núcleo) das redes dos operadores, que materiais são utilizados para o transporte da rede (fibra ótica, por exemplo) e quem fornece o rádio (antenas).
O 5G foi o foco, mas a segurança e integridade das redes de gerações anteriores (como 2G, 3G e 4G) também foram avaliadas, tal como o DV escreveu em dezembro de 2022 com base em fontes conhecedoras deste dossiê. Por um lado, até este trabalho de fiscalização, nunca tinha sido feito um levantamento sobre a integridade e segurança do que está por trás das redes móveis. Por outro, numa primeira fase, a quinta geração da rede móvel é non-standalone, ou seja, é 4G com antena 5G.
Os principais visados foram os operadores históricos - Altice, NOS e Vodafone -, mas também houve contactos com a Nowo e a Digi, que ainda não têm redes móveis próprias mas têm licenças 5G, tal como escreveu o DV em janeiro.
Nem o governo nem Gameiro Marques, ou Anacom, ainda que questionados pelo DV, confirmam se a deliberação, agora conhecida, abrange de facto redes móveis de gerações anteriores. Além disso, também nada dizem sobre se o resultado do trabalho da Comissão de Avaliação de Segurança poderá transcender as telecomunicações. Há empresas portuguesas fora deste setor - com acionistas chineses, por exemplo - que têm registos na Anacom enquanto prestadores de redes e serviços de comunicações eletrónicas. É o caso da EDP e da REN.
A deliberação que exclui do 5G entidades não-ocidentais não refere nomes de empresas ou de países, mas a Huawei surge na memória. É o único fornecedor não-europeu relevante das telecom portuguesas e já foi banido do 5G noutros países da UE.
A Huawei já fez saber ter conhecimento que o governo "publicou informação relativa à avaliação de risco das redes de telecomunicações". Contudo, garante que "não teve conhecimento prévio desta publicação". Por isso, "está a procurar reunir mais informação junto das autoridades competentes, relativamente à natureza desta avaliação".
Para o desenvolvimento do 5G em Portugal, Altice, NOS e Vodafone não recorrem à Huawei. A Altice fez saber recentemente que o principal fornecedor será a Nokia, enquanto a NOS recorre à Ericsson e Nokia. Já a Vodafone prefere a Ericsson a norte-americana Mavenir.
No caso da Altice Portugal, apesar da empresa recorrer, em diferentes áreas das redes móveis, à Cisco, Ericsson e Nokia, no passado implementou diferentes componentes da Huawei na sua rede. Aliás, em 2018, durante a visita de Estado do presidente da China, Xi Jinping, a Portugal, a Altice e a Huawei integraram um dos 17 acordos assinados entre os dois países. Naquele caso, estava em vista uma parceria estratégica para o 5G, mas, depois das recomendações de Bruxelas, a Altice negou usar material da Huawei no core da sua rede 5G.
A NOS tem reiterado o uso exclusivo de tecnologia europeia nas antenas, designadamente Ericsson e Nokia. Contudo, o operador já teve a Huawei como parceiro para a construção de redes móveis, mas, segundo uma fonte setorial, a empresa substituído os componentes chineses. Em fevereiro de 2020, a NOS já garantia aos analistas do setor que não recorria à Huawei para o núcleo da rede e que iria obedecer às recomendações da UE. Noutras áreas, como os bastidores de energia que alimentam as antenas, a NOS recorre também à Huawei. Para o 5G, a empresa usa Nokia no core da rede e Nokia e Ericsson para a componente rádio (antenas). Também já recorreu a antenas da norte-americana Matsing.
No que toca à Vodafone Portugal, o parceiro histórico do operador tem sido a Ericsson. A empresa passou também a trabalhar com a norte-americana Mavenir para o core da rede 5G.
Refira-se que a Nowo, que passou a deter espetro com o leilão do 5G, ainda não tem rede própria e continua a usar parte da rede da Altice - algo que deverá mudar com a aquisição da empresa pela Vodafone. Já a rede da recém-chegada Digi ainda está a ser construída e beneficiará das torres da Cellnex. O operador tem parcerias com Ericsson, Nokia e Huawei em diferentes mercados europeus.
José Varela Rodrigues:
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