Os espanhóis da INNengine têm em mãos um motor de combustão interna a 1 tempo, o 1S ICE. Uma tecnologia que promete níveis sem precedentes de eficiência e compacidade.
Longa vida ao motor de combustão interna. Não deixa de ser irónico que o “fim anunciado” do motor de combustão interna devido à eletrificação rampante, não tenha sido impedimento para assistirmos a grandes avanços nos últimos anos: taxa de compressão variável (Nissan), ignição por compressão em motores a gasolina (Mazda) e agora, a Koenigsegg irá colocar em produção (ainda que bastante limitada) o primeiro motor de ciclo Otto (4 tempos) sem árvore de cames.
É nesta senda de inovação que também surge o 1S ICE da INNengine, que promete ir ainda mais longe.
Um motor pequeno, porém revolucionário, que encerra no seu interior soluções de engenharia muito interessantes. Vamos conhecê-las?
É pequeno, muito pequeno, mas o potencial é gigante…O que é o 1S ICE?
O 1S ICE da INNengine é um motor muito compacto em dimensão e capacidade, com apenas 500 cm3 e só 43 kg de peso — o seu criador, Juan Garrido, diz já estar a trabalhar numa evolução desta unidade com apenas 35 kg (!).
O seu baixo peso e volume são duas das principais vantagens que os responsáveis da INNengine anunciam relativamente aos motores de combustão interna convencionais (4 tempos):
- Até 70% de redução de volume total;
- Até 75% de redução de peso;
- Até 70% menos componentes;
- E até menos 75% de cilindrada, mas com a mesma densidade de potência de um motor convencional 4x maior. Por exemplo, o 1S ICE de 500 cm3 consegue a mesma potência que um motor de 2000 cm3 a 4 tempos.
Podemos ainda ver que, apesar da pequena cubicagem, o 1S ICE tem quatro cilindros e… oito pistões — não é erro, são mesmo oito pistões… Ou seja, são dois pistões por cilindro, o que neste caso significa estarmos na presença de um motor de pistões opostos. Escrevi pistões opostos e não o mais vulgarmente conhecido cilindros opostos. Qual a diferença?
Pistões opostos são mais antigos do que imaginas
Motores de pistões opostos não são o mesmo que motores de cilindros opostos como aqueles que conhecemos nos Porsche e Subaru. Qual a diferença? Nos motores de pistões opostos temos dois pistões por cilindro, trabalhando um em oposição ao outro, com a câmara de combustão a ser partilhada por ambos.
Nos motores de pistões opostos, os pistões “enfrentam-se” dois a dois, no mesmo cilindro.Não é, no entanto, uma novidade no que toca a motores de combustão interna, apesar de ser uma solução técnica incomum.
Na realidade, o primeiro motor de pistões opostos data de 1882, concebido por James Atkinson (o mesmo Atkinson que deu nome ao ciclo de combustão homónimo encontrado, sobretudo, em veículos híbridos, devido à sua maior eficiência).
A principal vantagem desta disposição reside numa maior eficiência, já que deixa de haver uma cabeça de motor e árvores de cames — os motores de pistões opostos são a 2 tempos —, reduzindo peso, complexidade, perdas por calor e atrito, e custo.
No entanto, na prática, como os dois pistões no mesmo cilindro têm de trabalhar de forma coordenada, estes têm de estar ligados entre si fisicamente, obrigando a repor alguma da complexidade e peso perdidos.
Os motores de pistões opostos têm sido aplicados, sobretudo, em grandes transportes, como navios, veículos militares, ou até como eficientes geradores. No mundo automóvel são muito mais raros. Hoje em dia, talvez o motor de pistões opostos mais próximo de equipar um automóvel (ou quanto muito um veículo comercial) é o da Achates Power. Fica com um pequeno vídeo que permite perceber o seu funcionamento:
Pistões opostos 2.0: adeus cambota
Qual é a diferença do 1S ICE da INNEngine para este motor de cilindros opostos da Achates? Como podemos ver no filme acima, para controlar o movimento de todos os pistões nos cilindros temos duas cambotas unidas através de um sistema de engrenagens. O 1S ICE simplesmente prescinde das cambotas, e com elas também as bielas desaparecem de cena e todas as engrenagens associadas.
Reduzindo de forma tão expressiva o número de componentes necessários para o funcionamento do seu motor, a INNengine conseguiu assim as já mencionadas reduções de volume e massa, e um potencial aumento de eficiência.
No lugar das cambotas encontramos duas peças (uma espécie de disco que encaixa no eixo do motor), um em cada extremidade do motor, com uma das suas superfícies ondulada meticulosamente calculada. São eles que permitem coordenar perfeitamente o movimento dos oito pistões (que agora deslocam-se num eixo paralelo ao do eixo do motor).
Vejam-nas em funcionamento:
Parece absurdamente simples, não é? Graças à disposição equidistante e concêntrica de todas as (poucas) peças móveis, e ao movimento dos pistões alinhados com o veio principal, o equilíbrio deste motor é praticamente perfeito.
