A escassez de mão-de-obra está a obrigar as empresas a oferecer mais do que apenas salário. No Algarve e Comporta vão ser construídas casas para alojar funcionários e famílias.
A necessidade de atrair trabalhadores para zonas de baixa densidade populacional está a obrigar as empresas com projetos turísticos de elevada dimensão a investir na construção de casas. Os salários e outros benefícios não são suficientes para conquistar mão-de-obra num país que se debate com falta de recursos humanos e de oferta habitacional. É uma espécie de regresso ao passado.
Estas estratégias lembram os tempos em que as grandes fábricas tinham os seus próprios bairros operários e serviços de apoio às famílias. A Vanguard Properties, que está a desenvolver empreendimentos de luxo na Comporta, prepara-se para gastar 15 milhões de euros em habitação. No Algarve, o resort premium Verdelago vai investir nove milhões. Já a Águas de Carvalhelhos, com sede no concelho transmontano de Boticas, tem um conjunto de 20 moradias para os colaboradores há mais de 30 anos.
"Não havendo suficiente mão-de-obra na região, a alternativa é trazer pessoas para trabalhar nos concelhos de Grândola e Alcácer do Sal", diz José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard. Neste momento, a promotora imobiliária está a desenvolver um primeiro plano habitacional para 200 pessoas, mas já está a preparar projetos para albergar até duas mil. O gestor não tem dúvidas: "Para que seja possível trazer e, sobretudo, reter trabalhadores, a única solução passa por oferecer um pacote que contemple boas condições financeiras, habitação condigna, seguros de saúde, planos de formação adequados e de gestão de carreira".
A empresa tem em fase de adjudicação o primeiro projeto, orçado em 15 milhões de euros, e prepara-se para lançar o segundo, revela Cardoso Botelho. A construção terá um carimbo de sustentabilidade. A Vanguard tem vindo a investir na industrialização da fileira da construção, nomeadamente em madeira e soluções em aço, e os conjuntos habitacionais para os trabalhadores serão também espelho dessa aposta. "As unidades são essencialmente construídas em fábrica, em blocos, e são montadas no local com recurso a uma grua, como se de um lego se tratasse", diz. Serão edificados prédios de apartamentos, entre T0 e T3, que "serão exclusivamente para arrendamento para quem trabalhar para a Vanguard Properties ou para clientes empresariais" da empresa e só serão arrendados a colaboradores que não tenham residência na região de Grândola e Alcácer do Sal.
A promotora, que tem como acionista principal o multimilionário Claude Berda, está a desenvolver um amplo projeto residencial-turístico na Comporta orçado em cerca de mil milhões de euros que, quando estiver concluído, deverá gerar entre quatro a cinco mil empregos. Isto significa "que iremos certamente desenvolver mais habitação ao longo dos anos", frisa Botelho Cardoso.
O Verdelago, um resort de natureza 5 estrelas em Castro Marim, decidiu investir nove milhões de euros numa solução mista. O complexo, detido maioritariamente pelo Fundo Aquarius, adquiriu dois edifícios nas proximidades do empreendimento e vai construir uma unidade de 80 camas neste concelho do Sotavento algarvio, numa parceria com a autarquia local. Este projeto será implementado num terreno com cerca de sete hectares e terá atrativos como piscinas, campos desportivos, moradias e suítes. Segundo Paulo Monteiro, diretor-geral de desenvolvimento do Verdelago, o complexo necessita neste momento de mais de 200 colaboradores. O processo de recrutamento está em marcha, até porque estás prestes a abrir as portas da primeira fase do investimento. Neste verão, estarão já disponíveis 102 unidades de alojamento turístico e construídos os primeiros equipamentos de apoio, como o clube do aldeamento, restaurante, bares, piscinas, equipamentos desportivos, kids club e diversos espaços verdes.
Para atrair trabalhadores, o Verdelago oferece "condições remuneratórias e de progressão de carreira interessantes, formação e desenvolvimento, mas também alojamento - um dos principais entraves à contratação neste setor", sublinha Paulo Monteiro. O resort está a recrutar para "várias dezenas de posições", nomeadamente para serviços como housekeeping, cozinha, reservas, manutenção, receção e recursos humanos. Este processo não se esgota aqui. Quando o investimento de 270 milhões de euros estiver concluído e entrar em velocidade cruzeiro, o que significará mais de duas mil camas turísticas, vai necessitar de 600 colaboradores diretos e permanentes, prevê o responsável.
Réplicas do passado
Estes projetos de casas para alojar os trabalhadores são uma réplica do que sucedeu no país nos séculos XIX e início do XX, quando indústrias fabris de dimensão construíram bairros para os seus operários. São exemplos o bairro da Vista Alegre, em Ílhavo, construído em 1824 e que integrava o corpo de bombeiros, escola básica, posto de saúde, entre outros serviços. Ou o complexo habitacional da antiga CUF no Barreiro, edificado entre 1908 e 1932, ou ainda o bairro portuense Ignez, também do início do século XX. Dos tempos idos, é também o conjunto habitacional para trabalhadores da Águas de Carvalhelhos.
O valor do investimento ficou esquecido na passagem dos anos, mas foi a pensar nos colaboradores de concelhos e regiões limítrofes, que diariamente tinham de percorrer distâncias significativas entre casa e trabalho, que a centenária empresa de Boticas decidiu construir 20 moradias, a 300 metros da fábrica, conta Gonçalo Magalhães Ferreira, diretor comercial. No momento, estão 12 residências ocupadas, por 12 famílias. Não pagam aluguer e as manutenções regulares são asseguradas pela Águas de Carvalhelhos. Qualquer colaborador deslocado da sua área de residência e vida familiar, e que comunique tal circunstância e necessidade de alojamento, é elegível para uma destas casas. Como frisa o responsável, as moradias "acabam por ser uma forma de fixar no concelho trabalhadores descolados".
Sónia Santos Pereira:
Empresas investem em habitação para atrair trabalhadores (dinheirovivo.pt)
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