A ausência de vibrações é de tal ordem que, quando mostraram um filme de um protótipo do motor em banco de testes, foi acusado de ser falso, pois não era percetível a olho nu que o motor tivesse a funcionar…
Neste pequeno vídeo podemos ver também outras características do 1S ICE, como a possibilidade de avançar ligeiramente o posicionamento de uma das “cambotas”. Uma possibilidade que permite ter distribuição variável, não das válvulas (não as tem), mas das portas (admissão e escape) que tomam o seu lugar. E permite também taxa de compressão dinamicamente variável, alterando-a de acordo com as necessidades, como acontece com o motor da Nissan.
O objetivo destas opções, tal como é possível de encontrar em alguns dos motores a 4 tempos que equipam os nossos automóveis, é o de conseguir maior eficiência e rendimento. No caso do 1S ICE, permite a flexibilidade que os motores a 2 tempos — como o são os de pistões opostos — não permitem, sendo estes de parâmetros fixos.
E isso leva-nos à outra inovação do 1S ICE, o facto de ser um motor a 1 tempo, característica tão importante que faz parte do seu nome: 1 Stroke ou 1 Tempo.
Apenas 1 tempo?! Como assim?
Estamos familiarizados com o termo motor a 4 tempos (aquele que equipa os nossos automóveis com motor de combustão interna), como também com o motor a 2 tempos (estes mais associados a motorizadas). No entanto, a INNengine diz que o seu motor é a 1 tempo, o que significa:
- 4 tempos: uma explosão por duas voltas de cambota;
- 2 tempos: uma explosão por cada volta de cambota;
- 1 tempo: duas explosões por cada volta de cambota.
Este é um dos “segredos” para a sua prometida eficiência e também para o seu rendimento específico: de acordo com a INNengine, o seu pequeno 500 cm3 é capaz de apresentar números equivalentes a um motor de 2000 cm3 a 4 tempos.
Os números… possíveis
Estamos ainda na fase de desenvolvimento, pelo que não existem números definitivos. Mas nos vídeos onde Juan Garrido surge a explicar tudo sobre o seu motor (deixaremos um vídeo no final do artigo), há um número que salta à vista: 155 Nm às 800 rpm! Um valor impressionante e só para comparar, temos valores de binário similares alcançados pelos pequenos mil turbo no nosso mercado, mas alcançados 1000 rpm mais tarde e… são sobrealimentados.
Números relativos a consumos/emissões, teremos de esperar mais, o que nos leva à pergunta fundamental:
Chegará a equipar um automóvel?
Talvez, mas não da forma que pensas. Apesar de estarem a converter um Mazda MX-5 (NB) para servir de protótipo de testes para este motor, o objetivo e a orientação do seu desenvolvimento passa sobretudo por servir como extensor de autonomia para veículos elétricos.
O Mazda MX-5 não é um carro de grandes dimensões, mas o 1S ICE parece estar a “nadar” no seu compartimento do motor.O facto de ser tão compacto, leve, eficiente, e produzir números tão elevados a tão baixas rotações — o objetivo para este extensor de autonomia é o de produzir 30 kW (41 cv) às 2500 rpm — pode fazer dele o extensor de autonomia perfeito. Menos custos (não é necessário uma bateria tão grande), menos poluição (motor de combustão mais eficiente), e com elevado refinamento a bordo (ausência de vibrações).
No entanto, outras aplicações adivinham-se para este motor, estando a INNengine a desenvolver um motor para competição, e a aviação (ligeira) já demonstrou um elevado interesse neste seu motor.
Mundo real
Tal como o motor Achates Power, é inegável o potencial do 1S ICE da INNengine. Para realmente o vermos é necessário enorme suporte financeiro, e apesar de ambas as empresas terem o apoio da Saudi Aramco (gigante petrolífera saudita), o ideal seria ter o apoio de um ou vários construtores automóveis.
Se a Achates Power já o conseguiu em parte graças ao suporte da Cummins (produtora de motores) e da ARPA-E (agência governamental dos EUA para projetos avançados relacionados com energia), a INNengine ainda não o encontrou.
São 10 anos de desenvolvimento, já há protótipos do motor em bancos de teste. O interesse gerado só poderá subir — até pelas promessas deste propulsor —, mas mesmo assim não é garantido que chegue a bom porto. Isto devido ao contexto atual, onde a indústria automóvel está forçosamente focada, apenas e só, na eletrificação. Será difícil a um construtor diversificar o seu investimento para um motor de combustão interna totalmente novo, e para mais onde tanto nele é novo.
Não admira o foco da INNengine no desenvolvimento do 1S ICE como um extensor de autonomia — parece ser a única possibilidade de vingar no futuro próximo e captar o interesse da indústria automóvel.
A importância do motor de combustão interna no futuro é relevante não só para o automóvel, mas para todos os tipos de veículos a que ele recorrem, sejam terrestres, marítimos ou aéreos. Os números são claros e avassaladores.
Por ano são produzidos à volta de 200 milhões de motores de combustão interna (à volta de 90 milhões pertencem a automóveis), pelo que não é de esperar que a breve/médio prazo eles simplesmente desapareçam agora que “descobrimos” a eletricidade.
É fundamental que se continue a apostar na sua evolução, pois também fazem parte da solução.
Para os que querem saber mais sobre este motor de combustão interna, deixo-vos um vídeo (espanhol, mas legendado em inglês) de Juan Francisco Calero, jornalista, que teve oportunidade de visitar as instalações da INNengine e falar com Juan Garrido, da INNengine:
Comentários
Enviar um comentário